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Jornalistas avaliam efeitos do esvaziamento dos mecanismos de transparência

Entre ataques à imprensa e o esvaziamento dos mecanismos para a transparência de informações, ganha importância o trabalho das organizações em defesa desse direito. A Associação Bahiana de Imprensa promoveu nesta terça (31), como parte de sua programação de aniversário, a live “Como o esvaziamento das leis de transparência afeta o jornalismo?”. O segundo encontro virtual da série teve a participação dos jornalistas Ricardo Pedreira, diretor executivo da Associação Nacional de Jornais, Marina Atoji, jornalista e gerente de projetos da Transparência Brasil,  e João Mauro Uchôa, editor do Olho Público. 

“A transparência é um pilar da democracia. É preciso que instituições como a ABI e profissionais que lidam com a comunicação e com o serviço público estejam atentos a esse instituto”, defendeu Walter Pinheiro, presidente da Assembleia Geral da ABI. Mediador do debate, Pinheiro reforçou que o tema da live vem sendo discutido desde abril, quando a nova Lei de Licitações e Contratos desobrigou a publicação de editais na mídia impressa. 

Sobre isso, Ricardo Pedreira destacou a importância da mobilização das entidades representativas. “O que nós temos é um governo federal que tem buscado desde o início fragilizar as empresas jornalísticas. Esse governo entende que o jornalismo não faz parte da democracia. Estamos vivendo a conjugação do descumprimento dos recursos de transparência, ataque ao jornalismo e à transparência. É preciso lutar para garantir esse pilar da cidadania”, afirmou. 

Para Marina Atoji não é necessário haver ofensiva contra os mecanismos de transparência para restringi-la. “Algumas leis acabam sendo esvaziadas sem serem alteradas. O próprio fato das leis não serem cumpridas em sua integralidade já é um esvaziamento. Quando os órgãos públicos deixam de cumprir pedidos ou os ignoram são formas de enfraquecer a lei, ou também quando você dificulta a forma de fazer os pedidos”, observa a jornalista.

O acesso à informação de direito público depende também da eficiência dos mecanismos disponibilizados. É o que pontua João Mauro Uchôa para denunciar o que ele considera uma “enorme deficiência” nos portais de acesso nos níveis estadual e municipal. “Para além do descumprimento da transparência, a gente tem a indústria da transparência fajuta. Empresas de fundo de quintal que atuam na publicação de atos de prefeituras,mas que não têm compromisso nenhum com a transparência”. O jornalista também criticou a falta de padronização dos bancos de dados públicos, o que, segundo ele, afeta o recolhimento das informações. 

Jornalismo e transparência

Os impactos das ameaças à transparência para a relação entre o jornalismo e a sociedade foram destaque na discussão. De acordo com Ernesto Marques, presidente da ABI, é um tema “de alta relevância para esse momento que o país está atravessando”. O jornalista salientou que as mudanças na legislação e outras iniciativas que ferem a transparência, ainda que algumas tenham sido revertidas, afetam mecanismos que garantem a qualquer cidadão brasileiro acesso à informação de interesse público e impactam nas relações entre mídia e poder, dentro da estrutura social.

“A partir do momento em que você tem poucas informações para apurar eventuais desvios ou mau uso de recursos públicos, você enfraquece o impacto do jornalismo na sociedade. O jornalismo e a transparência têm uma relação de simbiose. Sem um não tem o outro”, declarou Marina Atoji.

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Para João Mauro, o livre exercício da profissão é essencial para se estar atento ao que necessita ser reforçado na lei. “A LAI (Lei de Acesso à Informação) não institui a transparência. A transparência é um princípio da administração pública”, afirma. “A LAI é uma trincheira, pode ser reforçada e aperfeiçoada. O jornalista é o profissional essencial nessa trajetória. Isso precisa ser utilizado na defesa da democracia, no aperfeiçoamento da administração pública e no melhoramento do acesso à informação”.

Quem também atua nessa trincheira é a jornalista Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora da agência de dados Fiquem Sabendo. Com o lema “O Brasil em dados”, a organização independente garimpa informações inéditas e que não são publicadas pelas autoridades. Uma das principais iniciativas da equipe é a newsletter gratuita e quinzenal “Don’t LAI to Me”, que auxilia jornalistas e pesquisadores de todo país, com informações adquiridas por meio da LAI ou em portais de dados abertos. 

“A Fiquem Sabendo faz milhares de pedidos de acesso à informação por ano, além de monitorar ativamente os dados abertos e a informação da transparência pública com um todo no Brasil”, disse. Segundo ela, não tem sido uma tarefa fácil a obtenção, análise e seleção de dados públicos. “A gente tem uma experiência bem prática sobre como o acesso está se dando ou sendo impedido. Infelizmente, tivemos no último ano um retrocesso tangível no nosso direito de acessar informações públicas”, revelou Ramos em sua participação.

Direito fundamental

Apesar de ser um direito constitucional, parece haver ainda confusão por parte da sociedade civil sobre o que acesso à informação significa. Rita Tourinho, promotora de justiça do Ministério Público da Bahia, frisou a importância de se pautar a transparência como direito fundamental. “A transparência dita o próprio estado democrático de direito. Se o poder é exercido em nome do povo, é necessário que a população tenha conhecimento do que está sendo feito”. 

Na opinião de Ricardo Pedreira, a dificuldade vai além do governo atual. “Ela [a dificuldade] está relacionada à própria sociedade brasileira. Agressões a jornalistas por parte de populares foram tão comuns nas manifestações e mais recentemente. A transparência é uma questão de cidadania”, analisa.

A noite contou ainda com as contribuições de Yuri Almeida, jornalista e especialista em controle de dados, que também criticou os ataques do governo federal à transparência. “Enquanto os governos democráticos de outros países avançam, no Brasil, a gente tem a censura, literalmente. Isso impacta no trabalho dos jornalistas que têm o acesso como insumo. A quem interessa essa ocultação de informações?”, questiona.

A próxima live da série promovida pela ABI está marcada para quarta-feira (8/9), com o tema “Assédio judicial: uma ameaça em toda a parte”. Faça a sua inscrição no canal da entidade no Youtube e não perca as discussões:

08/09 – Assédio judicial – uma ameaça em toda parte

14/09 – O papel da imprensa: falhas e omissões

21/09 – Comunicação e acessibilidade

Perdeu a transmissão? Saiba como foi a discussão desta noite no Youtube da ABI. Confira o vídeo abaixo!

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