A inauguração pelo presidente Jair Bolsonaro de um trecho de estrada de 26 km na Bahia no último dia 26 de abril poderia passar despercebida, não fosse a reação do chefe maior do Executivo ao responder à pergunta sobre o cartaz CPF Cancelado feita pela jornalista Driele Veiga, da TV Aratu. Chamada de idiota em frente às câmeras, o fato ilustra uma sequência de ataques e agressões ocorridas desde 2018 ao jornalismo, aos jornalistas e à democracia no Brasil, e servem como alerta no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (03).
“Esses fatos (o ataque a Driele Veiga e à repórter fotográfica Paula Fróes, do Correio da Bahia, no dia 14 de março, quando cobria manifestação de apoiadores ao presidente no bairro da Mouraria) se repetem no Brasil inteiro, porque não são ataques gratuitos, fazem parte de um projeto maior de enfraquecimento da imprensa como tentativa de enfraquecer a democracia, já que a imprensa é um dos pilares da democracia brasileira”, diz o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado da Bahia (Sinjorba), Moacy Neves.
E foi assim, com reflexões, que a data instituída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em 1993, foi lembrada pela Assembleia Legislativa da Bahia neste 3 de maio de 2021. Iniciativa do deputado estadual Jacó (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da casa, um ato virtual transmitido pela TV Alba reuniu durante mais de três horas presidentes de entidades como ABI, Sinjorba, Fenaj e ANJ, além de jornalistas e editores de veículos locais, assessores, parlamentares, advogados e lideranças sociais.
“Falar sobre liberdade de imprensa no país hoje é falar de autoritarismo e intolerância, marca infelizmente e sobretudo do presidente, contaminando setores da sociedade brasileira. Não podemos mais falar de ameaça e estado crítico. O último ranking da organização Repórteres sem Fronteiras mostra que o Brasil caiu de posição, e isso compromete a democracia. A ANJ costuma lembrar que o direito à liberdade de imprensa não é só dos jornalistas e empresas, mas do cidadão, o direito de ser livremente informado”, afirma Ricardo Pedreira, diretor executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
O deputado estadual Jacó abriu o ato virtual defendendo o direito que todos os profissionais da mídia têm de investigar e publicar informações de forma livre. E que isto não seja motivo para ameaças, processos judiciais, tortura, censura, e até mortes de quem está investido da profissão. “Informar e denunciar desvios e irregularidades são atividades inerentes ao jornalismo. Delas a sociedade depende para formar a sua própria opinião”.
“Considero este ato da maior importância diante dos constantes ataques à liberdade de imprensa, e em especial aos profissionais de imprensa no Brasil. E não sou eu quem valida os fatos e os números: organizações como RSF dão conta de que o país entrou na zona vermelha do rankink mundial de liberdade de imprensa, situação agravada desde que o senhor Jair Messias Bolsonaro foi conduzido ao poder, em 2018”
A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, enfatizou que a liberdade de imprensa é direito à informação de qualidade e verdadeira e, no Brasil, “já está fissurada”. São três os motivos: a violência direta contra jornalistas (em 2020, houve um aumento de 105% em relação a 2019), que coincide com a ascensão de Bolsonaro a presidente; as ações judiciais contra jornalistas e veículos; e a concentração dos meios de comunicação ou pauta de pluralidade e diversidade na divulgação das informações jornalísticas (o chamado “deserto de notícias”, que afeta cerca de 4 mil cidades brasileiras)
O presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques, resgatou a figura e a importância de Ruy Barbosa em sua saudação aos colegas e deputados da Alba (confira a íntegra do pronunciamento). Mais conhecido pela faceta de jurista, o baiano foi jornalista e é dele a frase “Cada jornalista é, para o comum do povo, ao mesmo tempo, um mestre das primeiras letras e um catedrático de democracia em ação”. Ernesto citou um entrevero de Ruy com o marechal Hermes da Fonseca e sua defesa do jornal O Imparcial, proibido de publicar o discurso que fizera contra o estado de sítio, decretado em 1914.
“A atuação política do jornalista Ruy Barbosa é atual, e eu diria até, terrivelmente atual, quando se lança candidato a presidente contra o Marechal Hermes da Fonseca, mesmo sabendo ter poucas chances de vitória. Foi para o sacrifício por antever os riscos da militarização da política: “A candidatura militar, desastradamente armada para salvar as posições de alguns chefes políticos, encerra em si a desgraça irremediável do Brasil”. No seu tempo, era reverenciado com o epíteto de “apóstolo”. Hoje, eu pergunto se não seria mais adequado chamá-lo de profeta” (leia a íntegra do discurso no anexo).
Participaram também do Ato em Comemoração ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa Michele Gramacho, diretora da TV Alba; Raul Monteiro, presidente do Comitê de Imprensa da Alba e editor do portal Política Livre; Fernando Duarte, editor do Bahia Notícias; Elder Verçosa, membro da Associação dos Juristas pela Democracia-Núcleo BA; e Osvaldo Lyra, colunista do Jornal ATARDE e diretor de Comunicação da Câmara Municipal de Salvador.