ABI BAHIANA

Transformações no jornalismo cultural são destaque do I Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura

Em seu segundo dia, o evento online contou com as participações de Sérgio Mattos, Malu Fontes e Kátia Borges

I’sis Almeida e Joseanne Guedes

A segunda noite do Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura, nesta quinta-feira (8), teve como destaque um debate profundo sobre os desafios e as mudanças ao longo da história do jornalismo cultural na Bahia e no Brasil. Com o tema “O espaço e conteúdos de cultura nos jornais, televisão, rádio e plataformas digitais”, os conferencistas Sérgio Mattos, Kátia Borges e Malu Fontes realizaram um apanhado no tempo, relatando experiências da época de graduação e refletindo sobre os novos rumos do setor. Com mediação de Simone Ribeiro, diretora do departamento de Divulgação da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), o evento online, fruto de parceria com a Academia de Letras da Bahia (ALB), atraiu profissionais experientes ligados à cultura, à comunicação e às artes literárias.

Já na abertura da mesa, o presidente da Academia de Letras da Bahia (ALB), Ordep Serra, parabenizou os 89 anos do poeta, professor e jornalista Florisvaldo Mattos, 2º vice-presidente da ABI. Ernesto Marques, presidente da Associação, acompanhou a saudação a “Flori”, como o chama carinhosamente, e adiantou que a Associação já planeja uma comemoração dos 90 anos de Florisvaldo Mattos.

Simone Ribeiro, no papel de interseção entre os convidados, iniciou sua fala recitando “Tecendo a manhã”, meta-poema lançado em 1966 por João Cabral de Melo Neto. Ela usou a obra cabralina, que reflete sobre a própria construção do trabalho, para trazer, segundo ela, “uma imagem de plenitude, de completude”. De acordo com Ribeiro, a vida de jornalista obedece a um ciclo. “A vida de redação não é para sempre. A gente passa por alguns ciclos e tem o espírito de comunhão, o espírito fraternal. Nossa atividade é feita em grupo”, refletiu. 

Em uma fala autorreferente, Ribeiro relatou sua trajetória no jornalismo cultural, onde acumulou vivências na cobertura diária e atuou também como editora do Caderno 2 do jornal A Tarde. A dirigente falou sobre as transformações nas dinâmicas da atividade, mudanças de consumo dos conteúdos e lamentou o desaparecimento dos cadernos culturais. “Eu fui testemunha dessas mudanças, algumas dolorosas e que atingiram em cheio um segmento tão glamourizado quanto discriminado que é o jornalismo cultural”, lembrou.

A jornalista acredita que o simpósio é uma oportunidade para repensar o futuro do segmento. “Meu consumo hoje é primordialmente pela internet. Temos novos hábitos. Por mais que a gente pense nesse tema de hoje e faça um recorte contemporâneo, precisamos olhar o passado e ver o que aconteceu, quais são as ferramentas de que a gente dispõe para reconstruir o jornalismo especializado”, introduziu a mediadora.

Crise?

Entrando no tema central do debate, o jornalismo cultural, o poeta, escritor e vice-presidente da assembleia geral da ABI, Sérgio Mattos, fez um panorama histórico extenso do campo, destacando a década de 50 como o período mais efervescente dos conteúdos de cultura em jornais, quando surgiu o formato de lead (abertura de textos) na imprensa, e ainda, a criação de suplementos culturais, como O Diário de SP e a Folha Ilustrada. Ele relembrou também que foi de 1950 em diante que surgiram as primeiras escolas de jornalismo do país. 

Segundo Mattos e autores aos quais o professor recorreu para explicar o histórico, o jornalismo cultural passa em tempos atuais por uma crise em função de alguns sintomas, entre os quais, citou ele: a concorrência das mídias digitais; a falta de especialização dos profissionais; a reprodução do modelo de notícias na realização de matérias relacionadas à cultura, além do fato de que o jornalismo passou a divulgar mais os eventos culturais do que cobri-los.

A proposição de Sérgio diante desse cenário, é “produzir novos estudos e debates, no sentido de se repensar o jornalismo cultural, a começar pela estrutura curricular dos cursos de jornalismo, responsáveis pela formação dos novos profissionais, que, além de dominar as técnicas jornalísticas, precisam dominar o gênero jornalístico sobre o qual vão escrever”, propôs. Outra sugestão é empreender esforços para maior preservação da memória cultural do país, “divulgando e analisando criticamente os produtos culturais”, completou. 

Malu Fontes, professora de jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA, mestre e doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas, também colaboradora da Rádio Metrópole FM, registrou o quanto ainda hoje é apaixonada por jornalismo cultural. “Eu consumo muito jornalismo, falo disso com muito conforto. Sou uma consumidora que hoje, claro, admito, não sou incompetente a ponto de não reconhecer o que está acontecendo na área”, relatou. 

“Não tem como a gente dizer que isso – a cultura no jornalismo – não se esvaziou”, admitiu Fontes. A jornalista usou uma metáfora para se referir ao atual cenário do jornalismo cultural. “A coisa da cultura virou ‘pirulitinhos’ no jornalismo e no jornalismo local, tudo que se dá são pirulitos, é aquela coisinha pequenininha de ‘vai ter hoje um show, o livro tal, dicas de livro, estreou o filme’. Não tem aquele texto que você lê com prazer. O texto que me dá prazer é o que eu saio dele com curiosidade de ir para um outro lugar, porque ele me convida”. 

Potencialidades

A escritora, poeta, professora de jornalismo da Universidade Salvador e colunista do Correio* Kátia Borges, não vê de maneira negativa o universo do jornalismo cultural, apesar das mudanças de produção e de consumo. Segundo ela, o que existe é uma deficiência de formação crítica e uma cultura forte do cancelamento, “a cultura de ódio, além de uma timidez muito grande dos críticos às obras de arte”. Para explicar, ela usou o exemplo da grande polêmica em torno da recepção do livro Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, com mais de 100 mil exemplares vendidos no Brasil. De acordo com Borges, as críticas ocorrem com a ausência de argumentação. “Em vez de polêmicas sérias em torno do conteúdo do livro, ficaram no ‘gostei’, ‘não gostei’. Isso não é crítica. É opinião. E opinião todo mundo tem”, criticou.

“Estamos passando por uma renovação”, analisa. “Precisamos estudar os nossos veículos, para entender como essa cultura se deu lá atrás e como está hoje. Existe, claro, uma crise da crítica. Mas, essa é a nossa cultura, rápida, multifacetada, fugaz. Agora, dentro disso, temos o Suplemento Pernambuco, a Revista Quatro Cinco Um, o Jornal Rascunho, que vem trabalhando muito bem”, elogiou a professora. Segundo ela, as plataformas digitais abrem um campo “muito bom” para quem está trabalhando com cultura. “Talvez, a gente não tenha uma crítica tão contundente dentro dos jornais. Temos, por outro lado, podcasts incríveis, como citou Malu, muita cultura, muita gente fazendo um trabalho maravilhoso em jornalismo de cultura”, opinou.

Kátia Borges abordou sua experiência como jornalista de cultura e sua atuação na área acadêmica como pesquisadora e professora universitária. Assim como Simone Ribeiro, ela viveu os desafios da redação e viu as transformações da cobertura cultural na Bahia. Borges compartilhou com o público que interagia com a mesa dados originados em suas pesquisas na área. “É uma paixão na minha vida a história do jornalismo e da literatura na Bahia”, reconheceu. Para ela, há uma lacuna de pesquisa importante para se entender o jornalismo cultural na Bahia. “É uma transformação interessante, uma transição, quando o meio cultural para de ser chancelado pelos jornalistas”, indicou.

Nesta sexta-feira (9), acontece a terceira e última mesa do Simpósio, com mediação da jornalista e escritora Suzana Varjão. O tema “Jornalismo e Literatura: interfaces” será discutido pelo escritor Antônio Torres, jornalista, membro da ALB e da Academia Brasileira de Letras (ABL), pela jornalista e escritora Aline D´Eça e pelo doutor em ciências da comunicação Edvaldo Pereira Lima.

>> Relembre a mesa de abertura neste link

Serviço:

I Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura

Quando: 7, 8 e 9 de abril de 2021 das 18 às 20h 

Onde: Online, via YouTube da Academia de Letras da Bahia (ALB)

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