O relatório anual da ONG Human Rights Watch (HRW) revelou que diariamente seis pessoas são vítimas de tortura no Brasil. A maioria delas, 84%, estão em penitenciárias, delegacias e unidades de internação de jovens. Os dados divulgados como um capítulo do relatório mundial da entidade, são baseadas nas denúncias recebidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. De janeiro de 2012 a junho de 2014 foram relatados 5.431 casos de tortura. O levantamento – que critica o alto índice da letalidade policial – chega no momento em que a Polícia Militar demonstra que, dezoito meses após o ‘junho de 2013’, ainda não sabe lidar com protestos sociais.
Na última terça-feira (27), a estação de metrô da Faria Lima mergulhou no caos, quando parte do grupo que havia participado da manifestação contra o aumento da tarifa, foi em direção à entrada do metrô para fazer um “catracaço”. Na tentativa de impedir o ato ilegal, a PM atirou bombas de efeito moral dentro da estação. Na estação, além dos manifestantes, estavam trabalhadores que voltavam para casa, crianças. Tudo ficou tomado por gás e fumaça. O pânico se instaurou. Intoxicados pelo gás das bombas e assustados por não saber o que acontecia, os passageiros entraram em choque, muitos choraram, gritaram, achando que o local estava pegando fogo. Alguns, que nunca haviam sofridos os efeitos de uma bomba dessas, achavam que seus corpos estavam queimando, por causa da reação similar provocada pela aspiração do gás.
A cena, de acordo com especialistas, reflete o despreparo da polícia de São Paulo para lidar com manifestações populares, mesmo um ano e meio depois de conviver com elas de maneira mais ou menos frequente após os protestos de junho de 2013. “A polícia não segue um procedimento operacional padrão e tem normas que parece que não estão sendo usadas nessas manifestações. É inadmissível, por exemplo, jogar bombas no metrô”, diz Marcos Fuchs, diretor adjunto da ONG Conectas, de Direitos Humanos. “A sensação que se tem é que o manifestante está indo para um combate.”
De acordo com a ONG, a violência se replica na repressão aos protestos sociais. Um exemplo disso seria na prisão ou na agressão contra jornalistas. Um levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo concluiu que 178 jornalistas que cobriam as manifestações de 2013 e 2014 foram presos ou feridos. Houve ainda um caso de homicídio, o do cinegrafista Santiago Andrade, morto no Rio após ser atingido por um rojão.
A polícia define sua atuação no metrô, na terça, como “uso moderado dos meios necessários para a manutenção da ordem pública e segurança coletiva”. “A Polícia Militar esclarece que na data de 27/01, ao final do 5º ato contra a tarifa, promovido pelo MPL, ocorreu a quebra da ordem pública na Estação Faria Lima – Linha Amarela – em frente às suas catracas. Manifestantes mascarados, além de impedirem o embarque dos passageiros, dispararam rojões, tacaram (sic) pedras e barras de aço contra o efetivo policial-militar e seguranças do metrô, obrigando o uso moderado dos meios necessários para a manutenção da ordem pública e segurança coletiva”, diz o texto da nota, em resposta aos questionamentos sobre sua forma de agir.
Para Bernardo Wahl, professor especialista em segurança interna e militarização da FAAP, a repressão policial que ele considera desproporcional pode ser uma estratégia estabelecida pelo Estado para desestimular as manifestações. “Eu acredito que há certa desproporcionalidade, mas ao mesmo tempo, o Estado quer evitar que as manifestações deste ano tomem as mesmas proporções que tomaram em 2013”, diz. “Acredito que o cenário está criado e há possibilidades dessas manifestações crescerem”, afirma o professor, referindo-se à falta d’água, apagão elétrico e a economia estagnada.
*As informações são de Afonso Benites e Marina Rossi para o El País.