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Liberdade de imprensa no Brasil: “Um clima de ódio e desconfiança”, diz RSF

Organização internacional destaca dois assassinatos de jornalistas ocorridos na Bahia

Ameaças, agressões, assassinatos… De acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), graves violações à liberdade de imprensa foram observadas nas últimas semanas no Brasil. A entidade lançou no último dia 20 um relatório onde denuncia casos de violência contra a imprensa do País, com destaque para a Bahia, e lamenta o ambiente de trabalho “extremamente tenso”, pedindo às autoridades que garantam a proteção dos jornalistas e punam os responsáveis por esses ataques. O documento destaca o fato de o Brasil continuar sendo um país violento para a imprensa, em que muitos jornalistas são mortos em conexão com seu trabalho.

Nas duas últimas semanas, em que vários meios de comunicação e repórteres foram alvo de ameaças ou campanhas de intimidação, dois jornalistas foram assassinados em circunstâncias ainda não esclarecidas. O apresentador de rádio e humorista Weverton Rabelo Fróes, de 32 anos, conhecido como Toninho Locutor, foi executado no dia 4 de abril, na cidade de Planaltino, na Bahia. Fundador e proprietário de uma rádio amadora local, ele apresentava um programa humorístico para a Rádio Antena 1. Foi assassinado na porta de casa por um homem armado que parou em uma motocicleta e abriu fogo, fugindo em seguida. 

Jornalistas Diego Santos, Junior Albuquerque, José Bonfim, Toninho Locutor | Fonte: RSF

Poucos dias depois, em 9 de abril, em Salvador, o produtor de televisão José Bonfim Pitangueiras também foi executado, por indivíduos armados que o abordaram próximo de sua residência. O jornalista, de 43 anos, era produtor da TV Record, um dos principais canais de televisão do país. Segundo informações de pessoas próximas, Pitangueiras não havia mencionado ameaças recentes relacionadas ao seu trabalho. A polícia segue apurando.

No mês passado, em 17 de março, foi a redação do jornal Folha da Região, localizada em Olímpia, município do norte do estado de São Paulo, que foi incendiada. Poucos dias depois, um militar e bombeiro da cidade confessou ter ateado fogo voluntariamente no jornal e agido “em revolta contra a imprensa”, que, segundo ele, “não ajudaria na luta contra a situação de crise sanitária”. A polícia local, por sua vez, afirmou que o ato foi “uma resposta ao posicionamento do jornal a favor de medidas científicas e legais para combater a pandemia do coronavírus”.

A entidade ressalta que na maioria dos casos, esses repórteres, locutores de rádio, blogueiros e outros profissionais da informação estavam cobrindo histórias relacionadas à corrupção, políticas públicas ou crime organizado em cidades de pequeno e médio porte, nas quais estão mais vulneráveis. “Toda luz deve ser lançada sobre esses assassinatos. As autoridades locais e federais devem identificar e levar à justiça os responsáveis por esses crimes, fazendo todo o possível para garantir a proteção dos jornalistas”, declarou o diretor do escritório da RSF para a América Latina, Emmanuel Colombié.

Relatório

O Brasil ocupa a 111º colocação no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa 2021, segundo relatório divulgado pela organização não governamental. A lista reúne 180 países e territórios. O documento mostra que o exercício do jornalismo está “gravemente comprometido” em 73 dos 180 países e restringido em 59, que, somados, representam 73% dos países avaliados. O relatório classifica os países por cores: zonas branca (situação ótima ou muito satisfatória), amarela (boa), laranja (problemática), vermelha (difícil) e preta (muito grave). O Brasil perdeu quatro posições e entrou na zona vermelha, onde também se encontram a Índia (142º lugar no ranking), o México (143º) e a Rússia (150º).

Segundo a RSF, o trabalho da imprensa brasileira tornou-se especialmente complexo desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018.  Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro. Qualquer revelação da mídia que ameace os seus interesses ou de seu governo desencadeia uma nova rodada de ataques verbais violentos. Para a organização, jornalistas enfrentam “um clima de ódio e desconfiança” em relação ao seu trabalho. E tudo isso “alimentado pelo presidente Bolsonaro”. A entidade contabilizou ao longo do ano passado 580 ataques contra a mídia, sendo que Jair Bolsonaro e seus filhos respondem por 85% dos ataques de autoridades à imprensa. As redes sociais foram a principal arena utilizada para hostilizar profissionais e veículos de comunicação.

A pandemia do coronavírus expôs sérias dificuldades de acesso à informação no país e deu origem a novos ataques do presidente contra a imprensa, que ele rotula como responsável pela crise e que tenta transformar em verdadeiro bode expiatório. Além disso, a paisagem midiática brasileira ainda é bastante concentrada, sobretudo nas mãos de grandes famílias de industriais, com frequência, próximas da classe política. O sigilo das fontes é regularmente prejudicado e muitos jornalistas investigativos são alvo de processos judiciais abusivos.

Carta aberta

Oito organizações ligadas às liberdades de imprensa e de expressão protocolaram no dia 7 de abril, Dia do Jornalista, uma carta aberta destinada aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A manifestação pede o compromisso dos líderes do Congresso Nacional com a liberdade de imprensa e a segurança de jornalistas e comunicadores do país.

O documento (confira aqui) conjunto traz sete recomendações para o Congresso Nacional atuar de forma a manter o Brasil como um ambiente seguro para a imprensa, garantindo mecanismos de transparência e acesso à informação. E faz um alerta para que Pacheco e Lira fiquem atentos a projetos de lei em tramitação nas duas casas que podem impactar negativamente a liberdade de imprensa ou restringir o trabalho desses profissionais no país.

O texto lembra que o Brasil vive um cenário preocupante de crescentes ameaças e ataques a jornalistas e restrições à liberdade de imprensa e descreve um ambiente cada vez mais hostil para o exercício da profissão: “Dificuldade de acesso a dados públicos, censura judicial, remoção de conteúdo, ameaças e agressões físicas, campanhas difamatórias e assédio online são elementos que compõem o cenário. Some-se a isso a impunidade em crimes cometidos contra jornalistas”. No ano passado, o Brasil ocupava a oitava posição no Índice Global de Impunidade de homicídios de jornalistas, segundo dados do Comitê para Proteção de Jornalistas, uma piora em relação ao ano de 2019, em que ocupava a nona posição. 

A carta foi assinada por Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Intervozes, Federação Nacional dos Jornalistas, Instituto Vladimir Herzog, Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) e Repórteres sem Fronteiras (RSF).

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