Mais de sete meses depois do atentado que dizimou a redação do semanário satírico Charlie Hebdo em Paris, o novo diretor anuncia que a publicação francesa não voltará a publicar caricaturas do Profeta dos muçulmanos. “Desenhamos Maomé para defender o princípio de que se pode desenhar o que se quiser”, diz Laurent Sourisseau, argumentando que esse trabalho está feito. Riss, como assina o também cartunista, defendeu numa entrevista à revista alemã Stern que o Charlie Hebdo não foi monopolizado pela crítica aos fundamentalistas muçulmanos, como aqueles que estiveram por trás do ataque de 7 de Janeiro, que fez 12 mortos . “Os erros que apontamos ao islão também se encontram nas outras religiões. Fizemos o nosso trabalho. Defendemos o direito à caricatura. É estranho, espera-se que exerçamos uma liberdade de expressão que mais ninguém se atreve a exercer”, concluiu Riss.
O anúncio do fim das caricaturas de Maomé nas páginas do Charlie Hebdo segue-se à decisão do principal cartunista do semanário, Luz, de não voltar a desenhar o Profeta e de abandonar o jornal. É de Luz a primeira página que se seguiu aos atentados, onde Maomé surgia com um cartaz escrito “Je Suis Charlie” (Eu Sou Charlie), o slogan adotado por todo o mundo em solidariedade com as vítimas, debaixo da frase “tudo está perdoado”. Foram impressos oito milhões de exemplares, quando o jornal vendia habitualmente 60 mil. Depois de meses de trabalho sem os seus colegas, Luz concluiu não ter condições para continuar: numa entrevista ao Libération – que acolheu o Charlie Hebdo nas suas instalações –, anunciou que deixará o jornal satírico em Setembro. “Por razões muito pessoais”, explicou, “para poder reconstruir-me e recuperar o controle sobre mim mesmo”.
Novo estatuto
Os últimos meses têm sido marcados por divisões entre os jornalistas e cartunistas sobre a gestão do jornal, que é agora detido por Sourisseau (70%) e pelo diretor financeiro Eric Portheault (40%), depois de ambos terem comprado os 40% detidos pela família de Charb, o antigo diretor. De acordo com Sourisseau, o Charlie Hebdo vai se tornar o primeiro jornal a adotar o novo estatuto de “empresa solidária de imprensa”, criado por uma lei de abril, na sequência dos ataques. Assim, a empresa passa a ser obrigada a reinvestir 70% dos seus lucros anuais – os acionistas decidiram que não receberão dividendos dos restantes 30%, que ficarão bloqueados num fundo.
Transformado num símbolo mundial da liberdade de imprensa, o semanário satírico tem recebido milhões de euros de doações, para além de ter aumentado para 210 mil o número de subscritores e de estar a vender 100 mil em banca. Mais do que suficiente para ter uma “tesouraria positiva”, explica Sourisseau. Será preciso gastar dinheiro numa nova redação e em novas medidas de segurança, no momento em que colaboradores do Charlie pedem, muitas vezes, para publicar sob anonimato. “Quando vendíamos menos, estávamos mais tranquilos”, diz Sourisseau. “Agora, toda a gente olha para nós, tantas pessoas esperem que desempenhemos um papel, e é possível que tudo se repita. Mas não podemos abandonar este jornal. Se parássemos seria uma catástrofe para a democracia.”
*As informações são do Público (Portugal), com agências.