Luis Guilherme Pontes Tavares*
O jornalista e advogado Ruy Barbosa (1849-1923) exibiu autoconfiança face à morte do pai. O jornalista, médico e político João José Barbosa de Oliveira (1818-1874) faleceu em 29 de novembro e recebeu do filho sepultamento que custou Rs 751$740 (setecentos e quarenta e um mil, setecentos e quarenta Réis), valor que, pelos conversores disponíveis na web, corresponderia a mais ou menos R$ 100 mil.
A firma Cunhas & Cia alugou a Ruy Barbosa um “carro de 1ª classe puchado por seis cavallos e oito carros d’acompanhamento” (grafia da época). Essa operação comprometeu Rs 350$000 (trezentos e cinquenta mil Réis). À firma de Jozé Luiz Suares Sobrinho, que forneceu o ataúde e acessórios afins, Ruy pagou Rs 300$000 (trezentos mil Réis). E à firma de Manoel de Ascenção Alves, ele pagou mais Rs 81$740 (oitenta e um mil e setecentos e quarenta Réis) pelos serviços decorativos (tochas, velas, cortinas e outros) no velório e na missa de 7º Dia.
As informações acima constam do volume 1 (Inventários de D. Maria Adélia Barbosa de Oliveira e seu esposo Dr. João José Barbosa de Oliveira) da série Documentos históricos, inaugurada em 1955 pela Secretaria de Interior e Justiça/ Arquivo Público do Estado da Bahia. Ruy Barbosa quitou os compromissos com os três fornecedores dias depois do féretro, em 09, 12 e 14 de dezembro de 1874.
Jazigo perpétuo em 1891 – Ruy Barbosa não titubeou perante o desafio de oferecer ao pai o sepultamento apropriado ao conceito da família Barbosa de Oliveira, apesar de seu gesto somar-se ao compromisso de sanar os vários débitos que o falecido deixara. O ilustre baiano voltaria a cuidar dos despojos dos pais em 07 de janeiro de 1891, quando adquiriu o jazigo perpétuo (cava 60) na capela do Cemitério do Campo Santo, pagando cerca de Rs 90$000 (noventa mil Réis), conforme o termo de compra lavrado pela Santa Casa de Misericórdia. Nessa operação, por procuração, o médico, farmacêutico e professor Augusto Cezar Vianna (1867-1933) foi o intermediário. As atribulações de Ruy Barbosa como ministro do primeiro governo republicano o impeliram à delegação dada ao amigo.
O Dr. Augusto Vianna autorizou, então, a exumação dos restos da mãe (sepultada na carneira 160 em 16 de junho de 1867) e do pai (sepultado na carneira 323 em 29 de novembro de 1874) do consagrado baiano. Isso ocorreu em 11 de janeiro e, seis dias depois, em 17 de janeiro de 1891, os restos mortais dos pais de Ruy, Dona Maria Adélia e Dr. João José Barbosa de Oliveira, foram sepultados, em definitivo, na cava 60. No mesmo jazigo, estão sepultados os restos mortais de Dona Maria Leonor Barbosa de Oliveira, irmã do pai de Ruy, e a neta dela, Amália Barbosa Lopes Pacheco (1878-1952). Pela ordem, os despojos das duas foram transferidos para a cava 60 em 26 de outubro de 1915 e 15 de março de 1954.
Tive a curiosidade de tentar localizar a cava 60 na capela do Cemitério do Campo Santo. Conforme o documento que a administração nos forneceu, localizando a cava 60 na 3ª ordem, tomei o altar como referência e, tanto na horizontal como na vertical, a terceira fileira (ordem) dos jazigos não me permitiu encontrar a lápide correta. Se a pedra foi ali colocada em 1891, ouso imaginar que o nome do pai de Ruy Barbosa permanece grafado de modo equivocado há mais de 100 anos.
Se confirmado o descrito acima, isso torna ainda mais comovente o último parágrafo do livro O pai de Rui (Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1949), do médico e escritor baiano Ordival Cassiano Gomes (1903-1958):
“Deu ele, ao Brasil, o que lhe exalta a memória, o melhor dos filhos e o maior dos baianos, Rui Barbosa, gloria da Pátria e cidadão do mundo. Hoje, na mesma terra que os viu nascer, dormem o último sono: o pai na campa rasa de um cemitério, e o filho, sob as arcadas imponentes da Casa da Justiça”. (p. 141)
Pai e filho, João e Ruy, permanecem juntos em nossa memória.
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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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