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Falta o livro sobre a amizade dos irmãos Clímaco e Ruy Barbosa

Luis Guilherme Pontes Tavares*

Se há surpresa que o admirado baiano Ruy Barbosa (1849-1923) tinha um irmão, não me coube, todavia, tal descoberta. Até o Google sabe disso. O médico, jornalista, poeta, político e abolicionista Clímaco Ananias Barbosa d’Oliveira (1840-1912) é fruto da relação de dona Águeda Constança da Silva e Amaral com o então concluinte de Medicina João José Barbosa de Oliveira (1818-1874). Nasceu em Salvador, em 21 de janeiro, nove anos antes do irmão e construiu currículo à altura do mais moço.

Suponho que a discrição que o pai de Clímaco sustentou sobre esse primeiro filho, talvez para não contrariar sua prima e esposa, Dona Maria Adélia, com quem casou-se em 1848, tenha repercutido na sociedade e, cúmplice, ela também guardou silêncio a respeito. Isso, todavia, não impediu que Clímaco e Ruy fossem próximos e de que o mais velho tenha auxiliado o mais novo em algumas situações. Os dois comungaram do jornalismo, da maçonaria, da literatura, de lutas políticas, tais como o abolicionismo, e de amigos. Ambos foram próximos do poeta, jornalista, advogado, educador e abolicionista baiano Luiz Gama (1830-1882).

ORAÇÃO DE DESPEDIDA A LUIZ GAMA

Foi o médico Clímaco Ananias quem pediu a palavra quando o caixão de Luiz Gama descia à cova no Cemitério da Consolação naquele final de tarde de 24 de agosto de 1882. Os detalhes estão nas páginas 222 e 235-236 do livro Com a palavra Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011), da professora doutora Ligia Fonseca Ferreira, da UNESP. Ela, na página 222, reproduz trecho da notícia, intitulada “Luiz Gama – homenagens e demonstrações”, da Gazeta do Povo, de 26 de agosto de 1882: “Antes [do sepultamento], o Dr. Clímaco Barbosa, comovido e em pranto, dissera algumas palavras de despedida ao ilustre morto”.

É, no entanto, nas páginas 235-236, onde a autora detalha o episódio ocorrido no enterramento de Gama. No livro, ela reproduz, nas páginas 227-236, o texto do escritor carioca Raul de Pompéia (1863-1895), intitulado “Última página da vida de um grande homem”, que a Gazeta de Notícias, de São Paulo, publicou 10 de setembro de 1882. Eis o trecho que consta nas duas páginas referidas acima:

 “Quando os coveiros iam descer para o túmulo o cadáver, um homem disse:

– Esperem!… O Dr. Clímaco Barbosa(era o homem) ergueu então a voz. A voz soluçava-lhe a garganta. Disse duas palavras, sem retórica, sem tropos, a respeito do grande homem que ali jazia caído…

A multidão chorou.

Então, o orador reforçou a voz, reforçou o gesto: e intimou a multidão a jurar sobre o cadáver, que não se deixaria morrer a ideia pela qual combatera aquele gigante.

Um brado surdo, imponente, vasto, levantou-se no cemitério. As mãos estenderam-se abertas para o cadáver…

A multidão jurou”.

CORRESPONDÊNCIAS NO ARQUVO DA FCRB

Eis um tema para estudo: a relação do pai e do irmão com o médico Clímaco Ananias. Penso que a cronologia dos três personagens auxiliaria a busca de informações. Houve aproximação de Clímaco com o pai quando ambos viveram no Rio de Janeiro? Com Ruy Barbosa, Clímaco viveu tanto em São Paulo, quanto no Rio. E no exterior? Os dois teriam experimentado exílio em 1893 devido ao golpe militar do então presidente Floriano Peixoto (1839-1895) para esmagar a Revolta da Armada? Ademais, entre as muitas questões ainda sem resposta, é necessário responder quem foi dona Águeda Constança, a mãe de Clímaco. Ela teve outros filhos e, portanto, ele teve outros irmãos por parte de mãe? Há, na atualidade, descendentes de Libânia, com quem ele casou-se, e Clímaco Ananias? Quem são? Onde vivem?

O Arquivo da FCRB possui 27 documentos textuais – cartas e telegramas – do irmão mais velho de Ruy, todos manuscritos, o que dificulta ainda mais a leitura de arquivo digital. Há, todavia, este documento, cuja cópia datilográfica, com atualizações ortográficas, está disponível. Ao fim da leitura, restou-me a impressão de irmão mais velho se dirigindo ao mais novo:

“S. Paulo 27 Novembro 1886

Rui

Se não tivéssemos plena confiança na sua conhecida competência para orador oficial na sessão de José Bonifácio, essa confiança se imporia pelo grande papel que V. desempenhou como auxiliar do Glorioso Gabinete 6 de Junho: ponha, portanto, a modéstia de parte, porque esperamos que as luzes de sua inteligência e ilustração hão de abafar as luzes em excesso que nos pede para a leitura de seu trabalho.

As providências estão dadas para estas, as outras só dependem de sua vontade.

Seu do C.

Clímaco”

Entre os 27 documentos, há a procuração datada de 09 de maio de 1891 em que o médico Clímaco Ananias Barbosa d’Oliveira, então com 51 anos, fixa “Informações e Instruções” para os procuradores Ruy Barbosa, Honorio Augusto Ribeiro, Bernadino Antonio da Silva Cardoso e Affonso Luiz Pereira da Silva de como proceder em relação ao seu patrimônio enquanto estiver em viagem pela Europa. A relação de bens inclui ações, depósitos bancários e propriedades rurais. Na instrução final, o autor escreveu: “Dinheiro á minha ordem. Em poder da Chapelaria Brasileira, conforme documento anexo, fica a quantia de Dez contos de réis a que me serão remetidos quando melhorar o cambio”.

No mesmo grupo de documentos do irmão de Ruy Barbosa há, ademais, 12 documentos – cartas, cartões e telegramas – de Lucio Ananias Barbosa, filho de Libânia e Clímaco, que mantinha com o tio estreito relacionamento. Tais correspondências foram enviadas do Rio, então Capital do país, e da cidade carioca de Santa Cruz entre 12 de dezembro d 1883 e 03 de janeiro de 1919, do que se deduz que o relacionamento dos parentes prosseguiu mesmo após a morte do médico em 1912. O outro filho de Libânia e Clímaco é Ernesto Ananias Barbosa.

A propósito da admissão de parentesco, a pesquisadora da FCRB, Rejane Magalhães, no livro Rui Barbosa na Vila Maria Augusta informa:

“Numa única oportunidade, no discurso na Imprensa Nacional em 13 de novembro de 1890, Rui evoca a Bahia, ‘donde era a família que me foi o berço: pais amados, irmão e irmã estremecidos’, e assim admite a existência de um irmão, talvez porque Clímaco estivesse presente no momento.”

TESE, POESIA E MUITO MAIS

Clímaco Ananias Barbosa d’Oliveira

O baiano Clímaco Ananias residiu no Brasil e no exterior e atuou como jornalista, médico e político em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Vitória do Espírito Santo. Ele concluiu o curso de Medicina no Rio de Janeiro em 1864 e defendeu a tese “Albuminuria. Quaes as condições pathologicas que a determinão?” Foi a mestranda Ana Lúcia Albano, que dirige a Biblioteca Gonçalo Muniz, da Faculdade de Medicina da UFBA, quem localizou na página 161 do volume 1 do Catálogo de Teses da UFRJ, referente ao período 1831-1985, a referência ao trabalho defendido pelo doutor Clímaco.

Após a formatura no Rio de Janeiro, o doutor Clímaco Ananias seguiu para o Uruguai, onde atuou no combate à varíola. É provável que, pelo mesmo motivo, tenha, em seguida, mudado para Vitória do Espírito Santo, onde foi um dos proprietários do Sentinella do Sul e combateu o flagelo da varíola. Os capixabas o elegeram deputado geral, conforme as informações da Wikipédia e da dissertação de Karulliny Silverol Siqueira. No verbete da enciclopédia eletrônica citada, consta que Clímaco Ananias publicou, em 1863, portanto durante o curso de Medicina, o livro Tristes e íntimas: poesias. No campo da ficção, publicaria na capital do Espírito Santos, em 1867, o romance Georgina. Ele, no campo acadêmico, publicou, além da tese de 1864, o livro Do aborto provocado, em 1867.

A atuação de Clímaco Ananias como político e jornalista ganhou mais relevo em São Paulo, sobretudo por causa da luta pela abolição da escravatura. Ele foi um dos proprietários da Gazeta de São Paulo. A Wikipedia, no verbete dedicado a Clímaco Ananias Barbosa de Oliveira, informa que ele “foi o responsável em 1887 pela primeira apresentação em S. Paulo da viola caipira, feita pelo fluminense Pedro Vaz”. Em 22 de agosto de 1912, o irmão de Ruy Barbosa falece no Rio de Janeiro e foi sepultado no Cemitério do Caju.

Enfim, quanto mais leio a respeito de Ruy Barbosa mais admito o acerto da sentença do professor Rubem Nogueira (1913-2010) a respeito dele: “é o personagem mais notório e menos conhecido do Brasil”.

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).

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