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MPF denuncia cinco militares pelo assassinato de Rubens Paiva

Mais uma vez, a Justiça Federal é desafiada a se posicionar sobre um crime do regime militar brasileiro e cinco militares do Exército apontados como responsáveis pelo homicídio e ocultação do cadáver do ex-deputado Rubens Paiva devem ir para o banco dos réus. Na denúncia, que chegou nesta segunda-feira à 4ª Vara Federal Criminal, o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro sustenta que a morte de Paiva, assassinado sob tortura entre os dias 21 e 22 de janeiro de 1971, por ser um crime de lesa-humanidade, não prescreveu nem foi perdoada pela Lei de Anistia de 1979. O MPF-RJ também denunciou os cinco por associação criminosa armada e três deles por fraude processual.

Suspeito de intermediar a troca de correspondência entre exilados no Chile e seus contatos no Brasil, o ex-deputado foi preso em casa, no Leblon, no início da tarde do dia 20, por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). No mesmo dia, após interrogado, foi transferido para o Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), na Rua Barão de Mesquita, onde não resistiu a “selvagens torturas”, como concluiu o MPF após três anos de investigação. O corpo da vítima nunca foi localizado.

Segundo depoimentos, o ex-deputado federal Rubens Paiva foi torturado ao som de "Apesar de Você", de Chico Buarque/ Foto: Arquivo Pessoal
Segundo depoimentos, o ex-deputado federal Rubens Paiva foi torturado ao som de “Apesar de Você”, de Chico Buarque/ Foto: Arquivo Pessoal

O desaparecimento e assassinato de Paiva estiveram por mais de 40 anos cobertos por um manto de silêncio, mas a documentação encontrada na residência do tenente-coronel reformado e assassino confesso, Paulo Malhães, serviu para que o MPF desse o passo para apresentar uma denúncia contra os militares. Malhães morreu em sua casa no dia 24 de abril, em circunstâncias ainda investigadas. Um mês antes de sua repentina morte, o ex-militar havia dado depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV) instaurada no Brasil para investigar crimes cometidos durante os anos de chumbo (1964-1985).

No interrogatório, Malhães reconheceu com extrema frieza sua participação em uma longa lista de assassinatos, torturas e desaparecimentos de dissidentes do regime militar. Mas, negou sua intervenção no assassinato de Paiva, embora tenha admitido conhecer detalhes do mesmo. De acordo com Malhães, ele foi torturado, Ele foi torturado, morto, os restos mortais foram enterrados numa praia e, mais tarde, desenterrados e jogados ao mar. Ele falou também de outras pessoas torturadas no local que ficou conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis, na Região Serrana.

Foto: Álbum de família/O Globo
Rubens Paiva com a mulher, a sogra e os filhos/ Foto: Álbum de família-O Globo

Ao cruzar depoimentos de militares da repressão e ex-presos com documentos do Exército e da comunidade de informações, os procuradores da República responsáveis pelo caso decidiram denunciar o general reformado José Antonio Nogueira Belham, comandante do DOI em 1971, e o coronel reformado Rubens Paim Sampaio, ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE), por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa armada. Já o coronel Raymundo Ronaldo Campos, oficial de plantão no DOI-I no dia 22 de janeiro, e os sargentos Jurandir e Jacy Ochsendorf e Souza foram acusados de fraude processual e associação criminosa armada.

Somadas as penas, Belham e Paim podem pegar até 37 anos e seis meses de prisão, enquanto Raymundo e os irmãos Ochsendorf teriam até dez anos a cumprir. Os procuradores alegam que os crimes cometidos pelos cinco militares se deram em um contexto de ataque sistemático e generalizado contra a população civil por um sistema semiclandestino de repressão, baseado em invasões de domicílio, sequestro, tortura e desaparecimento de “inimigos do regime”.

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Durante a apresentação do relatório das investigações e da ação penal, Sérgio Suiama, um dos procuradores responsáveis pela denúncia, acusou o Exército de sonegar informações solicitadas pelo Ministério Público. Em resposta a um ofício dos procuradores, que pedira as folhas de alterações (espécie de histórico da carreira) do general Belham, o órgão respondeu apenas que, entre 1977 e 1981, o acusado serviu como oficial de gabinete do Comando do Exército. No entanto, um dos documentos apreendidos na casa de Paulo Malhães comprovou que Belham, no mesmo período, era chefe da Seção de Operações do CIE.

O Ministério Público Federal, que durante três anos investigou o caso, analisando minuciosamente 13 pastas de documentos e ouvindo o depoimento de 27 pessoas, também solicitou à Justiça que congele as aposentadorias dos cinco militares, e ao Exército brasileiro que retire as medalhas e condecorações obtidas durante suas carreiras. O advogado Rodrigo Roca, que representa três denunciados (Belham, Raymundo e Paim), disse que vai aguardar a decisão da Justiça antes de agir. Ele pretende pedir o trancamento da ação.

Tortura ao som de música

Depoimentos que fazem parte da denúncia apresentada ontem (19) pelo MPF-RJ relatam como foram os últimos momentos de vida do ex-deputado federal Rubens Paiva. Marilene Corona Franco e Cecília Viveiros de Castro ouviram os gritos de Paiva nas dependências do DOI-Codi. As duas mulheres foram presas quando voltavam do Chile, onde tinham visitado parentes exilados, e traziam cartas de outros brasileiros que haviam fugido para aquele país. O contato para a distribuição das cartas no Brasil era Rubens Paiva.

Aos procuradores, Marilene contou que era possível ouvir os gritos de Paiva, apesar de seus torturadores tentaram abafar o ruído com um aparelho de rádio em alto volume. Ela relatou não ter esquecido as músicas que ouviu naquele momento: “Jesus Cristo”, de Roberto Carlos, e “Apesar de Você”, de Chico Buarque.

Em outro ponto do DOI-Codi, o médico Edson Medeiros, que estava em cela gradeada no térreo do DOI-Codi, ouviu os mesmos gritos e a mesma música –”Jesus Cristo”, em alto volume. Aos procuradores, contou que algum tempo depois viu de sua cela passarem dois recrutas puxando pelos pés um homem forte e gordo, com mais de 100 quilos. O homem foi colocado em uma cela ao lado da sua e gemia muito. Algumas horas depois viu agentes retirarem da cela um corpo inerte e totalmente coberto. O médico disse aos procuradores que não conhecia Rubens Paiva, mas depois, vendo as fotos que saíram nos jornais, não teve a menor dúvida de que era o deputado o homem arrastado pelos agentes.

*Com informações de O Globo, Folha de S. Paulo, El País (Edição Brasil) e O Dia.

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