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Imprensa cubana tem abertura, mas muito controlada

Por Juan Jesús Aznarez*

Inspirada no formato soviético da guerra de blocos entre EUA e URSS, a política informativa de Cuba, parceiro de Moscou na geopolítica internacional, consistiu em estigmatizar a “democracia capitalista”, glorificar as realidades nacionais, e não publicar nada suscetível de ser utilizado como munição por Washington. Segundo relato do jornalista Juan Jesús Aznarez, durante uma reunião, uma militante do Partido Comunista de Cuba (PCC) confessava amargamente: “Nunca perdoarei a revolução por não me ter informado quando o homem chegou à Lua”. O veículo oficial do partido, o diárioGranma, ignorou a ação norte-americana de 20 de julho de 1969.

Foto: Reuters/Stringer (Cuba)

Durante decênios os cubanos viveram isolados de informação, submetidos a uma propaganda oficial. Mas desde o início das liberalizações socioeconômicas empreendidas por Raúl Castro, a política oficial é fomentar a abertura informativa, a crítica e a denúncia, embora dentro dos caminhos revolucionários. A primeira consequência apareceu quando o principal noticiário da TV estatal estreou seção que se autodenomina “crítica”, a “Cuba Diz”. No final de 2013, os dois principais jornais da ilha, o “Granma” e o “Juventud Rebelde”, mudaram de direção.

“Há que informar sobre as insuficiências, a corrução e os problemas que temos e os erros que são cometidos no país. Estamos sendo suficientemente duros nisso, mas também devemos ser suficientemente responsáveis para abordar os problemas”, sublinha Antonio Moltó, presidente da União de Jornlistas de Cuba (UPEC). “Porque também não se trata agora de começar a desqualificar tudo o que a revolução faz, porque os jornalistas são revolucionários”. Ele é acompanhado na entrevista por Lázaro Barredo, ex-diretor do Granma. Em outubro do passado ano, o Escritório Político do PCC colocou no comando do jornal do partido e do Juventud Rebelde dois diretores jovens. O terceiro jornal de circulação nacional é Trabajadores.

O diagnóstico dos problemas nos ideologizados e desinteressantes meios de comunicação cubanos é claro, mas não as soluções para que deixem de ser assim. “Leio os jornais e me parece que ontem diziam a mesma coisa”, se queixa a jornalista Dalia Reyes. Acostumados à autocensura para evitar problemas, é difícil aos redatores apurar denúncias de corrução e os desgovernos porque duvidam sobre os limites, e  temem as fontes. “Agora, colegas e dirigentes do partido acostumados ao estalinismo informativo nos pedem que não sejamos tímidos”, comenta um jornalista cético.

O Governo se anima com uma mudança de mentalidade muito difícil de conseguir na imprensa, escassa de meios materiais e dizimada pelo êxodo de jornalistas mau pagos para trabalhos por conta própria ou mais bem remunerados. A diretora da Agência de Informação Nacional (AIN), Edda Diz, reconhece que um jornalista cubano poucas vezes dispõe de um celular e “se é pessoal, raras vezes liga para locais distantes porque são recarregados em dinheiro e o salário não é suficiente para esse luxo”.

E ainda existem os segredos derivados da censura. Recentemente, o vice-presidente do Governo, Miguel Díaz Canet, admitiu que com a Internet e as redes sociais, as proibições não fazem sentido. “As notícias boas e más, as manipuladas e as verdades circulam pelas redes e chegam às pessoas. O pior é o silêncio”, disse o servidor público durante um seminário. No último congresso da UPEC, o decano da Faculdade de Comunicação, Raúl Garcés, de 39 anos, resumiu com uma grande precisão o foco informativo na ilha caribenha durante meio século: “Pelas razões que forem fomos formando um modelo de construção da realidade que contrapõe o suposto ‘inferno estrangeiro’ ao suposto ‘paraíso doméstico”.

Barreiras à Internet

Mulher utiliza celular nas ruas de Havana/ Foto: E. De La Osa (Reuters)

Cuba tem um dos menores níveis de acesso à internet na América Latina. O número de usuários da rede foi de 2,6 milhões em 2011, em uma população de 11,1 milhões, segundo estatísticas oficiais. O Governo cubano prometeu generalizar o acesso domiciliar à internet, até agora só disponível em salas habilitadas para esse fim nas principais cidades, mas não permitirá o acesso a páginas “contrarrevolucionárias” financiadas pelos Estados Unidos enquanto não forem normalizadas as relações bilaterais. As restrições sobre o acesso às novas tecnologias da informação continuarão vigentes na ilha, porque o regime não está disposto a permitir fissuras na hegemonia do Partido Comunista de Cuba (PCC), segundo a oposição ao castrismo. Enquanto isso, o Governo cubano se indispôs com Washington por promover o lançamento de um serviço de mensagens por celular com o objetivo de desestabilizar Cuba.

Dezenas de jovens interessados em comprar celulares, contratar serviços de e-mail e navegar pela internet se aglomeravam por volta do meio-dia em frente à sede da ETECSA, no bairro havanês do Vedado, enquanto no interior do prédio porta-vozes da empresa estatal de comunicações negavam a este jornal que o Governo esteja censurando o acesso dos cidadãos à rede global. Dos 11 milhões de cubanos, 2 milhões possuem celular, um índice que cresce, mas ainda está bem abaixo da média latino-americana. Apesar das restrições impostas pela síndrome de país sitiado e pelo subdesenvolvimento da conectividade, 330.000 pessoas abriram contas para navegar na rede.

Os cubanos podem checar e-mail em LAN houses ou pelo celular, por intermédio do novo domínio @nauta.cu, sob controle estatal. Um contingente indeterminado acessa a internet pirateando o sinal ou contas alheias, ou com a ajuda de amigos estrangeiros. “Não há censura, exceto pela incapacidade técnica de fazer mais do que fazemos com os orçamentos que temos”, afirmam Tania Velázquez e Luis Manuel Díaz, diretores da ETECSA, em uma das 118 salas abertas em todo o país, com 520 computadores e velocidade 2G. Ministérios e órgãos públicos navegam numa intranet própria.

Outras fontes negam que as causas do subdesenvolvimento sejam as dificuldades técnicas, porque o cabo de fibra óptica que liga Cuba à Venezuela já está operacional. O problema estaria na vontade governamental de atrasar intencionalmente a propagação da internet, por considerá-la uma ferramenta potencialmente subversiva. A versão governamental é outra: Cuba vigia porque os Estados Unidos promovem operações de comunicação que não podem ser controladas pela tecnologia nacional.

*Juan Jesús Aznarez para o El País (Edição Brasil), com informações da Folha de S. Paulo e Correio Braziliense

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