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Completando 10 anos, LAI é ferramenta rotineira de jornalistas baianos

Lei de Acesso à Informação tem usos diversos por repórteres locais, que dão dicas de como fazer pedidos

A Bahia tem 71% mais indígenas que Santa Catarina, porém recebeu 25% menos verba para combate à Covid neste grupo. Em 10 anos, 397 policiais militares foram expulsos da corporação na Bahia. Em comum, esses dois dados têm o fato de terem sido obtidos pela curiosidade de jornalistas baianos que acionaram a Lei de Acesso à Informação (LAI) para obtê-los. Completando uma década, a LAI ainda não é um recurso popular entre os jornalistas. Os que usam, no entanto, contam que basta um pedido bem sucedido para a empolgação transformar as solicitações aos órgãos públicos em uma prática rotineira.

“Muitas informações não são divulgadas de forma espontânea. Exatamente por isso a LAI é um grande instrumento de apuração, e também de prestação de contas”, avalia o repórter da TV Bahia Henrique Mendes, de 30 anos. “[Usar a LAI] é você colocar luz em informações, ter a possibilidade de ir atrás de matérias que são de extrema relevância”, completa o repórter do site Bahia Notícias Mauricio Leiro, 29.  

Mauricio e Henrique foram os responsáveis pelos pedidos sobre o combate à pandemia na população indígena e sobre as demissões de PMs, respectivamente. Ambos buscam recorrentemente pautas através da LAI. Mauricio foca principalmente em dados da esfera federal, com esforço de dar ênfase aos assuntos locais; Henrique, desde sua atuação no site G1 Bahia até o momento, como repórter da TV Bahia, é experiente no pedido de informações sobre segurança pública no estado. 

Jornalismo faz ponte entre dados e cidadãos

Nos últimos dez anos, a LAI tem sido uma ferramenta de todos os cidadãos, mas tem uma função especial no mundo das notícias. É o que acredita Maria Dominguez, pesquisadora da Transparência Internacional – Brasil. “Os jornalistas estão entre os maiores beneficiados com a lei, já que o acesso a informações públicas via LAI é mais uma ferramenta de apuração para o jornalismo, sobretudo o jornalismo investigativo”, lembra a pesquisadora. “O jornalismo é capaz, ainda, de ‘traduzir’ dados e informações públicas para os cidadãos e cidadãs de modo geral, já que a apuração, análise e cruzamento de diferentes fontes de informação requer habilidades específicas”, completa Maria.  

Jornalistas são beneficiários em particular, entre outros fatores, pelo alcance e repercussão como podem usar os dados obtidos via a legislação que foi sancionada em novembro de 2011, no governo de Dilma Rousseff (PT). “De fato, centenas de reportagens foram produzidas nos últimos dez anos com base em dados públicos obtidos via LAI, algumas contendo furos e impactos relevantes para os processos políticos, como a reportagem recente que revelou o ‘orçamento secreto’ do governo federal, de autoria do Breno Pires, do Estadão”, exemplifica Dominguez. 

Repetição aperfeiçoa os pedidos 

A LAI, de fato, está na rotina de Mauricio. As reportagens que ele assina no Bahia Notícias revelam pedidos feitos pela equipe do site e também o recorte baiano de informações pedidas e disponibilizadas pela agência Fique Sabendo – agência de dados independente especializada na Lei de Acesso à Informação. Mauricio conta que, semanalmente, revisa pedidos feitos ou pensa em novas pautas que possam requerer dados robustos. Para o jornalista, é preciso desmistificar a ideia de que só se deve recorrer à LAI quando não se encontra a informação disponível de forma mais facilitada ou quando se tem dificuldade de obter via assessoria de imprensa. Ele defende que os jornalistas devem se beneficiar das vantagens da LAI, como receber dados já tabulados, em qualquer situação. 

Mauricio conta que aproveitou conhecimentos prévios de uso de tabulação de dados, com o incentivo de colegas que já usavam a LAI e formações de empresas em que trabalhou, para tornar o pedido de informações algo recorrente em sua prática. Já Henrique foi desafiado em 2017, quando integrou o projeto Monitor da Violência. “Por meio de uma coordenação nacional do G1 em São Paulo, os repórteres em todos os estados foram orientados a usar a ferramenta na apuração de dados sobre as mortes violentas no país. Foi neste contexto que fui aprendendo a usar a LAI, e a entender os prazos estabelecidos para os pedidos. A partir dessa experiência, o uso da ferramenta se tornou habitual para outras apurações”, conta Henrique. 

Quem também é uma entusiasta da LAI é a editora e repórter Clarissa Pacheco, 32 anos, que em situações pontuais trabalhou com dados dessa fonte enquanto trabalhava na redação do Correio* – atualmente na equipe do Estadão Verifica. Embora tenha feito cursos sobre a LAI e ache importante, Clarissa pensa que se aprende mesmo na prática, entendendo como cada formulário dos órgãos funcionam e aprendendo a ajustar os pedidos ao que se quer. 

Dosar curiosidade e objetividade facilita pedidos

Ser direto e específico no pedido parece ser a chave. É algo que os jornalistas experientes em LAI costumam repetir. Esse detalhamento deve incluir o período compreendido dos dados que deseja, o tipo de dado e o formato ou extensão em que quer recebê-los. “A falta de precisão pode dificultar o entendimento da demanda, atrasar a resposta e, até mesmo, inviabilizar o retorno do órgão alvo do pedido. Portanto, antes de se acionar a LAI, é importante que o repórter tenha o entendimento da pauta, e do que se busca com a apuração”, resume Mendes.  

Porém essa precisão não pode deixar escapar uma característica essencial dos jornalistas, como destaca Maurício. “A curiosidade é o que vai guiar os iniciantes. Quanto mais curioso você for, mais fundo você vai conseguir chegar”. Clarissa lembra que, no caso do Governo Federal, há um repositório de pedidos que pode também encurtar o caminho, caso outra pessoa já tenha feito o mesmo pedido – além de ser naturalmente um banco gigantesco de pautas para ser explorado.   

‘Jornalistas não devem se satisfazer com respostas evasivas’ 

A Bahia está abaixo da média de outros estados na Escala Brasil Transparente, um indicador da Controladoria-Geral da União (CGU) que mede a transparência ativa (disponibilidade espontânea de dados) e passiva (solicitação dos cidadãos). A nota da Bahia é 8,6, enquanto a média nacional é 8,84 – quando comparado com estados de igual população essa distância é ainda maior, 9,15. Já Salvador, embora perca no ranking estadual para Vitória da Conquista (9,87) e Guanambi (9,75), tem uma nota acima da média das capitais (8,78) e acima da média dos municípios gerais (6,86), com nota 9,2. 

Para Maurício e Clarissa, no estado, as casas legislativas e o poder executivo ainda têm dificuldades de cumprir a lei. “Acho que se a gente conseguisse melhorar isso na Bahia ia ser muito melhor tanto para a democracia como para o nosso jornalismo”, opina Maurício. Para Clarissa, que já acompanhou um pedido do jornal ao Ministério Público para que uma secretária de governo entregasse os dados solicitados, os colegas jornalistas precisam ampliar os pedidos e usá-los com mais frequência, o que pode obrigar os órgãos a se prepararem para atender e cumprir a lei e os prazos. 

Em sua experiência na busca por dados de Segurança Pública, Henrique avalia positivamente as respostas e o cumprimento dos casos. Ressalta que os atrasos são pontuais, como na apuração da expulsão de PMs. “A demanda foi apresentada em maio de 2021, e a resposta foi dada quase quatro meses depois, no início do mês de setembro. Diante do atraso, cobrei o retorno por meio do próprio sistema de registro dos pedidos, como também por meio da Ouvidoria Geral do Estado. Apesar do atraso, a demanda foi respondida na integralidade”, lembra Henrique.

“Para garantir que o seu uso seja efetivo, jornalistas que usam a LAI para produção das suas matérias não devem se satisfazer com respostas evasivas, negativas injustificáveis ou omissões aos seus pedidos e recorrer sempre que necessário”, orienta Dominguez.

Garantia constitucional

O direito ao acesso à informação na constituição é anterior à LAI. No entanto, explica a pesquisadora Maria Dominguez, o que se fez há dez anos foi estabelecer parâmetros claros para que os pedidos sejam feitos e respondidos dentro de um prazo determinado. “Isso significa uma abertura do Estado ao escrutínio público sem precedentes, isto é, os órgãos e instituições públicas passaram a ter suas ações mais visíveis aos cidadãos e cidadãs, às organizações da sociedade civil, aos jornalistas e aos ativistas. Em dez anos de existência, essa lei mudou paradigmas no serviço público”, avalia. Maria é autora da dissertação “Governo aberto e dados abertos governamentais: Um estudo sobre as políticas e os usos de dados abertos governamentais no Brasil”, defendida em 2019 no Póscom-UFBA.

Com base em dados da CGU, Dominguez aponta que mais de um milhão de pedidos de acesso à informação foram realizados só ao governo federal nos últimos dez anos. Recentemente, decretos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) têm afrouxado o cumprimento da lei – com a suspensão de prazos e imposição de sigilo em um grande volume de documentos. O número de pedidos atendidos pelos ministérios também caiu, como revelou O Globo.  

Sites para jornalistas baianos praticarem a LAI

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