ABI BAHIANA

Debate na ABI atribui desrespeito aos direitos autorais à falta de conhecimento

Fotógrafos querem fazer campanha informativa após discussão sobre infrações de direitos autorais

A fotografia que você vê acima tem o nome, no canto inferior esquerdo, de quem a fez. Você costuma reparar? Nas redes sociais, é comum o emoji de câmera 📷 vir acompanhado da autoria. Tudo bem se não tiver o nome de uma pessoa  e no lugar aparecer apenas “Divulgação”, “Ascom” ou “Governo X”, correto? Errado. “Governo não tira foto”, adverte o advogado especialista em direito autoral – e fotógrafo – Pedro Nunes. “Se eu trabalho para o governo, a foto é pública, mas o direito autoral é meu”, complementa a fotojornalista Paula Fróes. 

Quem esteve nesta quinta-feira (24) na Associação Bahiana de imprensa para o painel “Direitos autorais na relação entre profissionais, agências/assessorias e veículos” pôde concluir que questionamentos básicos como esses (e recorrentes casos de violação de direitos autorais, principalmente de fotojornalistas), demonstram que a falta de conhecimento é o inimigo. O debate durante o evento, que integra a programação dos 93 anos da instituição, instigou a ideia de uma campanha de informação sobre o tema que já começou a ser articulada com a troca de contatos no coffee break

História roubada
O relato emocionado da fotojornalista Paula Fróes sobre ter sido vítima de plágio  precedeu a conclusão da plateia sobre a necessidade de uma campanha educativa. Tirada dos bastidores em que costuma estar nos eventos da ABI, Paula subiu ao palco e antecipou a dificuldade em mudar de posição e dividir o caso que lhe tirou o sono por alguns dias. Mesmo não tendo sido a primeira vez que teve seu direito autoral infringido.  

Na camisa preta que usou nesta manhã estava o motivo da emoção. A foto de um momento que registrou em 2010, uma criança do território quilombola Tijuaçu, Adilson, durante a entregas de cisternas em Senhor do Bonfim, região da Chapada Diamantina. A foto foi usada indevidamente por um fotógrafo nas redes sociais como se fosse feita por ele. “Descobri porque ele me seguia no Instagram, que ironia”. comenta Paula. Com uma grande rede de seguidores, o fotógrafo mentiu ao dizer que teria feito o registro durante uma festa de Yemanjá. “É uma imagem que teve a sua história roubada e isso que me dói”, relatou, emocionada, Paula. 

O especialista Pedro Nunes explica que o sentimento de Paula é um exemplo do que se chama do direito moral da produção intelectual. Que, diferentemente dos direitos patrimoniais, que podem ser licenciados ou cedidos, não são transferíveis. Ele conta que na pandemia se debruçou sobre essas e tantas outras tipificações da legislação brasileira e tem tentado descomplicá-la no perfil @direitoefotografi, onde diz fazer militância pela causa do Direito Autoral. 

Educação 

Casos como o de Paula, de plágio, são mais flagrantes, mas outras infrações cometidas contra o direito do autor viraram cotidianas, principalmente pelas redes sociais. Na plateia, o empresário e fotógrafo Lucciano Cruz dividiu com o público que chegam às dezenas os processos que move mensalmente para reivindicar direito de imagens no Brasil e no exterior. Foi ele quem sugeriu uma campanha educativa que não se restrinja às categorias da comunicação, mas que dê conta do que classifica como parte do problema social do analfabetismo digital.  “A sociedade está deixando subir para a cabeça o imediatismo digital e esquece o legado das pessoas.” 

O desconhecimento ou a ausência de má-fé, no entanto, não livra quem desrespeita o direito do autor de um processo. “É inadmissível que órgãos grandes e empresas aleguem desconhecimento”, opina Pedro. O advogado deixa claro que não se trata apenas de dinheiro e opina sobre como foi desrespeitoso veículos usarem fotos de Paula Fróes registradas dentro de hospitais no pico da pandemia sem os devidos créditos. Mesmo com a exclusividade dos registros e o perigo a que a profissional se expôs. 

Não é censura
Quem também participou do evento foi Rodrigo Moraes, advogado,  e autor do livro “Evolução da Gestão Coletiva de Direitos Autorais no Brasil: do rádio ao streaming”, fruto de sua tese de doutorado na USP. O professor fez um passeio pela história do direito autoral e detalhou como as legislações brasileira e internacional têm tentado se modernizar, especialmente na internet. Ele fez uma crítica sobre como se disseminou a ideia de acesso gratuito e irrestrito na internet nas décadas passadas, o que hoje, para ele, não passou da disseminação dos interesses de grandes corporações de tecnologia.  

“Quando se fala de direito autoral acusam de censura, mas censura é anterior ao direito de autor, não tem nada a ver. O direito autoral não é inimigo ao acesso à cultura, à educação”, resume. Ele é professor de uma disciplina optativa sobre Direito Autoral na Faculdade de Direito da UFBA e estimulou durante o evento que estudantes de jornalismo da instituição procurem o componente para reforçar a formação.  

O evento
Para o presidente da ABI, Ernesto Marques, o objetivo do encontro dentro da programação do aniversário foi o de combater a desinformação e reduzir, tanto quanto possível, “nossa ignorância” sobre o assunto. “Essa casa está reivindicando seu lugar óbvio de grande guarda-chuva de empresários, dirigentes e profissionais que precisam descobrir a importância desse espaço, sem assombro, para debater e entender o que nos distancia, mas também o que nos aproxima”, avaliou Ernesto. 

O debate sobre direito autoral faz parte do eixo “Judicializando” que integra a celebração dos 93 anos da ABI. A programação da comemoração segue até o dia 16 de setembro, com encontros semanais no Auditório Samuel Celestino, no terraço do Edifício Ranulfo Oliveira, sede da ABI, na Praça da Sé. 

Com temas estratégicos divididos nos eixos “Memória e reconhecimento”, “Judicializando”, “Formação” e “Cultura, democracia e diversidade”, a ABI traz reflexões sobre o presente e o futuro da comunicação baiana.

O evento conta com a produção de estudantes vinculados à Empresa Júnior de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, a Produtora Júnior.

Como forma de reconhecimento do papel da imprensa na sociedade baiana, a programação técnico-científica e cultural tem como parceiras incentivadoras as seguintes empresas e instituições: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, Prefeitura Municipal de Salvador, Associação Baiana das Empresas de Base Florestal – ABAF, Suzano, Companhia de Gás da Bahia – Bahiagás, Governo do Estado da Bahia e o portal Bahia Notícias.


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Transmissão 

Hoje, o evento debateu também o assédio judicial praticado contra jornalistas e finalizou com a inauguração de uma obra do artista visual Cau Gomez, pela passagem dos 141 anos da morte do advogado e abolicionista Luiz Gama.

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