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Cerco chavista leva jornalistas a se refugiarem na Internet

As duas últimas gerações de jornalistas venezuelanos formaram-se sob a política do sectarismo de Estado, na qual a informação que deveria ser pública deixou de ser. A compra de redes de televisão, rádios e jornais por parte de capitais ligados ao chavismo, aliados ao controle cambial que bloqueia a aquisição de papel, provocam o auge das mídias digitais independentes na Venezuela. Durante o último ano, quando se instaurava no país a crise global da imprensa, o cerco econômico e político à livre informação fortaleceu uma dezena de novas mídias digitais, que apostam em oferecer aos cidadãos notícias da atualidade que deixaram de aparecer na imprensa e nas televisões locais.

A ocultação de informações por parte do governo e a busca dos venezuelanos por fontes alternativas ficou mais evidente quando, em junho de 2011, o ex-presidente Hugo Chávez foi diagnosticado com o câncer que causou sua morte em março de 2013 e não houve comunicado oficial. O jornalista Nelson Bocaranda foi o primeiro a dar a notícia do câncer de Chávez e o único que conseguiu oferecer informação em primeira mão sobre os tratamentos e cirurgias a que foi submetido, através de sua página na rede Runrun.es, criada oito meses antes, depois de, por pressões governamentais, ser cancelado o programa de rádio que conduzia.

Desde que Chávez assumiu o poder, em 1998, os diários venezuelanos conseguiram driblar, ainda que com dificuldades, a pressão econômica e política as quais sucumbiram os meios de radiodifusão, após o fechamento da Rádio Caracas Televisão e de 34 emissoras de rádio entre 2007 e 2009, e a venda do canal de notícias Globovisión, abertamente crítico à gestão do chavismo, para empresários que devem sua ascensão econômica aos seus vínculos com o poder político. “O momento crítico para a imprensa escrita veio com a compra de meios de comunicação por parte de empresas fantasmas ou de pessoas ligadas ao chavismo que não dão a cara, utilizam testas de ferro e põem os jornais ao serviço do Governo”, explica a jornalista investigativa Tamoa Calzadilla, que foi incorporada este mês ao Runrun.es.

Além disso, as autoridades negam aos diários independentes o acesso a verbas para a compra de papel, no contexto do controle férreo de câmbios vigente desde 2003. Os jornais, como consequência, reduziram drasticamente seu número de páginas ou deixaram de circular. “Esta crise da indústria jornalística está causando uma busca que ainda não sabemos para onde vai. Mas tudo parece indicar que a resposta está nos meios digitais, pelo menos em médio prazo. Também está demonstrando que a crise é dos meios de comunicação, mas não dos jornalistas nem do jornalismo, que buscam novos espaços para chegar ao público, dizer a verdade e manter o compromisso de sempre em outras plataformas”, explica Calzadilla.

Leia mais: Escassez de papel segue ameaçando imprensa venezuelana

Esta nova oligarquia que floresceu na sombra dos contratos públicos na era do chavismo é conhecida na Venezuela como boliburguesia (burguesia da caneta, em espanhol), desde que o jornalista e escritor Juan Carlos Zapata a batizou assim, em janeiro de 2004, em sua página da internet de notícias econômicas Descifrado.com. “Neste ano começaram a aparecer os empresários ligados ao chavismo e os funcionários que estavam em grandes operações, acumulando grandes fortunas, que se tornou evidente dois anos mais tarde, quando publicamos a primeira lista dos boliburgueses”, recorda o jornalista, criador do novo portal de informação Konzapata.com. Fundado em 02 de junho, a ideia é “publicar o que os outros não publicam e interpretar as relações de poder, esquadrinhá-las”.

Em maio, também foi ao ar a versão venezuelana do Poderopedia: uma plataforma destinada a mostrar as relações de poder entre pessoas, empresas e organizações, que até agora publicou mais de 200 resenhas e os perfis de 35 empresários, políticos e militares com influência na tomada de decisões públicas e privadas na Venezuela. Esta página da internet, dirigida pelo jornalista César Batiz, se alimenta da escassa informação disponível nos registros públicos e do que foi difundido por outros meios de comunicação. “Na Venezuela cresce a cada dia a ocultação de informação. Não temos acesso a declarações juradas de bens ou de impostos, que em outros países são públicas”.

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O grande desafio, explica a jornalista Emilia Díaz-Struck, integrante coletivo Armando.info, é conseguir o financiamento que tornará possível a produção destas histórias. “Um dos objetivos que estes espaços buscam é o mesmo do que em outras partes do mundo: encontrar um modelo de negócios que permita a sustentabilidade com o tempo e conservar a independência”, afirma.

Uma decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela recusou, no último dia 17, ordenar ao governo do presidente Nicolás Maduro que libere a compra de dólares para que veículos de imprensa do país possam comprar papel. A Sala Constitucional do Supremo venezuelano – que é considerado alinhado ao chavismo – negou o pedido do partido de oposição Copei, para o qual o governo usa o controle cambial para atentar contra a liberdade de expressão no país.

Para obter o papel-jornal importado, as empresas da Venezuela têm de pedir ao Cadivi (Comissão de Administração de Divisas) permissão para comprar dólares. Além disso, é necessário obter uma autorização que justifique a compra do produto importado. Desde 2003, há um controle estatal do câmbio que impede a livre compra e venda de divisas, administradas exclusivamente pelo órgão.

*Informações do El País (Edição Brasil), com Valor Econômico.

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