Demissões em massa nos jornais, redações cada vez mais enxugadas, redução de gastos, freelas escassos. O cenário do mercado de trabalho para os jornalistas passa por transformações que afetam a carreira dos profissionais. Mas como essa crise afeta o ensino de Comunicação? IMPRENSA perguntou aos apoiadores e vencedores da 2ª edição do Projeto Professor IMPRENSA, que reconhece os professores mais inspiradores do Brasil. Confira:
Professores:
Vencedor da região Centro-oeste – Rafiza Varão – UCB (DF): Afeta de várias formas: há desde a diminuição da procura pelo curso até a queda na qualidade do próprio jornalista a ser formado. Como se acredita que não é necessária mais uma formação para se atuar nos meios de comunicação, o curso universitário se torna desnecessário. Em contrapartida, quem está dentro da universidade trabalha de outra forma com esse cenário, sem se aprofundar demais na formação, pois não chega até o curso mais portando uma bagagem intelectual bem estabelecida, mas já construída a partir da perspectiva de um uso superficial das potencialidades jornalísticas.
Vencedor da região Nordeste – Marcelo da Silva – UFMA (MA): A crise jornalística não é, a meu ver, a crise da atividade, mas a da sociedade de consumo que se corporifica em imperativos que produzem uma cultura ‘fast news’ que dá espaço à superficialidade e à politização/partidária da leitura de mundo e dos acontecimentos que o povoam; O ensino de jornalismo se prejudica em virtude da falsa ideia de que qualquer pessoa pode (re) produzir os fatos da realidade por possuir as tecnologias que estão disponíveis nos aparelhos celulares, fazer gravações e compartilhar em diferentes aplicativos e redes digitais. O cidadão comum é um elemento crucial na apuração, no registro de provas, mas ele nunca será jornalista, dadas as questões deontológicas que permeiam a profissão. Há um modo de ver que caracteriza uma idiossincrasia que é própria do ser/jornalista e de nenhum outro sujeito.
Vencedora da região Norte – Rita Soares – Estácio FAP (PA): Acho que não é possível falar em uma crise do jornalismo, mas em crises. A primeira delas é causada pelas transformações da sociedade neste início de século, onde se destacam o uso de novas ferramentas de comunicação. O jornalismo sempre será importante, ainda mais neste momento em que todos produzem conteúdo e postam nas redes. É preciso reforçar nosso papel, sendo éticos, cuidadosos e mantendo alguns cânones da apuração como o de sempre ouvir os dois lados. Há uma diferença grande entre uma matéria jornalística bem apurada e uma história contada por um personagem no Facebook. A outra crise é a de credibilidade da mídia e essa é mais grave porque vai exigir uma reinvenção total da nossa profissão, assim como terá que ocorrer com o sistema político que também passa por uma crise de credibilidade fortíssima.
Vencedor da região Sudeste – Guilherme Fernandes – UFJF (MG): O jornalismo já passou por diversas crises. Na década de 1980, por exemplo, onde tivemos um boom de faculdades de jornalismo, já se falava em crise. Sem dúvidas vivemos uma crise muito séria, com diversas redações, especialmente de impresso, sendo minguadas ou fechados. O cenário é desestimulante. Porém, em sala de aula, essa não parece ser uma problema para os alunos. Com a crise e as constante mudanças tecnológicos, percebe que é necessário uma formação mais generalista. Se antes a especialização em editorias ou determinado meio era um importante diferencial, hoje o profissional precisa necessariamente ser multiplataforma. Cada vez mais vemos profissionais fazendo um pouco de tudo. Não digo que isso é necessariamente ruim, mas existe essa mudança no perfil do profissional e temos que acompanhá-las. Aliado a isso não podemos esquecer de uma formação humanística e crítica.
Patrocinadores:
Fernando Almeida, diretor financeiro da Intercom e coordenador dos cursos de Publicidade e Propaganda e Comunicação Mercadológica na Universidade Metodista de São Paulo: Os alunos estão desinteressados. A partir do momento em que o diploma deixou de ser exigido, temos uma grande evasão nas universidades públicas e particulares, e cursos no interior de São Paulo, por exemplo, estão sendo fechados. O perfil do profissional da área é de uma pessoa que conheça todo o segmento da Comunicação, e se especialize em alguma coisa. O desafio para as instituições, professores e gestores é trabalhar o futuro. A Educomunicação é outra tendência. Prepara o professor para fazer uma leitura crítica da mídia. Fazer da mídia um instrumento para ensinar e incentivar a produção colaborativa de conteúdos pelos alunos, utilizando a mídia como referência. A pedagogia sempre foi resistente a questões de Comunicação, então a prática da Educomunicação é um avanço.
Nilson Vargas, editor-chefe de Zero Hora (RBS): Uma parte do ensino e do debate em sala de aula sobre jornalismo me parece imutável, e trata das premissas perenes ligadas ao rigor da apuração, ao compromisso com a precisão, com a pluralidade, com a ética, com a busca da verdade e a oferta de conteúdos que contribuam para o senso crítico e o nível de informação do leitor e da sociedade. Mas a revolução na distribuição, nas plataformas, na interação instantânea com os públicos e outras tantas novidades e desafios precisam se refletir nas discussões, no aprendizado, na oferta de ferramentas e tecnologias pelas instituições, no tipo de aula que se ministra, no desafio de uma formação mais eclética e sintonizada com os novos ambientes de redação, e com ramos igualmente novos da atividade, como a geração de conteúdo para as redes sociais.
Sergio Pompeu, editor do site da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação): A crise global do jornalismo afeta (ou deveria afetar) significativamente o ensino de comunicação nas universidades brasileiras. Não é de hoje que a antiga aspiração da maioria dos estudantes, trabalhar nas redações de grandes veículos, literalmente evaporou. Feita a ressalva de que acompanho a questão a distância, não me parece que os cursos fizeram os necessários ajustes a essa nova situação. Quando falo de ajustes, porém, me refiro à necessidade de formar pessoas capazes de transitar por uma carreira muito mais diversificada do que há cinco, dez anos. Estamos preparando profissionais para trabalhar de forma autônoma, que produzam e editem registros em texto, fotos e vídeo, funcionando praticamente como uma unidade de produção multimídia? Porque é disso que precisamos: preparar jornalistas com competência técnica e teórica e a capacidade de se adaptarem rapidamente a diferentes cenários de mercado.
*Alana Rodrigues e Gabriela Ferigato para o Portal IMPRENSA