Com a era da plataformização, o jornalismo e outras áreas da comunicação, como o marketing, se viram inseridos num novo contexto de produção. Ambos os setores com o passar dos anos ganharam o acréscimo da palavra “digital”, uma forma de mensurar o fato de que agora, com o ambiente de múltiplas plataformas surgidas com o advento da Internet, incluindo as redes sociais, esses setores da comunicação podem fazer usufruto da imensidão de possibilidades do mundo virtual.
Não é incomum encontrar workshops e minicursos de marketing digital voltados para profissionais da imprensa. Este é o caso do webinar “Marketing Digital para jornalistas” que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia (Sinjorba) promoverá no mês de junho, com a especialista Samara Barreto. A atividade conta com apoio da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj).
De acordo com Moacy Neves, presidente do Sinjorba, essa relação com o marketing digital ou simplesmente com as ferramentas digitais “sempre foi um tabu do jornalismo”. Ele explica que “tanto o mercado de trabalho quanto as oportunidades oferecidas pela tecnologia quebraram muitas dessas barreiras”, explica. Segundo o presidente, um profissional da imprensa ao conhecer o mínimo das ferramentas que profissionais de marketing digital dominam, “acaba tendo uma mudança na visão do produto que disponibiliza ao público”.
A facilitadora Samara Barreto é proprietária da Innovate, empresa desenvolvedora em projetos de web sites, gestão de conteúdo para redes sociais e desenvolvimento de sistemas e aplicativos para Iphone, Ipad e Mac. Especialista em marketing digital pela Universidade Candido Mendes, Samara confia na ideia de que “os pilares do marketing digital para jornalistas podem criar comunidades de dezenas e milhares”. “Podemos oferecer um conteúdo de qualidade em condições de ser acessado por um número cada vez maior de pessoas”.
Para entender as possíveis interseções entre o jornalismo online e o marketing digital, conversamos com especialistas do setor e veículos locais a fim de compreender quais são os limites da atuação de um jornalista, que hoje precisa, para além de possuir conhecimentos sobre técnicas de apuração, abordagem e escrita, conhecer o mínimo possível das ferramentas digitais para atingir as expectativas do mercado.
Jornalismo digital x Marketing digital
Vitor Peçanha, co-fundador da Rock Content, empresa global de Marketing, destaca que o marketing digital “é o conjunto de atividades que uma empresa (ou pessoa) executa online com o objetivo de atrair novos negócios, criar relacionamentos e desenvolver uma identidade de marca”. Já o jornalismo digital, frequentemente chamado de ciberjornalismo ou jornalismo online, de acordo com Carlos Castilho, do Observatório da Imprensa “tende a ser praticado num conjunto de plataformas integradas, onde o sucesso depende do êxito das demais”. De acordo com as informações do texto de Castilho para o Observatório, “o jornalismo digital está virando um quebra-cabeças editorial”
Para Liliane Ferrari, não há influência direta do marketing digital no jornalismo, mas sim um impacto das técnicas digitais que afetam todo conteúdo publicado na Internet. Liliane é jornalista consultora e professora de Mídias Sociais do MBA Universidade de São Paulo (USP) ESALQ – uma modalidade de pós-graduação Latu Sensu, eleita uma das 10 mulheres mais influentes na Internet pelo IG. Ela afirma observar ótimos conteúdos jornalísticos, mas que “não entendem nada do que é um título que precisa chamar muito mais atenção para a notícia, uma foto que é um arquivo nomeado, sobre usar hiperlinks e outros recursos de mídia”, diz. “Nesse sentido vejo que o jornalismo é impactado não pelo marketing digital mas pelas técnicas, pelos algoritmos da Internet”, analisa.
Lize Antunes é professora de “Marketing Digital e Produção e Gestão de Conteúdo para Multiplataformas” dos cursos de graduação em Comunicação Social no Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), incluindo a habilitação em jornalismo. “Antes de questionar a possível influência do marketing digital na atuação jornalística, talvez questionaria o impacto da Economia Digital no setor. Vivemos em um contexto da hiperconectividade, em que as interfaces digitais estão cada mais ditando nossos modos de estabelecer conexões”, avalia a docente.
Para as duas especialistas, a produção de conteúdo, em posição de protagonismo cada vez maior, é a principal interseção. Antunes pontua sobre a generalização por parte do mercado, onde um estagiário de jornalismo, por exemplo, tenha “noções básicas” de marketing digital. “Isso é um erro, pois o marketing digital é uma atividade bastante complexa”, alerta. “É importante olhar para o marketing digital como parceria do jornalismo; são áreas que se completam e se beneficiam mutuamente quando trabalhadas em conjunto”, explica.
Liliane chama atenção para o marketing digital ser o braço de uma técnica para vender e não acredita na necessidade do jornalismo assumir o mesmo discurso do marketing. “O jornalismo precisa se adaptar ao formato internet, o tipo de chamada, a entender como funciona o Twitter para fazer uma grande chamada”, a exemplo. Para ela, nos dias atuais, quem entende as técnicas digitais tem infinitas chances de se dar melhor. “É muito comum a gente ver conteúdos que são muitos bons, matérias que são excelentes mas que são completamente desprovidas de qualquer técnica digital”, conta.
“Se a gente pegar um BuzzFeed, eles entenderam muito bem o que é o ambiente digital e como o jornalista deve trabalhar nesse ambiente. Qual o tipo de chamada, como ilustrar como gerar uma interação”, exemplifica Ferrari. “É muito mais preparado quem entende dessas técnicas do que quem simplesmente ignora o básico do que a gente chama de SEO (Search Engine Optimization)”.
Veículos locais
Seja na Bahia ou no âmbito nacional, existem veículos tradicionais surgidos em períodos anteriores à chamada “revolução digital”, quando ferramentas de pesquisa como o Google passaram a se tornar o principal mecanismo de busca para informações cotidianas da população. “É interessante ver, por exemplo, como veículos seculares, caso do Estadão ou Folha de São Paulo, se revelam nessas novas dinâmicas. Em ambos os casos, vemos uma parcela de jovens jornalistas assumindo as “caras” do Drops, cada vez mais populares dos Stories no Instagram do Estadão, ou Café da Manhã, podcast da Folha”, ressalta Lize Antunes.
Priscila Espinheira, comunicóloga, analista de marketing digital na Loft Comunicação, cuida da parte de marketing e mídia da Tribuna da Bahia (TRBN), criado em 1969 e considerado o terceiro maior jornal da Bahia. Segundo ela, a Tribuna está online há três anos. Existe a Tribuna da Bahia virtual, “que é nosso jornal impresso inserido no ambiente digital, chamado de Edição Virtual, além dos perfis oficiais nas principais redes sociais do mundo”. Segundo a analista da Loft, com as ferramentas de marketing implementadas na Tribuna “a constância do trabalho proporcionou métrica de envolvimento ascendente”. Para Priscila, “uma audiência engajada é mais importante que quantidade numérica de curtidas ou seguidores no perfil”.
O Nordesteusou, veículo comunitário fundado por Jefferson Borges e Gerson Assis, já nasceu no digital. Tudo começou quando o Jefferson, de 29 anos, também colaborador do setor de marketing da Rede Bahia, ainda estava na graduação. Foi quando ele resolveu criar um veículo que ressaltasse os pontos positivos do Nordeste de Amaralina, bairro de Salvador. “Na época o Facebook existia mas ainda não era forte, então começamos a fazer comunidades no Orkut, eu já inseria os conteúdos pensando no contexto de digital”.
Hoje o ‘Nes’, como Jefferson se refere ao veículo, é mantido pelo trabalho voluntário de seus colaboradores. Ele e mais três pessoas atuam na área de marketing, focando sempre em levar mais pessoas para o site, através das chamadas nas redes sociais. Existe ainda a equipe de jornalismo, com um coordenador e três estagiários voluntários, além de uma equipe de produtores culturais. São 12 pessoas trabalhando diariamente em notícias sobre o Nordeste de Amaralina, e também notícias em nível nacional. O Nordesteusou contabiliza 100 mil seguidores, contando com o Instagram, Twitter, YouTube e Facebook, este último ele ressalta ser a sua maior base de engajamento.
A Mega Rádio VCA nasceu há sete anos, idealizada por profissionais atuantes em rádios de Vitória da Conquista-Ba e atualmente é gerida por um grupo de sócios: Edson José (Maciel JR.) Mário Marcos Borim e Marcos Primo. Toda programação é direcionada ao site e “desde o início buscava-se a construção de uma rádio diferente do modelo tradicional, o que se tornou um lema levado a sério”, afirma Maciel Jr. De acordo com o gestor, “foi entendido desde a criação da Mega Rádio que é de fundamental e vital importância o investimento no meio digital para garantir a uma satisfatória estratégia de marketing”.
O futuro da “comunicação digital”
Para Liliane Ferrari o caminho para o futuro da comunicação seria descompartimentalizar. “Temos poucos profissionais chegando no mercado com uma visão mais abrangente, até porque essa visão não é dada”. As pessoas mais atentas à essa questão são os profissionais mais experientes no mercado, afirma a jornalista. “Eu vejo muitas pessoas fazendo conteúdo na internet seja publicitário ou jornalístico, sem o menor conhecimento do que a internet faz com o conteúdo dele, de como aquele conteúdo performa nesse ambiente”, acrescenta.
A professora Lize acredita que a interdisciplinaridade – interação entre jornalismo, marketing digital, publicidade e áreas concomitantes – já existe. “Já é o presente. O mercado exige que o profissional de comunicação seja plural, e é importante olhar para essas dinâmicas de conexões desse contexto que nos envolve e tirar proveito disso para uma melhor atuação”. “O ambiente digital nos permite aprendizados a todo instante; devemos ter noção disso pois, atuando em comunicação, necessariamente nos faremos presente no digital”, complementa.
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*I’sis Almeida é estagiária de Jornalismo da ABI
Edição: Ernesto Marques |Colaboração: Joseanne Guedes