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Reflexões sobre a pauta jornalística por Luis Guilherme Pontes Tavares

Nutro há tempo a curiosidade sobre a pouca importância que é dada à pauta jornalística. Não entendo a razão desse tratamento. A curiosidade tem crescido com o avanço e a popularização das novas tecnologias. Com elas, o pauteiro de jornal impresso, rádio, televisão e webjornal, caso fosse mais valorizado na hierarquia das empresas de comunicação, seria um dos profissionais melhor equipados e bem pagos. Em recente postagem do http://233grados.lainfacion.com/blog há a notícia de que a Universidade do Missouri (EUA) ministra desde março deste ano a disciplina Science Investigative Reporting: Drone Journalism, cujo objetivo é instruir alunos de jornalismo na utilização desse tipo de “veículos aéreos não tripulados”.

O pauteiro nota 10 dos dias de hoje teria que ser um profissional que dominasse inúmeras ferramentas de investigação. Teria que ser hábil no manejo do Google Earth, Webcams, Waze e assemelhados. Hábil na varredura dos milhares de blogs e sites afins com o objeto de interesse. Teria que manter uma rede viva de fontes, uma pelo menos em cada bairro da cidade, em cada município do seu Estado, além do olhar arguto e filtrante para transitar rápido no sem número de veículos nacionais e internacionais de notícia.

É lamentável que não haja nos cursos de comunicação alguma disciplina que trabalhe mais a formação do pauteiro. O treino se resume à prática laboratorial. Tampouco a pauta é tema de vasta bibliografia específica. É comum encontrá-la como parte de algum capítulo num livro mais geral sobre a rotina da produção jornalística. No entanto, com as novas tecnologias, o pauteiro tem que ser reinventado.

O banco de dados – textos e ilustrações – agora é online. Ali o pauteiro pode armazenar e consultar as pautas anteriores, ali ele pode constituir um banco de ideias para novas pautas, organizados, quem sabe?, por estação do ano ou com múltiplas possibilidades de resgatar cada uma delas: data, bairro, tema, relevância e assim por diante.

A pauta pode ser disponibilizada online para o repórter e acessada em micro, em smartphone ou em tablet. Ela pode ser enriquecida com links os mais diversos, de modo que o repórter possa chegar à fonte ou ao evento com substancial conhecimento a respeito.

Em 1989, na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), enquanto cursava o mestrado em Ciências da Comunicação, apresentei na disciplina “Editando: da pauta ao layout” o trabalho “Rascunho da história da pauta jornalística no Brasil”. Há quase 25 anos, a pauta já provocava-me inquietação e sobre ela previ o óbvio: “O pauteiro, que utiliza com frequência o telefone e o telex, caminha rapidamente para utilizar o computador como equipamento do seu dia-a-dia, obtendo nomes, endereços, recuperando pautas antigas, consultando as sugestões de pautas adequadas para cada dia do ano e assim por diante. Nesse sentido as televisões já apressam o passo”.

Na ocasião conversara a respeito de pauta com dois jornalistas brasileiros da melhor qualidade: Armando Nogueira, então na TV Globo, e Paulo Patarra, naqueles dias na TV Cultura de São Paulo. Ambos situaram a década de 1950 como a época inaugural da pauta no jornalismo brasileiro. Avessos à pauta no jornalismo impresso, ambos arrefeciam a reação a ela no âmbito do jornalismo televisivo. No final da década de 1980, quando os entrevistei, já se tornara comum o posto de pauteiro-produtor na televisão brasileira.

É necessário que a academia e o mercado repensem o papel fundamental que o pauteiro pode exercer na oxigenação diária do porvir jornalístico. É o que penso e é o que pensava há cerca de um quarto de século, conforme lê-se neste trecho com que encerro esta provocação: “Sem dúvida, o pauteiro enfeixa hoje nas mãos com que datilografa as pautas um boa porção de poder. Seu compromisso – como o é o de todos os jornalistas – é com o público. Esse poder não o faz manipulador de repórteres-fantoches. Mas um estimulador. Naquele pedaço de papel em que lança cada pauta deve haver sempre a fagulha da vida, que leva o repórter à rua com entusiasmo pelo novo dia e o trás de volta à redação com muito, muito mais vida”.

Luis Guilherme Pontes Tavares é jornalista e produtor editorial. É diretor de Cultura da ABI.

 

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