Luta pelo fim da violência contra a imprensa, história do jornalismo baiano e preservação da memória. Para celebrar seus 93 anos em defesa da democracia e da comunicação, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) destacou esses temas para dar início às celebrações de aniversário.
Com a presença de associados, profissionais de imprensa, representantes da sociedade civil e autoridades, o evento foi realizado na manhã desta quinta-feira (17), no Auditório Samuel Celestino, que fica no terraço do Edifício Ranulfo Oliveira, na sede da entidade, no Centro de Salvador. A data faz referência exata a 17 de agosto de 1930, quando a ABI foi fundada.
Foi o primeiro de cinco encontros – os próximos serão realizados semanalmente, até o dia 16 de setembro, no mesmo local. A inauguração da programação foi celebrada pelo presidente da Associação, Ernesto Marques, que definiu o momento como “muito intenso e rico”.
“Nossa expectativa é que, nos momentos seguintes, a gente consiga mobilizar cada vez mais estudantes, profissionais, pessoas que gostam da imprensa e têm preocupação com a atividade jornalística. A gente cumpriu muito bem os objetivos e agora é seguir adiante”, comemorou, ao final do evento.
O presidente da Assembleia Geral da ABI, Walter Pinheiro, declarou a abertura oficial dos trabalhos da solenidade. Em sua fala, ele lembrou a importância do trabalho feito pelas direções anteriores da instituição em defesa da imprensa e da liberdade de expressão. Pinheiro ressaltou que, sem imprensa livre, não há democracia.
“Infelizmente, vivemos tempos de intolerância, como se fosse uma permanente campanha eleitoral. É chegado o momento de os palanques serem desmontados, para que possamos trabalhar dentro da normalidade na busca pela verdade, que é o que a ABI sempre está fazendo”, avaliou.
Ele destacou a importância dos encontros programados pela ABI. Para Pinheiro, o espaço também é um foro de debates dentro da democracia. “Temos que trabalhar e estar empenhados em defender a gente, mas também a sociedade. É lamentável que a banalização da vida humana esteja se praticando de maneira tão ostensiva, à luz do dia e de forma repetida. É algo que amedronta a todos e temos que vencer isso. A ABI tem a obrigação de continuar o trabalho desenvolvido nesses 93 anos e nos próximos que virão pela frente”.
História e futuro
Esta primeira sessão teve como eixo temático Memória e Reconhecimento, cuja programação teve início com um painel sobre a história da imprensa e da própria ABI, a partir do combate à violência contra a imprensa no estado. Em uma fala inaugural, o presidente Ernesto Marques ressaltou que, diferentemente das pessoas, instituições não são criadas com a certeza de que chegarão ao fim. Pelo contrário: elas são resultado se pessoas que as constroem coletivamente ao longo de sua história.
Marques relembrou o momento de criação da ABI, quando 73 jornalistas foram reunidos em um dia de domingo – o 17 de agosto de 1930 – para a criação formal da entidade, na época, na sede da Associação Tipographica. Ao longo de quase um século, a instituição manteve-se atual e passou por transformações, como a mudança para a atual sede. Aquele momento marcou a criação da “Casa dos Jornalistas”.
O prédio da ABI já recebeu até mesmo a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. No local, há um imenso acervo que inclui de periódicos antigos a documentos raros, bem como mais de 10 mil obras da Biblioteca Jorge Calmon. “Somos um caso singular em que a própria casa é parte do acervo, que até poderia ser muito bem abrigado em algum outro espaço”, pontuou o presidente.
Além de relembrar a história, Marques reforçou também que a ABI já deu início à contagem regressiva para as comemorações pelo seu centenário, daqui a sete anos. Até lá, estão entre os planos da entidade a digitalização de todo o acervo e a reforma do edifício, para que receba a certificação de edifício verde, além da abertura da Casa da Palavra Ruy Barbosa.
“A Associação Bahiana de Imprensa reafirma todos os seus objetivos fundantes, a defesa intransigente das liberdades democráticas, do direito à informação que é acesso para todos os direitos fundamentais da pessoa humana. Nesta caminhada, será sempre motivo de renovação do nosso otimismo”, acrescentou.
Contra violência
O segundo painel foi intitulado “Tecendo a Rede”. Durante a conferência, o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia (Sinjorba), Moacy Neves, apresentou o primeiro relatório de atividades da Rede de Combate à Violência contra a Imprensa. Na ocasião, o coletivo foi rebatizado de Rede Agostinho Muniz Filho de Combate à Violência contra a Imprensa, em homenagem ao jornalista cuja atuação representa um marco na defesa da categoria.
De acordo com Neves, desde 2017, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) tem registrado o aumento expressivo de casos de ataques a jornalistas, além da ampliação com novas formas de violência, a exemplo do cancelamento virtual. “Estamos lidando com novos tipos de violência que têm tanto impacto quanto uma agressão. Essa epidemia nos levou a idealizar um projeto na Bahia, que é a rede que recebeu o nome de Agostinho Muniz”, disse.
A ideia para a criação da rede surgiu em 2022, após discussões entre a ABI e o Sinjorba, mas o lançamento do projeto ocorreu em abril deste ano, durante as celebrações pela Semana do Jornalista. Além das duas entidades, fazem parte da rede órgãos públicos ligados aos sistemas jurídico e de segurança, além de organizações da sociedade civil e empresas de comunicação.
Atualmente, a rede acompanha os casos de seis colegas que foram agredidos, ameaçados ou atacados no exercício da profissão. Outros 12 casos já estão sendo analisados e devem ser acompanhados em breve.
“O objetivo primeiro é a gente fazer a denúncia pública dos casos, porque é muito importante mostrar aos colegas agredidos que eles não estão sozinhos nessa batalha, mas também para a gente pedir andamento das investigações e a punição dos responsáveis”, afirmou Neves, citando que, entre os casos, há ocorrências que estão há mais de dois anos sem resposta.
O dossiê com os seis primeiros casos será enviado à SSP para pedir que as investigações sejam agilizadas. “É importante dizer que o objetivo é inibir novas agressões, mostrar que vai haver repercussão negativa com aquele fato. Também queremos promover o diálogo com os órgãos de segurança e os movimentos sociais, no sentido de precaver a cobertura de fatos sensíveis e de confronto, porque a gente fica exposto”, completou.
Homenagem
Diante disso, o presidente da ABI, Ernesto Marques, reforçou que o primeiro combate à violência é com o jornalismo. Ele lembrou que, no final da década de 1990, a Bahia figurava como um dos lugares mais perigosos para o trabalho de jornalistas. Em pouco menos de 10 anos, 11 profissionais da imprensa baiana foram mortos. Apenas um desses casos teve autores materiais identificados, o que levou o estado da Bahia a ser denunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Agostinho Muniz Filho teve importante atuação na denúncia dos episódios violentos e agora empresa o seu nome à rede. Ele foi homenageado também pelo 1º vice-presidente da ABI, Luís Guilherme Pontes Tavares, e pela diretora do Sinjorba, Isabel Santos, que fizeram uma saudação em nome das duas entidades. Ambos trabalharam com Agostinho Muniz Filho na assessoria de imprensa da Universidade Federal da Bahia.
Isabel agradeceu o aprendizado naquele período. “É um profissional íntegro, muito preocupado com a orientação e com o caminho da ética, da responsabilidade e de fazer o melhor dentro do que cada um poderia fazer”, disse. Já Luís Guilherme Tavares lembrou que o homenageado foi um dos jornalistas que mais lutou contra o que chamou de “soberania do press release” no período da ditadura militar. “O press release está cada vez mais respeitado nas redações e não me parece que isso contribui para o jornalismo”, pontuou.
Agostinho Muniz Filho recebeu, da ABI, uma placa expressando a gratidão da entidade, assim como do Sinjorba, pela sua atuação. Além disso, a mensagem reforçava o papel decisivo que ele desempenhou nas lutas em defesa da democracia e contra a violência. A placa foi entregue pelas mãos de sua esposa, Dineia Sobral Muniz.
Ele agradeceu o reconhecimento. “Não esperava, de jeito nenhum, essa homenagem porque durante todo o tempo em que atuei, não só no Sinjorba como na ABI, foram 34 anos de um compromisso tão intenso que não imaginava que algum dia seria homenageado por isso”.
Quando Muniz Filho comandou os trabalhos de combate à violência contra jornalistas, houve o entendimento de que não cabia apenas às entidades de comunicação reagir ao problema. Naquele contexto, foram convidadas instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil e sindicatos como dos Bancários, além de entidades nacionais e internacionais de direitos humanos.
Durante o encontro, Agostinho Muniz Filho afirmou que acredita que a reação das entidades, principalmente as internacionais, responsabilizando o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso pelo que estava acontecendo na Bahia teria contribuído para o fim dos ataques.
“Depois da onda de assassinatos, em 1998 se cometeu o último atentado contra Manoel Leal, em Itabuna. De lá para cá, a violência apenas mudou de caráter, sobretudo a violência econômica, política e o uso do poder judiciário como forma de pressão. A violência muda de caráter, de feição, mas continua do mesmo jeito porque não se consegue suportar a liberdade da comunicação”, ressaltou.
Academia
O evento na ABI contou com a produção de estudantes vinculados à Empresa Júnior de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, a Produtora Júnior. Presente no encontro, o professor Leonardo Costa, diretor da Faculdade de Comunicação (Facom), reforçou a importância da programação para celebrar o aniversário da entidade.
“A memória da imprensa é fundamental e é importante ter uma associação que resguarde essa memória. Agora, a gente na Facom, com a reformulação do currículo, tem uma disciplina que é História do Jornalismo. No semestre passado, que foi a primeira vez que ela foi ofertada, os estudantes vieram aqui na ABI. É muito importante para o estudante que ingressa na Faculdade de Comunicação conhecer essa história”. A segunda sessão, que ocorre na próxima quinta-feira (24), terá como eixo temático a judicialização. Será discutida a questão dos direitos autorais na relação entre profissionais, agências, assessorias e veículos. Além disso, outro tema abordado será o assédio judicial. Na mesma data, haverá uma homenagem ao jornalista e advogado Luiz Gama.
Como forma de reconhecimento do papel da imprensa na sociedade baiana, a programação técnico-científica e cultural tem como parceiras incentivadoras as seguintes empresas e instituições: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, Prefeitura Municipal de Salvador, Associação Baiana das Empresas de Base Florestal – ABAF, Suzano, Companhia de Gás da Bahia – Bahiagás, Governo do Estado da Bahia e o portal Bahia Notícias.
Perdeu a abertura da agenda comemorativa? Confira a gravação no canal da ABI no Youtube!
PROGRAMAÇÃO
17/ago
8h30 – Sessão de abertura e anúncio da programação completa
EIXO 1 MEMÓRIA E RECONHECIMENTO
9h às 9h20 – Painel: História da imprensa baiana e da ABI: A luta pelo fim da violência contra a imprensa na Bahia.
>> Ernesto Marques, presidente da ABI.
9h20 às 10h – Interação com o público
10h20 às 10h40 – Painel: Tecendo a Rede – apresentação do primeiro relatório de atividades da Rede Agostinho Muniz Filho de Combate à Violência contra a Imprensa.
>> Moacy Neves, presidente do Sinjorba
10h40 às 11h40 – interação entre relator(a), representantes de órgãos públicos e plateia
11h40 – Homenagem: Rede Agostinho Muniz Filho de Combate à Violência Contra a Imprensa
24/ago
8h30 – Recepção e credenciamento
EIXO 2 – JUDICIALIZANDO
9h às 9h40 – Painel: Direitos autorais na relação entre profissionais, agências/assessorias e veículos
>> Paula Fróes, fotojornalista
>> Pedro Nunes, advogado, especialista em direito autoral
>> Rodrigo Moraes, advogado e escritor
>> Ana Paula de Moraes, advogada, especialista em direito digital
9h40 às 10h – Diálogos
10h20 às 11h20 – Painel: Assédio judicial: situação atual na Bahia e no Brasil + como se proteger e como combater
>> Carlos Augusto, jornalista, editor e diretor do Jornal Grande Bahia
Diálogos
12h – Homenagem a Luiz Gama
17h30 às 20h30 – Lançamento do livro “A peleja dos zuavos baianos contra Dom Pedro, os gaúchos e o satanás”, do jornalista e escritor Jolivaldo Freitas.
06/set
8h30 – Recepção aos convidados e público
EIXO 3 – FORMAÇÃO
9h às 9h40 – Painel 1: PEC diploma – a falta que ele faz: o que mudou no mundo dos jornalistas desde 2009
>> Samira de Castro, presidente da Fenaj
>> Talyta Singer, professora do curso de Jornalismo na Unijorge
11h30-13h – Painel 2: Empreendendo na comunicação: MEI e outras possibilidades
>> Suely Temporal, jornalista, sócia da ATCom
>> Karine Oliveira, afroempreendedora, CEO da Wakanda Educação
>> Cláudio Patterson, gestor de Atendimento e Orientação Técnica do Sebrae
13/set
Ciclo Temas Diversos
11h30 – Painel: Ética em tempos de comunicação digital e inteligência de dados
>> Yuri Almeida, jornalista e pesquisador, mestre em Comunicação
16/set
9h – recepção aos convidados e público
EIXO 4 – Painel: Vida real no mundo digital – Cultura, democracia e diversidade
9h30 – painel: Diversidade nas Redações. As redações refletem o perfil da sociedade? Como abordar as diferenças sem estigmatizar?
>> Danila de Jesus, jornalista, professora. Criadora do Guia Diversidade nas Redações
>> Jorge Gauthier, jornalista, criador do primeiro canal LGBTQIA+ do Correio
>> Matheus Lens, estudante de Jornalismo, criador do podcast Fala Preto
Diálogos
11h – Painel: O PL das Fake News ameaça a democracia? O que isso tem a ver com a remuneração da produção jornalística na internet?
>> Orlando Silva, deputado federal, relator do PL das Fake News
>> Ernesto Marques, presidente da ABI
Diálogos