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Jornalistas empreendedores revelam desafios e possibilidades de negócios

Relações precarizadas, demissões em massa, más condições de trabalho nas redações e salários reduzidos são apontados como os principais motivos para esses profissionais montarem seu próprio negócio.

Cada vez mais jornalistas estão migrando dos grandes veículos de comunicação e encarando o desafio de empreender, seja pela necessidade de dar novos rumos à carreira ou para driblar a crise econômica que atingiu o Brasil nos últimos anos. Relações precarizadas, demissões em massa, más condições de trabalho nas redações e salários reduzidos são apontados como os principais motivos para esses profissionais montarem seu próprio negócio. Para isso, no entanto, é preciso buscar alternativas que diferenciem o projeto. Ter ousadia, gostar do que faz e conhecer o mercado. Esse combo é a aposta dos jornalistas empreendedores consultados pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), com o objetivo de entender as novas configurações do mercado profissional.

O coletivo “Eu Sou Jornalista” – projeto que reúne jornalistas e outros profissionais da comunicação para promover o fortalecimento e valorização da profissão – realizou a pesquisa “Raio-x do Jornalismo Baiano”, com mais de 150 profissionais, no ano de 2017. A jornalista Carla Bahia, uma das fundadoras do grupo, explica que o objetivo do levantamento foi criar um banco de dados sobre os profissionais que atuam no jornalismo local, através do mapeamento do mercado de Salvador e Região Metropolitana.

Mais de 1/4 dos entrevistados estão sem vínculo empregatício, atuando como freelancer ou estão desempregados, de acordo com a pesquisa. Os resultados apontam que o trabalhador freelancer é uma tendência no jornalismo baiano, com 22% dos 98 respondentes nessa modalidade de trabalho há mais de dois anos. 87,5% dos profissionais estão nas assessorias de imprensa (37,5%) e de comunicação(49,4%). Os jornalistas que atuam em veículo são 42,5% do total.

Segundo o estudo, um dos dados mais preocupantes foi o salário dos profissionais que atuam na Bahia. Entre 127 profissionais que responderam a essa questão, 60,6% têm salários que variam entre 2 mil e 5 mil reais. Os trabalhadores com salários entre 2 mil e 3,5 mil representam 37,8%, o que confirma a baixa remuneração. Quase 20% dos entrevistados recebem até 1,5 mil. “Salário justo” aparece como o maior desafio da profissão (86,8%), seguido do item “melhores condições de trabalho” (56,6%).

Novos rumos

Em busca de alternativas para superar os desafios e potencializar as oportunidades, jornalistas estão se reinventando e encontrando no empreendedorismo novos rumos para atuar no mercado. Mas, para empreender, é preciso buscar meios que possam diferenciar seu projeto. O jornalista e publicitário Gabriel Carvalho é um exemplo disso. Formado há 16 anos, ele já trabalhou na Rádio Educadora, TV Aratu, Secretaria de Comunicação do Governo do Estado da Bahia, Bahiatursa, Jornal A Tarde, Folha de São Paulo e Uol.

Durante o período que trabalhou na Bahiatursa, Gabriel esteve à frente de um site voltado para os festejos juninos do Estado. Com a posse de um novo gestor, a página foi tirada do ar por falta de interesse do secretário em levar o projeto adiante. A partir daí, Carvalho criou o site São João na Bahia. O website é particular, sem vínculos com órgãos governamentais, e faz uma ampla cobertura das principais festas juninas da Bahia. Além de reportagens exclusivas, o site disponibiliza as histórias de santos da época (Santo Antônio, São João e São Pedro) e dicas de culinária típica.

Segundo Gabriel, que também integra o Coletivo Eu Sou Jornalista, o projeto nunca foi visto como hobby e sim como fonte de renda. “A ideia de criar um produto voltado para festa junina é enxergar no mercado a oportunidade de fazer o que ninguém fazia. Quando se fala em empreender em um site, todo mundo pensa em site de notícias, e pra você se diferenciar é mais difícil porque os grandes veículos já fazem isso, e no meu caso, eu trabalho sem concorrente”, disse.

O sucesso do “São João na Bahia” foi tão grande que outros dois projetos já foram criados: o site Nação Forrozeira e o programa web exibido toda quarta-feira, às 9h30, ao vivo pela página da TV Aratu no Facebook. “Nossa ideia é dar destaque aos festejos com o recurso da imagem e proporcionar isso artistas de forró que ainda não tinham mídia”, afirma Gabriel, reforçando que a meta nos próximos meses é consolidar ainda mais os produtos desenvolvidos por ele.

Com 34 anos de idade e 17 no jornalismo, Ramon Margiolle também decidiu deixar de ser empregado para trilhar novos caminhos. Começou sua carreira com audiovisual, fazendo vídeos para festivais. Passou pela TV Aratu, TV Band, Record TV, e Tudo FM, mas em paralelo nunca deixou de produzir vídeos. Ao sair da emissora de rádio, Margiolle deu uma atenção maior a sua produtora. Por incentivo de um amigo surgiu o portal de notícias Informe Baiano.  

Segundo Ramon, que em dezembro de 2017 recebeu da Câmara de Vereadores de Salvador o Prêmio Jânio Lopo (categoria internet) pela cobertura do Legislativo Municipal durante o ano, a ideia inicial era trabalhar com viés policial e político, com a publicação de apenas três notícias por dia, mas o projeto foi se ampliando e tomou outra proporção. Ele afirma que o trabalho não é fácil porque é preciso ter um investimento grande e, em contrapartida, o apoio acaba sendo muito restrito, já que as grandes empresas privadas e governamentais não valorizam o jornalismo independente.

“Quando criamos o site, nosso objetivo não era concorrer com outros sites de notícias como Bahia Notícias e Bocão News, até porque são empresas com mais de dez funcionários e nós somos apenas quatro pessoas. O nosso objetivo era fazer o jornalismo alternativo mesmo. Mostrar algumas coisas que não são mostradas por esses outros veículos, e fazer esse tipo de jornalismo é difícil porque ele não sobrevive comercialmente”, explica Margiolle, destacando que o Informe Baiano é acessado cerca de 150 mil vezes por dia.

Ramon diz que existem diversos campos de atuação dentro do jornalismo, mas a maioria dos estudantes só se encantam pelo telejornalismo. “Na faculdade você tem vários campos que são pouco explorados, como a área da edição e filmagem. Grande parte dos estudantes quer ser repórter, aparecer na televisão, ser artista. E com isso, deixam de trilhar caminhos brilhantes dentro da sua profissão”, destaca.

Jornalista empreendedora

Segundo um estudo do Sebrae – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, tendo como base a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) para 2014/2016, a taxa de empreendedores iniciais do Brasil é diferente dos demais países, já que a atividade masculina é praticamente igual à feminina. No entanto, o levantamento aponta que as mulheres ousam e, depois de algum tempo, muitas desistem do empreendimento.

Contrariando essa tendência está Suely Temporal. Membro da diretoria da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), a jornalista adquiriu ao longo dos 32 anos de carreira muita experiência e alguns prêmios. Chefiou o departamento de jornalismo da TV Band/Bahia, Jornal da Bahia e Correio da Bahia. Foi assessora da Câmara Municipal, Assembleia Legislativa da Bahia, Sindiquímica, Prefeitura de Camaçari entre outros.

Suely Temporal e Cinthya Medeiros, sócias na ATcom – Foto: Arquivo pessoal

Há 21 anos fundou com sua sócia, a também jornalista Cinthya Medeiros, a Agência de Textos, atual ATcom – Comunicação Corporativa. Segundo Suely, o desejo de sair dos veículos e montar o próprio negócio veio com o passar dos anos. “Eu não nasci empreendedora, me tornei por circunstância de mercado e por uma necessidade minha pessoal de crescer. Às vezes, você tem a circunstância de mercado, mas você não tem o perfil. Às vezes, você tem a circunstância e o perfil, mas não tem a necessidade. Eu tinhas as três situações que podem levar uma pessoa a empreender: a circunstância do mercado; a necessidade; e o perfil de empreender”. Ainda de acordo com Temporal, para ter sucesso no empreendimento, “é preciso ter conhecimento, gostar do que faz e conhecer seu mercado”.

Para a jornalista, a mulher empreendedora e profissional sofre mais para se sobressair no mercado. Ela ressalta a importância de tomar iniciativa em momentos de crise. “Começamos nossa empresa para complementar nossa renda, mas acabou que a coisa foi crescendo e o mercado acabou nos levando para que essa atividade não fosse a complementar e sim a principal. A crise estimula as pessoas a empreender, mas ninguém permanece se não tiver fundamento”.

Mudança de perfil

Jornalista há 28 anos, Marjorie Moura está há dez à frente do Sinjorba (Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia) e acredita que empreender faz parte do DNA do jornalismo. “Embora a formação venha levando muitos a buscar um emprego, o jornalista é um profissional liberal”, afirma. E a crise só “está empurrando o jornalista para ver sua verdadeira face como empreendedor e como profissional liberal”. Para a presidente do Sinjorba, a categoria profissional não soube acompanhar as transformações ocorridas no mercado de trabalho no país.

Marjorie Moura, presidente do Sinjorba – Foto: Fernando Franco/ABI

A acomodação de muitos profissionais, segundo a dirigente, fez com que passassem despercebidas as mudanças que só se intensificaram ao longo dos anos. “Eu acho que o que houve, na verdade, foi uma acomodação do jornalista, com todas as benesses que tem um emprego. Só que, com o passar do tempo, as condições de trabalho foram se precarizando nas redações, os salários diminuindo e o jornalista se viu na necessidade de buscar outras fontes de renda”, opina.

O jornalista Jorge Ramos atuou como presidente do Sinjorba logo após a reabertura democrática, em 1989. Ele lembra que, já na década de 1990, as redações começaram a encolher. Para o ex-sindicalista, “o desemprego e a falta de perspectivas profissionais levaram muitos jornalistas a montar empresas de assessoria de imprensa, relações públicas e de treinamento para gestores sobre como lidar com a imprensa”.

Formado na então Escola de Biblioteconomia e Comunicação da UFBA, na década de 1980, ele vê a necessidade de atualização no campo profissional. “O jornalismo precisa ser repensado porque, globalmente, a atividade profissional sofreu muitas modificações, e nas empresas, os empregos diminuíram consideravelmente a admissão”, ressaltou Jorge Ramos.

Em busca de capacitar profissionais de comunicação que desejam empreender, o Sebrae criou o “SebraeCom: Painel de Comunicação e Empreendedorismo”, que aborda temáticas específicas para o segmento. A iniciativa reúne especialistas para debater tendências, experiências e facilitar a criação de redes de relacionamentos entre os comunicadores. O projeto foi idealizado em 2015 pela Unidade de Marketing e Comunicação do Sebrae/BA e tem um formato itinerante. Já foram realizadas seis edições, a última na cidade de Vitória da Conquista (BA), em setembro deste ano.

Sem sair de seus locais de trabalho ou de suas cidades, os jornalistas podem obter informações básicas a respeito do cenário das micro e pequenas empresas (MPE) e empreendedorismo, como as obrigações, benefícios e direitos de um MEI (Microempreendedor Individual), emissão de notas fiscais e outros. Durante o painel, os profissionais também participam de minicursos sobre economia, mercados e redes sociais para comunicadores, atualidades em comunicação e marketing de conteúdo para conquistar clientes, tudo voltado para orientar quem ainda está nos passos iniciais ou quem deseja incrementar o negócio.

*Colaboração de Samuel Barbosa e Fernando Franco.

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