Luis Guilherme Pontes Tavares*
Inicio com dois lembretes: Ruy, ao menos na Bahia, se escreve com y, conforme decreto do governador Octávio Mangabeira em 1949, ano do 1º centenário do nascimento do baiano; e mais: o nome dele não é Ruy Barbosa de Oliveira; é tão somente Ruy Barbosa.
Anseio que vocês apreciem a hipótese de que o Presidente Lula, quando se posiciona como agente em favor da Paz, sobretudo no contexto da disputa da Rússia com a Ucrânia, estaria inspirado na condução que o baiano Ruy Barbosa (1849-1923) deu à Conferência da Paz, em Haia, Holanda, em 1907, quando defendeu que todos os países, independente do nível econômico e do poderio bélico, estão no mesmo patamar de importância. O Prêmio Nobel da Paz fora instituído no final do século XIX, mas Ruy Barbosa não foi distinguido.
Quase não há hipótese de concessão Post Morten do Prêmio Nobel da Paz. Que outro brasileiro receba, pois, a distinção.
O jovem Ruy Barbosa estreia no jornalismo em São Paulo, quando estudava Direito na faculdade do Largo de São Francisco. Há registro, todavia, na revista Renascença, n. 120, de março de 1923, na edição dedicada ao falecimento do ilustre baiano, que “No collegio, em seus lazeres, lia Ruy Barbosa; ou escrevia para periodicos e chronicas, principio manuscriptos, mais tarde impressos sob a denominação de O Gymnasio, cujo redactor-chefe era Aristides Milton [1848-1904]. Esse registro está no que correspondência às páginas 17 a 19 e o artigo tem a assinatura de João Florêncio Gomes (médico e educador, 1848-1925).
De volta a São Paulo, informo que Ruy Barbosa atuou no Radical Paulistano ao lado do poeta, advogado e abolicionista baiano Luiz Gama (1830-1882) e, por certo, com o apoio do seu irmão mais velho Climaco Ananias Barbosa de Oliveira (1840-1912).
De volta a Salvador, com a saúde abalada, aos poucos Ruy Barbosa assume a redação do Diário da Bahia e fortalece sua relação com a Imprensa a utilizando com ferramenta da atividade política. Manifestava-se tanto nas páginas do jornal como na sacada do prédio que o abrigava no alto da Ladeira da Montanha.
Quando, em 1875, se transferiu, em definitivo, para o Rio de Janeiro, Ruy Barbosa tanto colaborou como foi redator e dono de jornais cariocas, dentre os quais o Jornal do Brasil. Foi nas páginas do Diário de Notícias carioca que, em 1889, Ruy contribuiu para a queda da Monarquia brasileira e ascensão da República no país. Portanto, os embates de Ruy tanto ocorreram nas tribunas da Justiça, quanto dos parlamentos e nas páginas de jornais, inclusive estrangeiros.
Há muito o que detalhar sobre Ruy e a Imprensa, mas, confesso, não sou ruyano. Tive alguma aproximação com a vida e a obra do ilustre baiano, sobretudo a partir de 2021, por causa da tarefa que a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) assumiu em relação às reverências ao personagem que completaria, em 01 de março de 2023, o primeiro centenário de falecido. Desde então, aprendi com o ruyano Rubem Nogueira (1913-2010) que Ruy Barbosa é “o personagem mais notório e menos conhecido do Brasil”. Lamento que o relevo alcançado pelo baiano não tenha distinguido a atuação dele como jornalista, predominando os elogios ao jurista, ao tribuno e ao parlamentar.
A decisão da ABI em 2021 provocou a animação de várias instituições públicas e privadas, de modo que no elenco das realizações destaco a reincorporação da casa natal de Ruy ao patrimônio da instituição, a elaboração do projeto de transformação do museu em Casa da Palavra Ruy Barbosa; a criação da Medalha Rubem Nogueira, com que se distinguiu personalidades e instituições, dentre às quais a Fundação Casa de Rui Barbosa, que mantém no Rio de Janeiro o belo sobrado ajardinado que embeleza o bairro de Botafogo. Ademais, a Giros Produções, provocada pela ABI, está produzindo o filme “A voz de Ruy”. Há outras providências e andamento e serão conhecidas em 05 de novembro, data do 174º aniversário de nascimento de Ruy e Dia da Cultura, e em 01 de março de 2024, quando se encerram os eventos afins com o centenário da morte dele.
Minha curiosidade sobre Ruy levou-me para além das leituras e foi assim que cumpri o “Circuito Ruyano”, de que tratarei em seguida. Antes, permitam, com o risco de cometer alguma asneira, propor investigação arqueológica com o propósito de localizar resquícios da olaria e da casa que o pai de Ruy, o médico João José Barbosa de Oliveira (1818-1874), construiu em Plataforma, no início da década de 1870. Saliento, ademais, minha curiosidade sobre publicações que tratem da relação de Ruy com o seu irmão Clímaco Ananias, com o político José Joaquim Seabra (1855-1942) e com o empresário Luiz Tarquinio (1844-1903), ambos baianos, e sobre as posições dele a respeito da chacina de Canudos, em 1897.
Enfim, falo do “Circuito Ruyano” que cumpri em junho de 2022. De carro, estive em Caravelas, no Sul da Bahia, para conhecer casa da Avenida Sete de Setembro, 98, onde o casal Maria Adélia e João José, pais de Ruy, o teria concebido. Há, constatei, placa na fachada, com a inscrição “Aqui nesta casa eu fui gerado” seguida da assinatura de Ruy. Puro fake! Conforme o que ouvi do general de brigada (reformado) José de Almeida Oliveira, da família da mãe de Ruy e autor, dentre outros, do livro Caravelas. Uma trajetória histórica da Princesa de Abrolhos, o médico João José Barbosa de Oliveira esteve em Caravelas em 1844, além disso dona Maria Adélia residia em Salvador e não no Sul da Bahia.
O próximo destino do circuito foi o Rio de Janeiro e ali estive, em mais de uma ocasião, na casa da Rua São Clemente, à qual todos os brasileiros deveriam visitar. Ali são mantidos os mais de 30 mil livros reunidos por Ruy Barbosa, os móveis, retratos, esculturas e quadros. Há, num galpão anexo, os veículos que pertenceram à família. O imóvel do século XIX, o último endereço de Ruy no Rio de Janeiro, é cercado de amplo jardim e com o roseiral que o proprietário cuidava com o esmero pessoal. Ao fundo da ampla área, o Governo Federal construiu a sede da Fundação Casa de Rui Barbosa, instituição de pesquisa, educação e cultura, que reúne, ademais, acervo de vários escritores brasileiros.
Por fim, visitei em Petrópolis, a casa de veraneio da família Ruy Barbosa na Avenida Ipiranga, 415, não muito distante do Museu Imperial. Trata-se de propriedade privada e, quando a visitei, tive a extraordinária oportunidade de visitar os jardins e constatar o bom estado do imóvel. Nela, em 01 de março de 1823, Ruy faleceu por volta das 20h25, decorrência de edema pulmonar. Há registros de que, na véspera do falecimento, ele atendeu comitiva de políticos baianos e exigiu-se com tal destemor e imprudência que a voz cessou.
Voltando a tratar de Ruy e a Imprensa, lhes informo que, nos seus últimos anos de vida, ele exibiu desagrado com o tratamento que ela dava a fatos, personagens e a ele próprio. A propósito, em 1920, Ruy escreveu, porém não concluiu o texto “A Imprensa e o dever da verdade”. Teria sido esta etapa que prejudicou o relevante papel que ele desempenhou na Imprensa?!
Este texto foi apresentando na mesa-redonda “Ruy Barbosa, jornalista”, no dia 11 de agosto, durante a participação da ABI na Flipelô.
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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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