Luis Guilherme Pontes Tavares*
Quando o jornalista, jurista, político e diplomata baiano Ruy Barbosa (1849-1923) faleceu, há quase 100 anos, a sua biblioteca, estimada em mais de 35 mil volumes, valia mais do que o preço atribuído à Villa Maria Augusta, a propriedade dele em Botafogo. Foi considerada como a maior biblioteca brasileira do final do século XIX. A relação dos livros ocupa quase todas as 904 páginas do Catálogo da Biblioteca de Rui Barbosa (2.ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008). Baseada em tentativas de catalogação anteriores, a obra, 14 anos depois, poderá ser submetida a nova revisão e ampliação.
Lanço a hipótese porque em 21 de junho do corrente, quando do transcurso dos 192 anos do poeta, jornalista, advogado, abolicionista e educador Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882), procurei no Catálogo, entre os livros dos autores com sobrenome final iniciado com G, o livro Primeiras trovas burlescas de Getulino, publicado pelo autor em 1859. (Barbosa e Gama se conheceram em São Paulo na década de 1860). Não localizei! Consultei então a FCRB – [email protected] – e recebi esta resposta: “Sim, temos o livro. Por favor, indique um dia e turno para sua consulta inicial”. Como não estou mais no Rio, a consulta ficará para outra oportunidade.
PREFÁCIOS SUBSTANCIAIS
A 2ª edição de 2008 é enriquecida pelos prefácios da professora Ana Virgínia Pinheiro – “Rui, para sempre em todo o lugar”, p. 16-26 –, autoridade em obras raras e docente da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), e da professora Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira – “A biblioteca de Rui no Palácio dos Livros”, p. 28-50 –, pesquisadora das edições de livros no Brasil oitocentista e docente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Ambas acentuam o zelo e o apego de Ruy Barbosa pelos livros que reunira ao longo da vida. Jamais emprestava um; preferia presentear o solicitante com exemplar do mesmo título comprado para evitar queixumes.
Na página 18 do livro, a professora Ana Virgínia, ao examinar as raridades contidas na biblioteca, manifestou-se com veredictos tais:
“O plano de leitura [de Ruy Barbosa] não era singelo. Incorporou tratados e monumentos tipográficos que datam da preliminar da arte de imprimir – os séculos XV e XVI (incunábulos e pós-incunábulos), e de sua fase áurea – os séculos XVII e XVIII, com textos em linha tirada, segmentados em colunas ou sobrepostos, impressos sobre papel de trapos, em caracteres romanos e aldinos, em latim, grego e línguas arcaicas. A beleza desses livros expande-se pelas gravuras em metal (buril e água-forte) e xilogravadas, pelas capitais ornamentadas e historiadas, pelas ricas vinhetas que acumulam.”
A professora de História, Tânia Bessone, informa que a biblioteca de Ruy Barbosa tem títulos de muitas áreas do conhecimento. Não é, portanto, apenas jurídica. Ela informa que o colecionador possuía títulos que, na atualidade, são identificados como guias de viagem:
“Um outro tipo de livro que aparece nas estantes de Rui são os antigos guias de viagem. Joaquim Nabuco, amigo de Rui, chegou a frisar que os livros mais preciosos de sua estante íntima eram os “Baedekers” (livros de viagem produzidos para definir itinerários, condições de hospedagem e deslocamento, precursores dos atuais guias de viagem, muito em voga no século XIX), com os quais saciava a curiosidade e a sede de viajar. […] Ora, Rui possuía vários Baedekers, inclusive um exemplar de 1905, intitulado Belgium and Holland, com assinatura na folha de rosto,” […]
QUEBROU A PERNA AOS 66 ANOS
A professora Tânia Bessone registra no prefácio dela: “Em 15 de setembro de 1915, no mês anterior à sua eleição para presidente do Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, um acidente doméstico demonstrava essa atitude diuturna [o convívio diário com os livros dele]. Sofreu uma queda da escada presa à estante […] da biblioteca, quebrou a tíbia da perna esquerda e precisou ser operado”. Há, na casa da Rua São Clemente, no Rio de Janeiro, numa vitrine, a “bota de gesso” utilizada por ele aos 66 anos, sua idade quando se acidentou. Ressalto que os livros de Ruy Barbosa, encadernados e dispostos em estantes com portas envidraçadas, ocupam vários cômodos da casa de dois pisos da Villa Maria Augusta.
O catálogo de 2008 absorveu o resultado de trabalhos anteriores, sobretudo o esforço do professor Américo Jacobino Lacombe (1909-1993), primeiro diretor da Casa de Rui Barbosa, que comandou a identificação dos livros de autores com sobrenome final de A-H. Na atualidade, além do catálogo impresso, há o catálogo online no site da FCRB (https://www.gov.br/casaruibarbosa/pt-br/copy2_of_casa-rui-barbosa-home/#gsc.tab=0) Há livros completos da coleção acessíveis no site e é possível, em alguns casos, baixar o arquivo em PDF.
Encerro com o registro de que o Museu Casa de Ruy Barbosa (MCRB), cujos imóvel e acervos pertencem à Associação Bahiana de Imprensa (ABI), possui biblioteca com cerca de mil volumes de livros, periódicos e documentos. Parte significativa do acervo bibliográfico foi doado pelo professor Rubem Nogueira (1913-2010), autor de livros sobre o jurista baiano. Enquanto o imóvel onde Ruy Barbosa nasceu não for restaurado, a biblioteca do MCRB permanecerá na sede de ABI (Edifício Ranulpho Oliveira, localizado na esquina da Praça da Sé com a Rua Guedes de Brito). O propósito da diretoria é restaurá-los – muitos dos quais estão em bom estado – e devolvê-los à consulta pública.
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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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