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O livro é sobre o pai, mas ajuda a entender o filho

Luis Guilherme Pontes Tavares*

Reverencio o autor e o personagem do livro O pai de Rui. Dr. João José Barbosa de Oliveira (Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1949). O médico e escritor baiano Ordival Cassiano Gomes (1903-1958), autor de estudos sobre a história da Medicina no Brasil, reúne informações sobre o médico e político baiano João Barbosa de Oliveira (1818-1874) e as apresenta com a clareza e a consistência que elevam a obra à estatura de valiosa.

Frontispício do livro “O Pai de Rui”, de Ordival Cassiano Gomes, 1949.

A data estampada na folha de rosto do livro – 1949 – não corresponde ao ano correto da sua publicação. A obra de 164 páginas só foi impressa na Gráfica Olímpica, no Rio de Janeiro, em outubro de 1951, de modo que inclui o parecer, de 17 de julho desse ano, da comissão organizadora do anais do I Congresso Brasileiro de História da Medicina, realizado no RJ. A comissão aprovou a inclusão, na publicação, de longo artigo de Ordival Gomes sobre o pai de Rui Barbosa.

O livro tem 11 capítulos, além de três anexos – documentos, parecer (citado acima) e bibliografia – e cobre a vida e a obra de João José Barbosa de Oliveira desde o nascimento em 02 de julho de 1818 até o falecimento em 29 de novembro de 1874. O escritor desenvolve o relato da vida do personagem e conclui, após pontuar seus sucessos e derrotas, que a grande obra do médico e político João José foi fazer “do filho um homem em toda a extensão da palavra, um grande homem”. (p. 112)

Árvore genealógica – Odirval Cassiano Gomes aponta Antonio Barbosa de Oliveira, português do Porto, como pioneiro da família no Brasil. Ele era “sargento-mor de Ordenanças, viveu tranquilamente, sem nunca se envolver nas complicações políticas da terra. Era homem prático, realista, trabalhador e, ao morrer em 1784, legou aos dez filhos bom cabedal e um cartório de tabelião”. Desconheço a fundo a árvore genealógica, mas posso afirmar que Antonio Barbosa de Oliveira foi o bisavô paterno de Ruy Barbosa.

O autor do livro informa que os pais de João José foram Rodrigo Antonio e dona Luiza Soares Simas. O casal teve nove filhos e João José foi o primogênito. A mãe ficou viúva e herdou um sobrado, “único bem que deixara o marido” (p. 12). Seria imprudente afirmar que o imóvel em questão seria o mesmo em que Ruy viria nascer em 1849. O que o autor do livro informa é que a família numerosa viveu no andar superior do imóvel herdado e dona Sofia reforçava a receita minguada com o aluguel do andar inferior.

As dificuldades financeiras da viúva não combinavam com as aspirações vocacionais do filho João Barbosa. Ele desejava ser advogado e aspirou estudar em Coimbra (Portugal), São Paulo ou Olinda (PE). O jovem recebia o auxílio do primo rico Albino José Barbosa de Oliveira (Coimbra, 1809-Rio de Janeiro, 1889), que vivia no Rio, então capital do país e sede da Corte, mas restou-lhe a opção de cursar Medicina, em Salvador.

Mais Política do que Medicina – A sedução pela política – ele era do Partido Liberal – atrasou a conclusão do curso, sobretudo por causa do envolvimento dele com a Sabinada (1837-38), movimento que pretendeu a separação da Bahia do Brasil. Enfim, após o restabelecimento dos estudos, ele defendeu em 11 de dezembro de 1843, a tese “As prisões do paiz; o sistema penitenciário; higiene penal”. O escritor Ordival Cassiano Gomes explica que a opção por esse tema é mais uma demonstração da sedução de João José pelo Direito.

Capa da tese de João José Barbosa, de 1843.

Em 1846, o médico João José Barbosa de Oliveira submete-se a concurso para ensinar na Faculdade de Medicina. Poucos dias antes do exame, o tema foi sorteado – “Qual razão por que a Natureza não deu às Artérias Cerebrais o mesmo grau de elasticidade que às demais?” –, mas ele não foi aprovado. Ele defendera na prova a seguinte resposta: (…) “nas artérias do cérebro a sua menor elasticidade é para contribuir para que a circulação seja menos acelerada: fato fisiológico que existe e cujo fim é, sem dúvida, poupar a delicadeza da massa encefálica”. (p. 72)

Os argumentos ele apresentou, apesar da reprovação, despertou, no entanto, a atenção do médico-cirurgião e professor Antonio José Alves (1818-1866), pai do poeta Antonio Frederico de Castro Alves (1847-1871). O professor não endossou por completo os argumentos do aspirante, disso resultando polêmica entre os dois. Mais adiante, os filhos Ruy e Antônio Frederico, seriam colegas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.

Em 1848, João José casou-se com a prima Maria Adélia Barbosa de Almeida. O autor de O pai de Rui não oferece capítulo sobre o casal. Informa, no entanto, que os pais dela não aprovaram, de pronto, o enlace porque enxergavam o jovem médico inapto para prover a família de boas condições de vida. O autor, na página 90, serve-se de trecho do livro A vida de Ruy Barbosa, do escritor Luiz Viana Filho (1908-1990), para informar que dona Maria Adélia montou fábrica de doces no térreo do sobrado 9 da então Rua dos Capitães, para completar o orçamento doméstico.

Doutor João José atuou como médico, na capital e no interior, no enfrentamento da epidemia da cólera na década de 1850, confirmando seu compromisso com o diploma obtido. Elevou seu conceito, todavia, como político, ao assumir a diretoria da Instrução Pública da Bahia. Seu desempenho nessa função o distingue, na história da Educação baiana, como o primeiro a expandir o ensino público no estado.

A sedução de João José era mais pelo Direito do que pela Medicina e isso o levaria a atuar na imprensa e na política. Utilizou seu pendor para a oratória exercendo mandatos de deputado provincial e geral. Nessa última condição, viveu no Rio de Janeiro, hóspede do primo Albino José Barbosa de Oliveira, entre 1864 e 1868 – houve ocasiões em que retornou a Salvador para visitar a família. Nesse intervalo, o filho seguiu, em 1865, aos 15 anos, para Recife, a fim de cursar Direito, e sua mulher, dona Maria Adélia, faleceria em 16 de junho de 1867.

Abalados, mas solidários – João José retorna do Rio porque não obteve vitória na nova eleição para deputado geral. Na capital baiana, os parceiros políticos não puderam auxiliá-lo e o seu distanciamento da prática médica não lhe animou a abrir consultório. Ele resolveu então alugar terreno em Plataforma para montar olaria e construir casa para morar. Nessa altura, órfão de mãe, Ruy alcançava a maior idade e sua irmã Brites (1851-1879) era dois anos mais nova.

Foto de João José Barbosa de Oliveira.

Em carta de 29 de maio de 1870, carta de acerto de contas entre pai e filho, que o escritor Odirval Cassiano Gomes publica entre os documentos anexados à sua obra, João José informa a Ruy: “Continuo, como posso, com as obras de Plataforma. Espero que em julho lá estaremos, embora não acabados ainda a casa. Isto é urgentíssimo”. (p. 153) A aventura empresarial não obteve sucesso. Quem lhe arrendara o terreno fez o destrato e vendeu a propriedade ao empresário e político português Manoel Francisco d’Almeida Brandão (1837-1902). O pai de Ruy Barbosa foi indenizado com metade do valor das benfeitorias; recebeu 10 contos de Réis e o seu prejuízo foi de, pelo menos, sete contos de Réis.

Há que ler mais, estudar mais para escrever sobre Ruy Barbosa, seus antepassados e seus descendentes. Este texto que ora exibo apoia-se no livro O pai de Rui, monumental obra que completa, em 2021, 70 anos de seu lançamento. Encerro me dando conta de que Ruy retorna a Bahia adoentado e reencontra o pai num progressivo agravamento de moléstia. O médico e político João José Barbosa de Oliveira morreria em 1874, vítima de peritonite. Quanto a Ruy, após exames no Brasil e na Europa, foi, enfim, examinado por médico português que visitava Salvador, que recomendou-lhe alimentar-se melhor. O médico constatara que o ilustre baiano sofria de anemia.

João José Barbosa de Oliveira experimentara orgulho do filho desde a infância prodigiosa de Ruy. Aos cinco anos, o menino já declinava verbos. Aos 15 anos, quando o jovem aspirante a advogado viajou para Recife, o pai cometeu, cheio de orgulho, estes versos: (…) “Troféu modesto; cidadão severo/ Eu creio e espero! Já não choro mais”. Havia razão para nutrir confiança e admiração pelo filho. Após o falecimento do pai, foi Ruy quem assumiu as dívidas e as honrou apesar disso lhe exigir o atraso dos seus projetos pessoais, inclusive provocando a mudança de data do casamento com sua prima, a bela Maria Augusta Viana Bandeira.

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

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