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Jornalistas analisam efeitos do governo Trump sobre a imprensa

Faltavam dois dias para a festa da Independência dos Estados Unidos, celebrada em 4 de julho, quando o presidente Donald Trump resolveu ampliar sua já extensa lista de ataques contra a imprensa. Publicou em seu Twitter uma montagem em que ele encarna uma espécie de Hulk Hogan e golpeia um homem cujo rosto está coberto com o logotipo da rede CNN. Essa e outras investidas de Trump contra o jornalismo foram alvo de análise, na manhã desta quinta (20), durante reunião promovida pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI). A íntegra da discussão pode ser acessada aqui.

Do debate conduzido pelo presidente da instituição, Walter Pinheiro, participaram os jornalistas Ranulfo Bocayuva e Tony Pacheco, e o cartunista Osmani Simanca, que fez uma exibição de sua produção sobre o presidente estadunidense. Os convidados fizeram reflexões sobre o poder político, militar e econômico norte-americano, além de suas relações com países como China, Rússia, Síria, Iraque e Arábia Saudita. Temas como política anti-imigração, possível conflito com a Coreia do Norte e recuo nos acordos ambientais integraram a pauta. O diretor da ABI, Luis Guilherme Pontes Tavares, idealizador do debate, observou que [o evento] não é um julgamento de Trump, mas uma oportunidade de analisar os efeitos de seu governo.

Desde que Donald Trump conquistou a presidência dos Estados Unidos, tendo assumido em 20 de janeiro, ele acumula episódios de uma amarga relação com a imprensa. Um dia depois da posse, há seis meses, Trump, que tem o Twitter como sua plataforma predileta de ofensas, afirmou para oficiais da inteligência daquele país ter uma “guerra em curso com a imprensa”, cujos profissionais classificou como “os seres humanos mais desonestos da Terra”. Segundo ele e sua equipe, “a imprensa deveria manter a boca fechada”.

Foto: Luiz Hermano Abbehusen
Foto: Luiz Hermano Abbehusen

Para Ranulfo Bocayuva, Trump é “um desequilibrado”, embora, segundo ele, tenha sido vítima de preconceito. “Ele não ataca só a imprensa, mas também a Constituição americana. Nós sabemos aqui no Brasil os efeitos do autoritarismo”. Ele definiu Trump como um “outsider”, por não se enquadrar até mesmo em seu próprio Partido Republicano, e destacou fracassos políticos nos EUA e nas relações internacionais, a exemplo do Obamacare – plano de saúde implantado pelo democrata Barack Obama -, que Trump tentou revogar, sem sucesso. “Foi uma derrota vergonhosa. Esse caráter fanfarrão revela incompetência para governar. A agressão à imprensa visa escamotear a incapacidade dele, que tem tido derrotas grandes e vê sua popularidade cair a cada dia”.

Tony Pacheco acredita que tudo não passa de brincadeira e o “jeitão” do líder é um misto de defesa e tentativa de cumprir o que prometeu a seu eleitorado, formado, segundo Pacheco, por uma classe média branca e desprezada pelos governos anteriores. Para ele, Trump encontrou na falência da classe média o apoio de que precisava para alcançar a presidência. “Ele pongou na insatisfação dos americanos com suas vidas. Metade da população não queria Trump. Por isso, ele encara uma forte oposição, como foi com a presidente Dilma aqui no Brasil”, disparou.

Em sua análise, ele lembrou que Trump fez propaganda para o branco pobre, uma parcela da população que só faz decrescer economicamente. Segundo Pacheco, pelo menos três pontos fizeram a vitória de Trump: a casa própria (classe média continua na hipoteca), a educação (jovens estão cada vez mais endividados) e o automóvel, cuja idade média de uso nos Estados Unidos atualmente é de 12 anos. “O americano médio não pode mais trocar de carro como é mostrado no cinema”. “Só 1% dos americanos tem renda superior a 600 mil reais por ano. Outros 15% ficam entre 90 e 400 mil. A maioria, uns 200 milhões de americanos, fica patinando, correndo atrás de empregos melhores nos últimos 20 anos”.

O jornalista destacou que a imprensa brasileira e mundial fez cobertura partidária anti-Trump na época da eleição e, de acordo com ele, continua fazendo agora. “Ele é um idiota e rebate as provocações que são feitas por uma imprensa partidária. Se eu fosse tratado desse jeito, eu faria pior”. Tony Pacheco citou que Obama foi o presidente que mais deportou imigrantes na história dos Estados Unidos. “Mas todos criticam Trump, antes mesmo dele expulsar. Putin [presidente russo], por exemplo, resolve mandando matar jornalistas e ninguém diz nada”. Ele pediu “paciência” com Trump. “Vamos pesquisar mais. Com seis meses, ainda não dá para saber se será bom ou ruim”.

Foto: Luiz Hermano Abbehusen
Foto: Luiz Hermano Abbehusen

Quem discorda é Osmani Simanca. Ao longo da exibição das charges, ele explicou seu olhar sobre o resultado das eleições e a postura de enfrentamento assumida pelo presidente. “A charge sempre é opinião. Eu tenho uma posição muito clara no meu desenho: Donald Trump tem um desequilíbrio”. Segundo o cartunista, as ofensas – hoje no âmbito virtual – podem incitar agressões reais.

Esse é também o medo da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que recentemente condenou os ataques de Trump aos meios de comunicação dos EUA. A organização manifestou preocupação de que a atuação do presidente incite atos de violência contra jornalistas e veículos.

“Ele preferiu adotar a política do ‘porrete’, enquanto Obama [ex-presidente] agia à base da simpatia e do carisma. O perigo é essa doutrina ganhar corpo. Se as manifestações dele encontrarem apoio, as coisas vão piorar. Eu acho que o caminho é sempre o diálogo. O processo de ameaça é prejudicial. Que o comportamento agressivo dele com os profissionais da notícia não seja copiado no Brasil”, avalia o presidente da ABI, Walter Pinheiro.

Prestigiaram a sessão a historiadora e professora Ana Caribé, o professor de Filosofia da UFBA, Ricardo Líper, a representante da Sociedade Protetora dos Desvalidos, Lígia Margarida Gomes, os diretores da ABI, Nelson José de Carvalho, Luiz Hermano Abbehusen e Valter Lessa, entre outros.

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