Por Rodrigo Daniel dos Santos Silva*
Este trabalho tem como objetivo propor uma forma de noticiar os fatos criminosos sem ferir os direitos humanos. Desse modo, o garantismo midiático visa a tutelar a dignidade das pessoas que são expostas a mídia quando suspeitas de praticar ato ilícito. Sem nenhuma pretensão de exaurir a temática, o artigo é apenas um recorte de um trabalho maior. Para alcançar a proposta, debruçamos em uma literatura interdisciplinar: jornalismo, direito e filosofia.
O presente artigo é um recorte de um trabalho maior, dedicado ao estudo sobre direitos humanos e às crônicas policiais. Tema, frise-se bem, ainda pouco versado nos meios acadêmicos e no campo profissional, muito em virtude do preconceito com o jornalismo policial, conforme a observação da mestre e jornalista Patrícia Paixão (2010).
Acreditamos, todavia, que não é se eximindo que iremos solver uma questão que está em relevo no nosso tempo: a exploração dos suspeitos de atos criminosos pela mídia, ferindo direitos fundamentais. É bem verdade, que o estudo sobre o jornalismo policial na televisão tem sido bem explorado no mundo acadêmico.
Antes de tudo, convém pontuar, que a busca pelo bom jornalismo é uma luta cotidiana. O jornal de hoje precisa ser melhor do que o de ontem, e o de amanhã deve ser melhor do que o de hoje. Contudo, assim como toda a atividade humana, o jornalismo não é perfeito e nunca será. Sempre teremos que lidar com erros. É a reflexão sobre o modo como se produz que, sem dúvida nenhuma, evitará cairmos num abismo de equívocos.
Os fatos noticiados, principalmente, os que ganham muita notoriedade, precisam ser estudados e debatidos. É provável que eles se repitam em outro espaço e com personagens diferentes, no entanto, os erros não devem serem reproduzidos.
Não é nenhum absurdo asseverar que os crimes sempre foram relatados na história da humanidade seja em prosa ou em verso. Do primeiro homicídio, em que Caim matou Abel, até o tempo presente nunca deixamos de registrá-los. Há tempos observa-se que a mídia tem um interesse pela chamada crônica policial. Autor de diversas obras, como Arte do Direito, Como nasce o Direito e As misérias do processo penal, o jurista italiano Francesco Carnelutti, ainda no século 20, anotou:
“Um pouco em todos os tempos, porém na época cada vez mais, interessa o processo penal à opinião pública. Os jornais ocupam uma boa parte de suas páginas com a crônica dos delitos e dos processos. Quem os lê tem consigo a impressão de que neste mundo se produzem muito mais delitos do que boas ações. O que ocorre é que os delitos assemelham-se às papoulas, que quando há uma em um campo, todos se dão conta dela; e as boas ações se ocultam, como as violetas entre as ervas do prado. Se os jornais ocupam com tanta assiduidade dos delitos e dos processos penais, é porque a gente se interessa muito por eles; sobre os processos penais chamados célebres, lança-se avidamente a curiosidade do público” (CARNELUTTI, 2009, p.6 e 7).
Neste contexto, o professor doutor e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso (2014, p.34), observa que os crimes são fatos noticiáveis e não se restringem a esfera íntima, uma vez que repercutem sobre a sociedade. Ele chama a atenção ainda que ao noticiar a aplicação de uma lei penal contribui-se para inibir novas transgressões.
Mas é notório que, por vezes, o jornalista abusa do poder de informar e provoca o sensacionalismo destes fatos a fim de ter mais audiência e lucro. O resultado disto é um desrespeito aos direitos fundamentais do suspeito de praticar um crime.
Diante do exposto, o propósito deste trabalho é um buscar um meio-termo entre a liberdade de informação e a garantia dos direitos fundamentais. Dito de outra forma, o objetivo é propor uma forma de noticiar os fatos criminosos sem ferir os direitos humanos. Para tanto, dividiremos este artigo em duas etapas. No primeiro momento, faremos uma breve discussão sobre direitos humanos. Na segunda parte, discutiremos o que nomeamos de garantismo midiático. Por fim, apresentamos as considerações finais.
Os direitos humanos
Ainda no século 20, o filósofo italiano Norberto Bobbio observou que o desafio do nosso tempo não era mais de saber quais e quantos são os direitos do homem [convém assinalar que, no percurso da história, autores usaram expressões como “direitos do homem”, “direitos individuais”, “direitos humanos fundamentais”, “direitos fundamentais”, para, em algum momento, falar sobre “direitos humanos”. No presente trabalho, usamos tão-somente os termos “direitos humanos” e “direitos do homem”, pois entendemos que conseguem abranger com mais precisão a noção de direitos constituídos como inerentes ao homem], mas sim o modo mais seguro para garanti-los (2004, p.25). Em sua célebre obra A Era dos Direitos, frisa que embora estejam descritos em códigos e sejam pronunciados em assembleias, os direitos do homem são violados cotidianamente.
Lembra Bobbio (p.14-15) que a expressão direitos humanos, ao longo da história, foi alvo de muitas definições. O próprio filósofo italiano apresenta uma significação. Na concepção dele, são coisas desejáveis e que precisam ser perseguidas para serem reconhecidas.
Nesta mesma linha de pensamento, o professor doutor da Universidade Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e procurador da República Daniel Sarmento (2004, p.20), ressalta que a concepção de direitos humanos surge no Ocidente e “constituem imperativos éticos que protegem todo e qualquer ser humano, independentemente do seu país ou cultura”.
Bobbio e Sarmento salientam que os direitos são conquistados após travar lutas e batalhas nos campos políticos e sociais, a título de exemplo a Reforma Protestante na qual se reivindicou e houve o reconhecimento da liberdade da opção religiosa e ao culto em muitos países europeus.
O filósofo italiano pontua, em sua obra, a relevância do reconhecimento dos direitos humanos. Diz ele que “sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos” (BOBBIO, p.1). Dito de outra forma, direitos do homem, democracia e paz precisam e só caminham juntos.
É sempre bom salientar que um direito que nos parece fundamental em nosso tempo pode não ser no futuro. No entendimento de Bobbio (p.18), essas modificações acontecem por conta das condições históricas e isto prova que não existem direitos fundamentais por natureza. No entanto, prossegue o filósofo:
“Há alguns [direitos] que valem em qualquer situação e para todos os homens indistintamente: são os direitos acerca dos quais há a exigência de não serem limitados nem diante de casos excepcionais, nem com relação a esta ou àquela categoria, mesmo restrita, de membros do gênero humano (é o caso, por exemplo, do direito de não ser escravizado e de não sofrer tortura)” (BOBBIO, 2004, p.19-20).
Demais disso, segundo Bobbio (p.20), quando há uma conquista de um novo direito, por tabela, outro acaba suprimindo-se. Cita-se como exemplo o direito de não ser escravizado, que proíbe o direito de ter escravos. Convém destacar, no entanto, que o debate sobre direitos humanos não é recente.
Segundo o jurista e professor doutor Ingo Wolfgang Sarlet, são as primeiras Constituições [conforme leciona o professor doutor e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso (2015, p.99-100), a Constituição organiza e limita o poder político, “dispondo acerca de direitos fundamentais, valores e fins públicos e disciplinado o modo de produção e os limites de conteúdo das normas que integrarão a ordem jurídica por ela instituída Como regra geral, terá a forma de um documento escrito e sistemático, cabendo-lhe o papel, decisivo no mundo moderno, de transportar o fenômeno político para o mundo jurídico, convertendo o poder em Direito”] que reconhecem e consagram os direitos humanos, a partir da evolução do Estado Liberal para o Estado Social (2005, p.43).
Mas calha pontuar que se ganha um caráter universal depois da Segunda Guerra Mundial, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidades. Foi naquele ano que se estabeleceu o marco da luta pela efetivação dos direitos do homem no mundo.
Neste sentido, o professor doutor Daniel Sarmento lembra que alguns críticos se contrapõem a este entendimento de caráter universal dos direitos humanos. O estudioso pontua que não se deve impor o mesmo direito, às civilizações com culturas distintas, pois poderá se constituir uma violência. Acrescenta o professor que:
“As diferenças culturais são relevantes, e têm de ser consideradas em matéria de direitos humanos, pois o homem não é um ser desenraizado, e habita um universo de tradições que também compõe a sua personalidade. Além do que, existe o direito fundamental coletivo à manutenção das formações culturais não hegemônicas, que recebe proteção tanto em sede constitucional, como na normatividade internacional, e que tem de ser devidamente sopesado. Aqui mais uma vez, como sói acontecer, a virtude está no meio” (SARMENTO, 2004, p.20-21).
O jurista Ingo Wolfgang Sartlet (p.53) averba, em sua obra A eficácia dos direitos fundamentais, que os Direitos Humanos sofreram diversas transformações com o tempo. A tal ponto de falarmos em, ao menos, três gerações distintas de direitos. De acordo com Sarlet (p.54-55), a primeira dimensão foi marcado por um caráter de defesa do indivíduo perante o Estado.
“Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São, posteriormente, complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletivas (liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação etc.)” (SARTLET, 2005, p.55).
Conforme destaca Sartlet (p.55-56), a segunda geração de direitos já não se preocupa tanto com a intervenção estatal. Agora, cuida-se de propiciar ao homem um bem-estar social, como direitos a saúde, a educação e ao trabalho. Esta nova dimensão se consagra depois da Segunda Guerra e é mais abrangente do que a primeira.
Na terceira geração, que ficou conhecida como direitos de fraternidade ou de solidariedade, tem como característica a proteção da coletividade. Segundo Sartel (p.57), esta geração surge pelo impacto tecnológico e pelo estado beligerante em que vivemos. Prossegue ele:
“Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais ciados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direto de comunicação” (SARTEL, 2005, p.57).
Por fim, há autores, como o respeitado jurista e professor Paulo Bonavides, que já fala em uma quarta geração de direitos. Esta é resultado da globalização e é “composta pelos direitos à democracia (…) e à informação, assim como pelos direito ao pluralismo” (SARTEL, 2005, p.59).
Garantismo midiático
Em meados do século 20, o jurista italiano Luigi Ferrajoli difundiu a ideia do garantismo penal, que propõe a adoção de 10 princípios pelo Estado para limitar a intervenção penal e proteger as garantias do cidadão. Um exemplo deles é o da legalidade que assegura a não existência de um crime sem uma lei. Calha mencionar que Ferrajoli registrou este conceito na clássica obraDireito e Razão: teoria do garantismo penal.
O pensador italiano não cunhou a expressão garantismo, mas é o responsável pela divulgação. Assim sendo, tomamos o termo, como Ferrajoli, e a lógica dele para desenvolver as nossas ideias. O garantismo midiático, objeto do presente estudo, é uma proposta alicerçada em, ao menos, cinco pilares (normas) que visa garantir os diretos fundamentais do cidadão sem vedar a liberdade de informação.
Não será inútil recordar que o Brasil conviveu, em muitos momentos da sua história, com governos autoritários que lhe impôs censura à imprensa. Razão pela qual, qualquer ideia que vise limitar a atuação da mídia é sempre vista com receio pela sociedade e, principalmente, pelos jornalistas.
É bom salientar, todavia, que o garantismo midiático não objetiva restringir a atuação da mídia, mas sugerir normas para um meio-termo entre a garantia dos direitos humanos e a liberdade de informação.
A primeira norma para se garantir uma informação sem referir os direitos humanos é a abolição dos termos “policialescos”. Ainda em nosso tempo, não raro encontramos expressões em textos jornalísticos como “elemento” e “meliante”. Também devem ser banidas as expressões que carregam cargas de preconceitos como “maníaco do parque”, “maníaco da bicicleta” e “estuprador do edredom”, por exemplo.
É bem verdade, que o jornalismo avançou bastante nesta perspectiva [no século 20, quando a subjetividade estava mais presente no jornalismo do que em nosso tempo, textos jocosos, desmoralizantes, pejorativos, sem nenhum respeito aos direitos humanos eram regras e não exceções, cite como exemplo um trecho da reportagem “Por uma menina morta”, de David Nasser, publicada em 16 de agosto de 1958, na revista O Cruzeiro: “A pureza da Aída, ela própria a demonstrou na mesa do necrotério. Foi escrito, o laudo definitivo de sua virgindade, pela necropsia. Havia-a provado exuberantemente, antes, com a beleza de seu gesto, defendendo-se até o fim, dos ataques brutais de um tarado engordado a pão-de-ló e creme de Chantilly” (MOLICA, 2007, p. 28)], mas ainda há jornais, portais na internet, programas de tevê e rádios que usam e abusam dessas expressões.
Há de se perguntar, por conseguinte, que termos então devem ser empregados nos relatos jornalísticos. O presente trabalho defende o uso adequado dos termos jurídicos: suspeito, investigado, indiciado e acusado (ou réu). Frise-se que suspeito não é acusado, como investigado também não é indiciado, e vice-versa [em sua obra Curso de Processo Penal, o promotor de Justiça Militar da União Renato Brasileiro Lima esclarece a distinção entre o suspeito, o investigado, o indiciado e o acusado. De acordo com o autor, suspeito ou investigado é “aquele em relação ao qual há frágeis indícios, ou seja, há mero juízo de possibilidade de autoria, indicado é aquele que tem contra si indício convergentes que o apontam como provável autor da inflação penal, isto é, há juízo de probabilidade de autoria; recebida a peça acusatória pelo magistrado, surge a figura do acusado” (p.109)].
E nunca se deve afirmar que um suspeito é “criminoso, assassino, corrupto ou correlato, pois até um julgamento formal todos são, no máximo suspeitos ou acusados de alguma coisa. Somente após um veredicto judicial, o suspeito passa a condenado” (DINIZ,2013, p.44). O pensador italiano Cesare Beccaria (2013, p.66) endossa essa posição ao afirmar, em sua clássica Dos delitos e das penas, que “um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe outorgada”.
A presunção da inocência não pode ser uma farsa. Ela deve ser uma garantia. Não raro encontramos casos de pessoas que foram condenadas e cumpriram uma longa pena sendo a todo tempo inocente. Se em apenas um a cada 10 casos de fato o caso noticiado for de um inocente isso, por si só, já faz por um merecer que as notícias tratem todos os casos como um inocente. A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos, já observava o barão de Montesquieu.
Até mesmo nos casos em que o suspeito admite o crime, também é preciso agir com prudência, pois como nos adverte Carnelutti, “mal seria se o juiz se contentasse em raciocinar assim: o imputado confessou ter matado. Portanto, matou. Há também casos no quais um homem confessa um delito que não cometeu”. Prossegue o jurista: “Temos visto [ainda] pais que se acusavam para salvar o filho, e também filhos que se submetiam ao mesmo sacrifício para salvar seu pai” (p.55).
Especialização em jornalismo policial
É relevante acrescentar também os casos de irmão gêmeos e de suspeitos que afirmam ter cometido crimes que não praticaram após ameaças e tortura de policiais. Desse modo, a especialização do profissional torna-se então imprescindível. Na avaliação do jornalista Renato Lombardi (apud PAIXÃO, p.36), se não houver uma especialização a tendência é a morte do jornalismo policial. Esse pensamento é compartilhado pelo também jornalista Afanasio Jazadji.
Falando sobre os apresentadores de programas policiais na TV, afirma que dificilmente eles “sabem a diferença entre rapto e sequestro, furto e roubo, e assim por diante. São, portanto, meros curiosos tratando de assuntos sérios e que se perdem e informam mal seus espectadores com terríveis palpites” (apud PAIXÃO, p.109).
A segunda norma é a vedação de fotos e imagens em que suspeitos aparecem com armas ou drogas que supostamente foram apreendidas com eles. Assim como também as imagens dentro de viaturas ou segurando placas de pelotões da Polícia Militar. Essa exposição não agrega em nada ao fato noticiado, mas, sem dúvida, fere ao princípio da dignidade humana. Não se pode jamais perder a noção de que a notícia é um relato de um fato que deve contribuir para o debate e atender ao interesse público, e essas imagens, sem sombra dúvida, em nada acrescentam uma frutifica discussão.
Diante disso, não se pode esquivar-se de uma questão mais aprofundada que é: a mídia deve ser autorizada a publicar nomes e fotos de suspeitos? Argumentos sólidos prós e contra não faltam. Quem é favor da propagação das imagens e do nome ressalta que é importante para localizar suspeitos e produzir provas.
Demais disso, afirma que há uma perda do valor notícia, uma vez que o leitor, ouvinte e telespectador não darão a mesma relevância ao fato sem fotos e nomes. Esta última ponderação, contudo, não encontra tanto fundamento. Não custa recordar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) [prevê o art. 247 do Estatuto da Criança e do Adolescente: divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. § 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente. 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. (Expressão declara inconstitucional pela ADIN 869-2).] veda a publicação das imagens e nomes dos menores infratores. Apesar disso, note-se que a mídia não deixa de divulgar e nem se perde a relevância do fato.
Os que discordam da publicação de imagens e nomes entendem que a exposição na mídia fere os direitos humanos. É oportuno, neste sentido, pontuar que, a rigor, quanto mais notoriedade tem um caso, mais juízes têm.
Os seguidores dessa linha de pensamento acreditam ainda que há uma violação do princípio da inocência, macula-se a honra dos suspeitos sem ter provas de que é culpado e amplia-se a dificuldade de ressocialização com a propagação das imagens e dos nomes.
No que concerne à mácula da honra, o professor doutor e ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, entende que se o fato criminoso for verdadeiro e a informação tiver sido obtida legalmente afastam-se as alegações de ofensa à honra. Para ele, o crime é fato noticiável e não se restringe a esfera íntima, uma vez que repercutem sobre terceiro.
O professor doutor destaca ainda que uma reportagem na qual se divulga a punição do autor do crime – ou seja, a aplicação de uma lei penal – serve para inibir novos fatos criminosos. Para o ministro Barroso (2004, p.27-28), se a mídia abusar da “liberdade de expressão e de informação [o ministro Luís Roberto Barroso (2004, p.35) distingue a liberdade de informação da de expressão. O primeiro, segundo ele, “diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado”. A liberdade de expressão, por sua vez, “tutela o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor e manifestações do pensamento em geral”] [o excesso] pode ser reparado por mecanismo diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, e a responsabilização, civil ou penal e a interdição da divulgação”.
Sabiamente, Barroso ressalta que a livre circulação de um fato
“é da essência do sistema democrático e do modelo de sociedade aberta e pluralista que se pretende preservar e ampliar. Caberá ao interessado na não divulgação demonstrar que, em determinada hipótese, existe um interesse privado excepcional que sobrepuja o interesse público residente na própria liberdade de expressão e de informação” (BARROSO, 2004, p.27).
No entendimento do professor Luís Roberto Barroso (p.34), pedir uma autorização para exibir imagem ou fazer referência inviabilizaria “de forma drástica a liberdade de informação ou de expressão”. Se for negado, então, para o professor, tornaria impossível de exercer o ofício de jornalista. Para ele, os abusos serão posteriormente avaliados e julgados.
Essa é uma discussão, entretanto que ainda precisa ser aprofundada, e não é este objetivo do presente estudo. Retornando as normas do garantismo midiático, a terceira concerne às declarações de suspeitos, que só devem ser expostos aos microfones e gravadores com o consentimento deles.
Dito de outra forma, o suspeito deve ser consultado antes se quer ou não se pronunciar a respeito do crime ao qual é imputado. Frise-se, no entanto, que se deve dar a defesa o mesmo espaço dado para acusação, pois, o suspeito pode não querer falar, mas o seu advogado ou defensor público devem ter a garantia da apresentação dos seus argumentos.
A quarta norma diz respeito aos crimes sexuais. Para tutelar a imagem das vítimas, entende-se que o nome do suspeito não deve ser publicado. Deve se divulgar tão-somente as inicias do nome. É bem verdade, que, nos casos em que o suspeito é pessoa pública, torna-se inevitável a exposição. Mas é preciso tomar todas as cautelas para evitar expor as vítimas.
A quinta e última norma é o comprometimento de apresentar os desfechos dos casos noticiados. Em meio a um turbilhão de informações cotidianas, é praxe a mídia noticiar um fato criminoso, detalhar o crime, apontar os possíveis culpados e após a prisão desses suspeitos, a cobertura se encerrar, fixando-se a ideia de que o encarceramento é o antídoto para o mal da violência.
Ocorre que, por vezes, o suspeito apontando em reportagem é inocentado pela Justiça, e os meios de comunicação deixam de noticiar, trazendo consequências sociais (alguns autores falam em morte social) para o individuo. Nestes casos, a repercussão da inocência precisa acontecer tal qual foi a divulgação da acusação. Por outro lado, a divulgação também de uma condenação justa de um acusado é relevante para se pôr fim a falaciosa ideia de que há, em nosso país, uma cultura da impunidade.
Considerações finais
É incauto acreditar que esses cinco pilares (normas) do garantismo midiático por si só irão mudar a conduta do jornalismo policial brasileiro, mas pode significar um passo importante rumo a um jornalismo que preze pela garantia dos direitos fundamentais.
É ingênuo pensar também que todas as normas semeadas serão colhidas, ao mesmo tempo, pois é sábio que iremos precisar de um tempo de preparação para que as amadureçam. Não custa reforçar que o garantismo midiático não objetiva restringir a atuação da mídia, mas sugerir normas para um meio-termo entre a garantia dos direitos humanos e a liberdade de informação.
A maneira como se pratica o jornalismo policial em nosso país seja no impresso, na televisão, no rádio, é alvo constante de crítica no meio acadêmico e profissional. Mas ainda carecemos de propostas que visem aperfeiçoar este tipo de jornalismo. Foi esse objetivo que a princípio parece termos alcançado.
Um dos maiores desafios na contemporaneidade é equilibrar o prato da liberdade de informação com o prato do direito de privacidade. É uma missão hercúlea que não visamos equacionar, mas, as propostas apresentadas no presente trabalho podem ajudar neste sentido e também no caminho rumo a um jornalismo que noticie os fatos sem ferir os direitos humanos.
Se o desafio na contemporaneidade não é mais o de fundamentar os direitos humanos, mas sim, protegê-los, a mídia deve contribuir para a consolidação deles e torna-se uma ameaça. Não é certo que alguém morra socialmente por desrespeito aos direitos fundamentais.
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*Rodrigo Daniel dos Santos Silva é jornalista
** Artigo publicado em 02/12/2015, na edição 879 do Observatório da Imprensa