Uma decisão judicial proferida nesta quinta (13/01) garantiu uma importante vitória para a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) na ação movida contra o Grupo Yduqs Educacional, responsável pela antiga Faculdade Ruy Barbosa – atual Centro Universitário UniRuy. A liminar determina a imediata reintegração de posse do imóvel que abriga o Museu Casa de Ruy Barbosa, no Centro Histórico de Salvador. O prédio pertencente à ABI foi cedido gratuitamente para a Faculdade Ruy Barbosa, através de convênio firmado em 10 de setembro de 1998. Em 24 de maio de 2019, contudo, o contrato foi rescindido pela instituição conveniada e a ABI verificou que o local se encontrava ocupado por outra empresa. (Acesse a decisão neste link)
Cada episódio do que parecia ser uma série televisiva trazia uma reviravolta, deixando mais distantes os sonhos da ABI de ver o museu de portas abertas, como organismo vivo que deveria ser. Foram perícias impedidas e adiadas, reuniões com promessas que não avançavam, e tentativas da ABI para entrar no equipamento cultural e salvaguardar seu rico acervo. Enquanto isso, o imóvel histórico onde nasceu o jornalista, jurista e político baiano estampava em sua estrutura as marcas do abandono e do descaso – intensificado após o furto ocorrido em setembro de 2018. As paredes brancas se vestiram com um amarelo descascado, o tom verde das portas e janelas escancara a falta de limpeza, no telhado faltam peças, pragas já deterioravam o acervo bibliográfico e mobiliário.
Até a decisão de ontem, os únicos êxitos da Associação tinham sido a catalogação e o traslado do acervo para o seu edifício-sede, na Praça da Sé, e a restauração do telhado. Ernesto Marques, presidente da ABI, ressalva que a obra foi executada sem a autorização da entidade, diante da recusa ao pedido de apresentação dos projetos técnicos. “Só teremos ideia da situação do imóvel quando pudermos entrar, mas só uma perícia poderá dimensionar os danos efetivos”, pondera o dirigente. Quanto ao acervo, Marques informa que os móveis da residência de verão de Ruy Barbosa ainda estão em poder do UniRuy, armazenados no galpão de uma transportadora. Livros, documentos, objetos pessoais e obras de arte compõem a parte do acervo já transferido para a sede da ABI e vão demandar muito tempo e recursos para o trabalho de higienização e restauro.
ABI quer solução negociada
A liminar considerou caracterizado o esbulho (apropriação indevida) a partir do momento em que a instituição de ensino se negou a restituir a posse do imóvel. De acordo com o documento, uma vez rescindido o convênio mantido com a antiga Faculdade Ruy Barbosa, deixou de existir suporte jurídico que justificasse o uso por parte da holding de educação superior que assumiu o UniRuy.
No entendimento da juíza Itana Rezende, as razões invocadas pelo Grupo Yduqs para manter a sua posse “não são capazes de obstar a retomada do imóvel, pois o fato de integrar o mesmo grupo econômico da Faculdade Ruy Barbosa não lhe confere legitimidade para ocupar a posição jurídica contratual da conveniada”. Tratam-se de pessoas jurídicas autônomas, com contrato social, CNPJ e estabelecimentos distintos.
“A ABI vai retomar a posse da Casa, que é nossa, depois de um longo processo. Tentamos até a exaustão uma saída negociada com o Uniruy, mas a demora já estava comprometendo todos os nossos planos de reabertura do Museu, sem que a instituição dissesse o que pretendia. Por isso, entramos com a ação”, explica Ernesto Marques. A entidade espera agora a realização de perícia no local. “Vai nos ajudar numa outra ação, que é a reparação por danos materiais, tanto por causa do imóvel quanto do acervo, e também por danos morais, considerando os prejuízos causados à imagem do museu”, afirma o dirigente.
A decisão possui força executiva imediata. “Decorrido o prazo de 15 dias sem a desocupação voluntária do imóvel, expeça-se mandado de reintegração de posse, independentemente de novo despacho, para ser cumprido de forma coercitiva, com auxílio de força policial e arrombamento, se necessário for”, diz o texto. No entanto, segundo Marques, a Associação pretende que a solução ocorra de maneira negociada com o Grupo Yduqs.
O próximo passo é o julgamento da ação de indenização por danos materiais, na qual as partes devem apresentar suas provas dentro de cinco dias.
Reestruturação
Nas décadas de 1970 e 1980, o Museu manteve a série Publicações da Casa de Ruy e estabeleceu convênio com a Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, disso resultando intercâmbio administrativo e cultural. Na década de 1990, o museu baiano foi roubado e, na ocasião, a nascente Faculdade Ruy Barbosa, iniciativa do professor Antônio de Pádua Carneiro, propôs convênio com o propósito de manter o equipamento e estimular sua visitação.
No auge de suas atividades, a Casa de Ruy Barbosa costumava receber estudantes da instituição, principalmente do curso de Direito. Se depender da ABI, a antiga residência do “Águia de Haia” não vai mais figurar no Centro Histórico como um museu de portas fechadas (confira esta reportagem de Clarissa Pacheco, para o Jornal Correio*).
A instituição se prepara agora para reaver o prédio e retomar os planos de reestruturação do imóvel. Uma das ações está em curso desde julho passado: a articulação do centenário de falecimento de Ruy Barbosa, que ocorrerá no dia 1° de março de 2023. A ABI convocou instituições guardiãs da memória de Ruy Barbosa para montar a programação comemorativa do evento. A agenda “Ruy, 100 anos depois” prevê atividades junto à sociedade baiana e a tão aguardada reabertura do Museu Casa de Ruy Barbosa.