“NOSSA VIDA É UMA ASSOCIAÇÃO”. Foi assim que Franciel Cruz autografou um exemplar de “Ingresia” para a Biblioteca de Comunicação Jorge Calmon, da Associação Bahiana da Imprensa (ABI). O lançamento do primeiro livro do jornalista ireceense, ocorrido no último sábado (9), foi, como havia prometido o irreverente autor, um evento de “abalar a Bahia e uma banda de Sergipe”. De forma inusitada, Ingresia não chegou às mãos do leitor sem antes cumprir o inédito cortejo literário que saiu dos pés das estátuas dos caboclos, no Campo Grande, até o Instituto Cultural Brasil Alemanha (ICBA), no Corredor da Vitória.
Lá, dezenas de jornalistas e amigos se espremiam numa fila maior que a do recadastramento biométrico, para garantir acesso aos “fuleiros rabiscos” da aguardada e apoiada obra. Nem mesmo o autor foi capaz de antever o sucesso do evento e, às tantas, começou a reclamar de câimbras na mão. Pediu uma parada estratégica, alegando ir ao sanitário, e logo voltou às originais dedicatórias. O lançamento contou com show do cantor e compositor Mario Mu keka Cortizo. Na ocasião, também foi lançado o infanto-juvenil “Sítio Caipora”, da escritora e antropóloga Núbia Bento Rodrigues.
Ingresia nasce de um esforço coletivo, através de uma “vaquinha virtual” que mobilizou pessoas até de outros países. Franciel, de 48 anos, é um dos jornalistas que buscaram nas ferramentas digitais a liberdade nem sempre possível nas redações tradicionais e editoras comerciais. “Eu queria independência, fazer do meu jeito”, explica Franciel, que mostrou com quantos cliques se faz um livro. Quem assina a foto da capa é o fotógrafo Hirosuke Kitamura. A obra conta ainda com orelha do escritor Xico Sá, prefácio do jornalista Cláudio Leal e posfácio póstumo do crítico de cinema André Setaro, falecido em julho de 2014.
O livro é uma coletânea de contos sobre a Bahia, com histórias do cotidiano, inventadas ou não. “Tem textos sobre política, alguns pretensiosamente culturais e futebol. Selecionei de acordo com os temas, para costurar o livro, para um texto dialogar com outro. Não dividi por capítulos, mas o fluxo divide bem”. Franciel contou a ABI que “Ingresia” surgiu por insistência dos amigos que acompanhavam seus escritos. As noventa crônicas produzidas desde o início dos anos 2000 estavam registradas em blogs e nas redes sociais. “Nunca tive ideia de fazer livro, nunca tive pretensão no campo literário, está sendo uma surpresa”, afirma.
Descrito no prefácio por Cláudio Leal como “um narrador empurrando as portas do mundo” e “repórter de perguntas sem afagos”, Franciel tem um estilo cortante que mescla humor, ironia, hostilidade e lirismo, em uma intrigante contradição. No posfácio, Setaro diz que “a sua pena é da galhofa, da ironia, exercitando sempre no que diz e no que fala, o seu pessoal sentido de ironia, de ver as coisas da vida com peculiar humor”. Em referência ao famoso blog que deu origem ao livro, o crítico já refletia sobre o que chamou de “estilo francielliano”, uma maneira própria de mexer no verbo. Setaro considerava sua escrita distante dos discursos acadêmicos caracterizados, segundo ele, “pelo desprazer da leitura”. Como disse Xico Sá na orelha do livro, “besta é tu que ainda não conhecia a maldita ingresia”…