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Ruy Barbosa despedaçado

Das imagens que fiz durante a breve visita, na tarde de 20 janeiro de 2021, ao sobrado em que nasceu o jornalista, advogado e político Ruy Barbosa (1849-1923), é esta que ilustra o texto, a que mais me comoveu. A figura do ilustre baiano mercando exemplares de jornal com outra, no formato de boneco mamulengo, prostrada e despedaçada. Tomei-as como síntese da visita que não pudéramos fazer antes devido a inconsistente querela entre a ABI (Associação Bahiana de Imprensa) e o Yduqs, grupo educacional, de capital aberto, de que faz parte a UniRuy, outrora parceira que assumira a responsabilidade de manter o museu de portas abertas.

É provável que quem nos ler agora tenha conhecimento de que a ABI, que é proprietária do Museu Casa de Ruy Barbosa (MCRB), penou nos últimos meses para ter acesso ao sobrado do Centro Antigo (rua Ruy Barbosa, 12) por causa da intransigência dos substitutos da Faculdade Ruy Barbosa, nossa parceira desde o final da década de 1990, instituição criada pelo professor Antonio de Pádua Carneiro e sócios e vendida por eles a investidores estrangeiros.

Depois dessa operação financeira, os problemas materiais e relacionais se multiplicaram e o sobrado perdeu o viço que tinha quando a ABI o entregou à faculdade baiana. O diálogo empobreceu, sobretudo depois que a casa foi assaltada no final de 2018. A UniRuy fora vítima porque não zelara com o devido rigor o patrimônio que estava sob os cuidados dela. No meio do ano seguinte, a parceria se esgarçou de modo grave com a pretensão de devolver o imóvel lesado e em estado aquém daquele que a ABI dera acesso e que nos permitiria adjetivá-lo como se brinco fosse.

Tomemos os três parágrafos anteriores como preâmbulo e alcancemos o que importa e que possa explicar o título deste artigo. E o que importa é Ruy Barbosa, baiano extraordinário, de quem ouço elogios desde a infância e a quem conheci melhor quando auxiliei numa nova edição da biografia do jurista escrita pelo político baiano, mas nascido na França, Luiz Viana Filho (1908-1990), patrocinada pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia como parte das festividades do centenário desse autor, comemorado em 2008.

Ruy Barbosa recebeu da Bahia extraordinárias homenagens, sobretudo no seu centenário de nascimento, em 05 de novembro de 1949. Seus restos mortais foram transladados do Rio de Janeiro, onde permanecera desde o sepultamento em 01 de março de 1923, para a cripta no novo fórum baiano, que ostenta o seu nome, no Campo da Pólvora. Foi também em 1949 que a ABI inaugurou o Museu Casa de Ruy Barbosa, na antiga Rua dos Capitães, que adotou o nome do jurista quando quando Ruy era ministro das Finanças do Governo Rodrigues Alves, em 1903. Se o fórum foi levantado com os recursos públicos, o museu e o seu acervo são obra de doações identificadas, o que o torna mais do patrimônio da Bahia do que da ABI.

E é em nome dos baianos que erguemos nossa indignação com o que está ocorrendo. Dou-lhes, pois, conta de que o imóvel requer obras diversas para restabelecer, sobretudo, a segurança que ostentava desde o telhado, passando pelo primeiro piso e o térreo rente à rua (em Portugal, se diria ao rés do chão). Mas a preocupação maior é com os bens móveis – documentos, livros, telas, objetos e móveis – afins com Ruy Barbosa. Tudo doado pela sociedade – personalidades e instituições – da Bahia e do Brasil. Exigimos a imediata transferência para o prédio da ABI (Edifício Ranulpho Oliveira, na esquina da Praça da Sé) face ao perigo que é a permanência num imóvel avariado.

Desconheço quem teria doado as duas figuras que estão na foto, mas o mamulengo exige imediata restauração e que essa coincida com a solução da querela entre a ABI e a Yduqs, de modo que relações maduras e construtivas permitam que o museu volte a funcionar e que o boneco que representa Ruy volte a se erguer e passe a representar não mais o personagem prostrado de despedaçado, mas aquele que admiramos, respeitamos e que é modelo de brasileiro para a nossa e as gerações deste e dos próximos séculos.

A Bahia não pode abandonar seu filho exemplar.

Viva, pois, Ruy Barbosa!

*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).

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