Ocupando a posição 111 do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Brasil não apresenta um cenário animador para os profissionais de imprensa. Entre ataques, físicos e virtuais, agressões verbais, descredibilização e assédio, jornalistas e comunicadores sentem o cerceamento da liberdade de expressão. Quando um país passa a se tornar palco de ataques reiterados à imprensa, cresce a importância dos programas de defesa a essa classe.
“A simples necessidade ou cogitação de um programa específico é um sintoma suficientemente grave de que a sociedade brasileira está seriamente doente”, considera o jornalista e radialista Ernesto Marques, presidente da ABI. Assim como outras entidades, a ABI atua através da publicização de casos de violação dos direitos humanos e da liberdade de imprensa e do suporte jurídico. A Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) possui o próprio programa de proteção em casos de ameaça à vida, que disponibiliza recursos para o deslocamento de profissionais sob ameaça.
Mas, para Ernesto Marques, ainda é necessário defender o jornalismo como atividade essencial para a democracia. “Não há o que relativizar: exatamente numa crise da democracia como a conhecemos nos dias de hoje, o livre exercício do jornalismo é condição essencial para superar qualquer crise. A informação é tão essencial quanto o ar que respiramos”, completa.
Outra entidade que passou a oferecer assistência, no âmbito jurídico, para jornalistas foi a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Atenta ao crescimento do uso dos processos judiciais contra jornalistas e veículos como forma de silenciamento da imprensa, a Abraji fundou, em abril, o Programa de Proteção Legal para Jornalistas. O programa conta com a parceria do Instituto Tornavoz e com financiamento da organização internacional Media Defence. O jornalista que estiver sendo alvo de processos como forma de silenciamento ou que esteja sendo perseguido e queira denunciar pode entrar em contato com a Associação para ver se o seu caso se encaixa nos critérios do programa.
O primeiro caso atendido pelo programa foi o do jornalista Alexandre Aprá, anunciado em julho. Segundo o jornalista, ele sofreu mais de vinte processos partindo de pessoas do grupo político do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM). O caso financiado pela Abraji é referente ao processo movido pelo secretário da Casa Civil, Mauro Carvalho Júnior, que pede uma indenização de 14 salários mínimos alegando ter sofrido ofensa à honra por conta de uma série de reportagens publicada no blog de Aprá, o ”Isso É Notícia”. As reportagens publicizaram a compra de jatos de luxo feita pelo governo estadual.
“Infelizmente aqui o judiciário é muito atrelado ao governo, o Ministério Público é omisso em relação ao governo do estado, o judiciário é leniente em relação ao governo do estado e você [acaba] enfrentando o governo do estado e por consequência o Ministério Público e Justiça. Então você sofre um pouco os efeitos dessa briga que às vezes acaba te desgastando”, narra Alexandre Aprá. Entre os efeitos dessa disputa jurídica, também estão os que afetaram as finanças do profissional. De acordo com o jornalista, o blog perdeu anunciantes por conta da pressão do governo, o que levou a um enxugamento da equipe por trás do blog.
Até o momento, o caso de Alexandre Aprá e o da jornalista Tania Pacheco, do blog Combate Racismo Ambiental, foram os primeiros a serem atendidos pela Abraji, e outros três receberam aconselhamento. Através do programa, os jornalistas tiveram o acesso facilitado a advogados, seja por indicação ou um de sua própria preferência. Há também o acompanhamento das peças de defesa dos profissionais.
Segundo Cristina Zahar, secretária executiva da Abraji, esses processos possuem um certo modus operandi em comum. “Dos casos que já atendemos vemos que os processos, para além de tentarem censurar algum conteúdo publicado, tem o intuito de silenciar o jornalista ou comunicador e obstruir a realização de seu trabalho, distorcendo a narrativa dos fatos e invertendo as posições, se colocando como vítima e os comunicadores como supostos agressores”.
Além dos processos indenizatórios, há ainda os pedidos de retirada de conteúdo do ar mapeados pela Abraji através do projeto Crtl-x. É nesse contexto que surge o programa, mas, como destaca Zahar, o assédio judicial a jornalistas não está restrito ao Brasil. Ela recorda o termo SLAPPs, que é a sigla em inglês para ação judicial estratégica contra a participação pública, usada principalmente em contextos autoritários. “Vemos diversos agressores se mobilizarem de forma organizada a moverem ações judiciais contra a imprensa como forma de intimidação, a provisão judicial, ou seja, a concessão do seu pedido não é o objetivo principal, mas constranger e intimidar o trabalho da imprensa”, afirma.
Políticas públicas de proteção
Na esfera governamental, os programas de proteção atuam em casos mais extremos. São três: o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), o Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (Provita) e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). “No primeiro, a gente expõe a luta das pessoas e dá visibilidade a elas; nos dois outros, escondemos as pessoas”, recorda o superintendente da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), Jones Carvalho.
Em 2018 jornalistas e comunicadores foram incluídos no Programa de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores Sociais e Ambientalistas (PPDDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A inclusão foi feita após a demanda de várias organizações e entidades, como a Fenaj. Segundo o Ministério, uma das motivações que levaram à inclusão da categoria foi a baixa demanda mesmo diante da quantidade de casos de ameaças noticiados.
De fato, segundo dados do Ministério, em todo o país há cerca de 650 pessoas no programa, e, entre esses, há apenas sete jornalistas protegidos. Em sua maior parte, as vidas sob proteção do PPDDH são os militantes pelo direito à terra e território. “Muitos (jornalistas) são ameaçados, uns acham que é normal, que faz parte, vão para o enfrentamento e não procuram retaguarda”, afirma Jones Carvalho.
Para o coordenador-geral de Proteção à Testemunha e aos Defensores de Direitos Humanos, Douglas Sampaio, pode haver também uma certa desconfiança dos comunicadores em relação ao anonimato dos dados das pessoas defendidas. No caso dos programas de proteção a testemunha e direitos humanos, Sampaio reitera que há total sigilo das informações. “O que a gente tem feito no âmbito da coordenação é juntamente com os estados que possuem o programa de proteção e com as associações da entidade civil, apresentar o programa para os comunicadores, o funcionamento, como ele é executado”, relata.
O apoio do programa pode ser procurado pela própria secretaria, no Ministério Público, na Defensoria Pública do Estado ou nas Delegacias. Mas há alguns critérios para receber a ajuda do PPDDH. Pode buscar apoio do programa qualquer profissional que esteja sob ameaça em razão de sua atuação como um defensor dos direitos humanos e que não tenha conseguido ajuda pelos meios tradicionais do Estado. Mas o comunicador precisa representar um coletivo e ter reconhecimento de outras instituições que também atuem na defesa dos direitos humanos. É necessário também que o risco sofrido seja em razão da atuação da pessoa como um defensor dos direitos humanos.
Douglas Sampaio ressalta que o PPPDH atende defensores que atuam com qualquer área da comunicação, seja radialistas, redatores, apresentadores ou youtubers. A partir do atendimento, a equipe técnica irá se mobilizar para buscar a aproximação desse defensor com parlamentares, vereadores e membros do Ministério Público que dialoguem com a linha de defesa daquela pessoa. “Esse é um trabalho de contínuo aprimoramento que a gente tem feito de forma que nosso público alvo que esteja incluído no programa de proteção ele tenha de fato uma visibilidade articulada por meio da equipe técnica”, coloca.
As medidas protetivas a serem ofertadas pelo PPDDH visam ainda o acompanhamento, monitoramento e acolhimento dos defensores que se encontrem sob ameaça. Isso inclui visitas no local de atuação do defensor, ações de visibilidade para o trabalho do defensor e articulação entre os poderes estatal, municipal ou federal e entidades ou órgãos para promover ações que visem superar a ameaça aos defensores dos direitos humanos. “Os programas dão assistência psicológica e acompanhamento jurídico também. Já passei por perseguição na ditadura, 24h, é um processo de tensão que às vezes as pessoas não se dão conta”, completa o superintendente Jones Carvalho.
O PPDDH é executado por meio de convênio na Bahia, Ceará, Pernambuco, Pará, Maranhão, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
*Larissa Costa, estudante de Jornalismo, estagiária da ABI.
Sob supervisão de Simone Ribeiro