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Debate aponta caminhos para a cobertura do suicídio pela imprensa

Quando e como publicar uma notícia sobre suicídio? Perguntas como essas fazem parte do cotidiano da atividade jornalística, diante de situações que obrigam os profissionais a acionar e exercitar a empatia, para além de obedecer recomendações do Código de Ética dos Jornalistas. Debater as dificuldades e a complexidade do trabalho da imprensa nesses casos foi o objetivo do Sinjorba – Sindicato dos Jornalistas da Bahia, ao promover o evento “A cobertura do Suicídio pela Imprensa”, na manhã desta sexta-feira (25). Com o apoio da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom-UFBA), o encontro ocorreu no auditório da instituição e reuniu jornalistas, estudantes e profissionais das áreas de saúde e segurança.

O mediador Washington Souza filho, professor da Facom, analisou a contribuição das instituições de ensino na formação dos jornalistas. De acordo com ele, o suicídio foi e continua sendo um tabu para a maioria das pessoas, mas o jornalismo, enquanto agente construtor do imaginário coletivo, precisa lidar com o tema. “Estamos no papel de mediadores sociais, de profissionais que atuam na reconstrução de uma realidade. É importante compreendermos a função que podemos desempenhar como jornalistas e como cidadãos”, ressaltou.

Entre os jornalistas, impera um acordo extraoficial que estabelece a não publicização de suicídios pela grande imprensa. Curiosamente, suicídios são cada vez mais publicados e de maneira não respeitosa, com superficialidade, enquanto as empresas de comunicação afirmam não noticiar. O fato é que os índices de suicídio no mundo também não param de crescer. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que ocorram cerca de 800 mil suicídios anualmente, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos. No Brasil, a taxa de mortes por suicídio cresceu 7% em 2016 (último ano da pesquisa feita pela OMS), com 6,1 casos a cada 100 mil habitantes (eram 5,7 por 100 mil em 2010).

A palestrante Malu Fontes, jornalista e professora da Facom, refletiu sobre a cobertura e sugeriu mudanças no trabalho não apenas dos profissionais da imprensa, mas também de quem produz os dados que vão para as matérias. “Não encontramos informações sobre suicídio nem no DATASUS [Departamento de Informática do SUS]”, observa. Para ela, as instâncias competentes precisam produzir e divulgar dados para que os jornalistas cubram melhor a temática. “Do CVV [Centro de Valorização da Vida] à polícia, é preciso que disponibilizem protocolos e informações que ajudem os jornalistas”, avaliou a docente.

Por outro lado, Fontes não tirou a responsabilidade dos jornalistas. Ela propôs discussões sobre as notícias que promovem a exposição da pessoa que tira a própria vida. Como exemplo, usou a capa de um jornal publicado no ano passado. A foto estampada naquela edição retratava um jovem sendo impedido de se atirar de um viaduto, em Salvador. O texto, por sua vez, trazia todas as informações do sobrevivente, como nome completo, unidade acadêmica, bairro de residência etc. De acordo com a professora, é provável que a equipe não tenha analisado suficientemente o caso antes de noticiar.

“O suicídio gera um luto diferente de qualquer outro. Contar a história dessas pessoas é mexer numa dor muito grande. Precisamos falar do suicídio como fenômeno, suas causas, as doenças relacionadas, formas de prevenção e apoio às famílias. Não há necessidade de centrar a cobertura na pessoa, principalmente se não é alguém com vida pública”, defendeu. “Se for para fazer reportagens sensacionalistas, que revirem a intimidade de pessoas comuns, é melhor que o tema siga sendo tabu”, disse.

Quando a vida não é mais uma possibilidade

Segundo a OMS, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre os jovens de 15 e 29 anos, perdendo apenas para acidentes de carros. A psiquiatra Lívia Castelo Branco, da clínica Holiste Psiquiatria, falou sobre as principais motivações de quem comete ou tenta suicídio. De acordo com ela, muitas vezes, essa pessoa vivencia dualidade, se sente desamparada, angustiada e não encontra pertencimento no mundo. “O suicídio está diretamente ligado a transtornos mentais. Mesmo assim, a saúde mental é negligenciada. A maioria dos suicídios é evitável”, constatou. “Quando a gente fala dos cuidados que a imprensa precisa ter com o assunto, é sobre não descrever, por exemplo, fatos e cenas chocantes. Cobrir com foco na solução do problema e na evitabilidade do suicídio”, afirmou.

A médica fez uma reflexão sobre “13 Reasons Why”, a polêmica série da Netflix que fez sucesso entre o público adolescente. A produção abordou temas que afetam muitos jovens, como depressão, bullying, isolamento, abuso sexual e suicídio. Mas a forma como tratou os assuntos a tornou alvo de controvérsias. Um das cenas mostra explícita e detalhadamente como a protagonista morreu. “Ao mesmo tempo em que impulsionou a procura por informações, houve a romantização do suicídio e um aumento significativo no número de casos”, ponderou Lívia Castelo Branco. Ela se prepara para a segunda edição da Jornada de Saúde Mental, um evento promovido pela Holiste com o intuito de dialogar sobre a importância do trabalho multidisciplinar no trato com os transtornos mentais. Sob o tema “O Mal-estar no nosso tempo”, o evento acontece nos dias 8 e 9 de novembro, em Salvador (inscrição aqui).

Privacidade e respeito pelo outro

O cirurgião geral Ivan Paiva, do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, relatou experiências do seu dia a dia como emergencista e ressaltou seu incômodo com o desrespeito na hora dos atendimentos. Segundo ele, houve um acidente na cidade de Madre de Deus (BA) no qual a vítima foi decapitada. Nem a cena chocante evitou que as pessoas fizessem imagens do corpo. “Hoje, qualquer pessoa posta uma foto, não se tem respeito. Quando tentamos impedir registros dessa natureza, somos acusados, inclusive, de cercear o trabalho da imprensa. Mas não é isso. Tentamos preservar a privacidade e a dignidade das pessoas”, explicou.

O capitão PM José Carlos Muniz, representante do Departamento de Comunicação Social da Polícia Militar da Bahia, disse que muitas vezes os familiares das vítimas sabem da ocorrência através da mídia ou de vídeos feitos por populares. “Não raro, é um policial quem tem o primeiro contato com a situação. Temos que esquecer nossas dores para tentar resolver o caso”, afirmou. Ele admitiu dificuldades na relação com a imprensa. “Como eu faço essa interlocução? Alguns repórteres ligam 11h30 para uma matéria que sairá às 11h45. Não há tempo sequer para revisar uma nota sobre um tema tão sério. Vamos informar, tendo o carinho, o zelo e a preocupação. A imprensa tem que fazer o seu trabalho, mas precisamos nos colocar no lugar do outro”, recomendou.

E foi se colocando do outro lado que Marjorie Moura, diretora de Relações Institucionais e Jurídicas do Sinjorba, sugeriu o debate de hoje. “Essa pauta nasceu por causa de um incômodo antigo, pois fui repórter de segurança durante mais de dez anos. Tive a ideia de fazer esse evento depois da morte de um policial. Infelizmente, na ocasião, um colega noticiou nome, batalhão, detalhes dispensáveis mesmo para uma ocorrência em via pública”, contou. Para ela, noticiar que alguém se matou não acrescenta. “Por que falar do indivíduo? A família tem que ser preservada. Norma básica do jornalismo é se preocupar com o outro”, afirmou.

De acordo com Gabriela de Paula, diretora de Saúde, Previdência e Assistência Social do Sinjorba, a entidade queria visibilizar o tema, iniciar a discussão, como tem feito nos eventos realizados desde que a nova gestão assumiu. “Essa diretoria entrou há dois meses e esse é o quarto debate que a gente realiza, sempre sobre assuntos importantes para a nossa atuação”, lembrou. “Vamos elaborar no formato de reportagem, uma espécie de relatório com o resultado do debate, mas eu pretendo provocar para fazermos tópicos de orientação. Sabemos que já existem bons documentos, principalmente o da OMS, a gente tendo críticas a ele ou não. É uma baliza bastante interessante sobre essa reflexão. Também não temos a pretensão de fazer uma normativa, temos o Código de Ética. Se ele fosse seguido, já seria um grande avanço”, completou a jornalista.

Instruções do que fazer quando cobrir suicídio

  1. Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos fatos.
  2. Referir-se aos casos de suicídio como “consumado”, não como “bem sucedido”.
  3. Apresentar somente dados relevantes, em páginas internas de veículos impressos.
  4. Destacar as alternativas ao suicídio.
  5. Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos de apoio e serviços onde se possa obter ajuda.
  6. Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida.

Instruções do que NÃO fazer ao cobrir suicídio

  1. Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas.
  2. Não informar detalhes específicos do método utilizado.
  3. Não fornecer explicações simplistas.
  4. Não glorificar ou fazer sensacionalismo sobre o caso.
  5. Não usar estereótipos religiosos ou culturais.
  6. Não atribuir culpas.

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O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.

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Jornalistas indicam 10 obras indispensáveis para profissionais da área

Seja na televisão, rádio, internet ou em veículos impressos, todo jornalista deve se manter informado diariamente. Saber de tudo que acontece no Brasil e no mundo é fundamental para contextualizar suas produções e escrever bem. Para isso, o hábito da leitura precisa acompanhar o estudante de jornalismo e o profissional para fora do ambiente acadêmico ou de trabalho.

A ABI resgatou uma lista feita pela Revista IMPRENSA, com o auxílio de 40 jornalistas. A publicação questionou-lhes quais os 10 livros que mais contribuíram para suas carreiras e seriam indispensáveis para o profissional da área. O resultado final, feito com base em 40 respostas, você confere abaixo.

Você sabia?
Segundo dados da última pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil, feita pelo Instituto Pró-Livro em 2016, entre 2011 e 2015, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro. O estudo realizado a cada quatro anos pela entidade, indicou que a quantidade anual média de livros lidos por habitante passou de 4 para 4,96. No entanto, desse total, 2.43 foram terminados e 2.53 lidos em partes. No mesmo período, outro levantamento divulgou números desanimadores e que deixam o Brasil fora de um cenário relevante sobre os maiores índices de leitura: o faturamento do setor editorial encolheu 18% em valores atualizados, segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). A pesquisa mostra que jovens leem mais e que se lê menos com o aumento da faixa etária.
1 – “A SANGUE FRIO”, DE TRUMAN CAPOTE (1966)

“Se há uma obra literária que define o jornalismo investigativo, esta é a ‘A Sangue Frio’. A jornada conduzida por Capote não é somente pela busca da reportagem perfeita ou mesmo pela verdade absoluta dos fatos. Ele nos ensina que qualquer história se torna mais interessante à medida em que nos aprofundamos no que há de mais verdadeiro nelas: o coração dos protagonistas. Uma verdade pessoal é relativa, mas pode ser mais contundente do que qualquer fato consumado. Capote enxergou (e sentiu) isso.”

Pablo Miyazawa – editor-chefe do IGN Brasil
2 – “CHATÔ, O REI DO BRASIL”, DE FERNANDO MORAIS (1994)

“O livro marca o encontro de duas figuras memoráveis: o repórter Fernando Morais e Assis Chateaubriand. Ele era o dono de um império que inaugurou a moderna comunicação no país, a qual ele dominou como uma versão real, ainda mais poderosa de Cidadão Kane. Chefe de uma centena de emissoras de rádio e TV, jornais e revistas, Chatô tinha o estilo de um jagunço, a ousadia de um conquistador, a criatividade de um revolucionário, e teve a sorte de encontrar Morais, responsável, talvez, pela mais impressionante biografia do jornalismo brasileiro.”

Luiz Cláudio Cunha – jornalista político e escritor
3 – “FAMA E ANONIMATO”, DE GAY TALESE (1970)

“‘Fama e Anonimato’ demonstra porque lugar de repórter é na rua. E ensina: é preciso saber olhar, despir-se de todos os preconceitos e surpreender ao escrever. O texto-símbolo, o perfil de Sinatra, está longe de ser a única joia. Toda a seção de perfis, nos quais Gay Talese olha com carinho para o boxeador decadente ou o autor dos obituários do The New York Times, é uma aula de jornalismo. A série de reportagens sobre Nova York, outra. E o conjunto sobre a construção da ponte Verrazzani-Narrows, um épico.”

Maurício Stycer – repórter e crítico do portal UOL
4 – “O ANJO PORNOGRÁFICO”, DE RUY CASTRO (1992)

“Em grande parte por culpa de o ‘Anjo’, acabei publicando dois livros sobre biografias, esse universo vasto e extraordinário para o qual convergem as ciências e as artes. Além do start intelectual, Ruy Castro me pôs em contato com um Nelson mais fascinante que aquele que eu tinha em mente. O florescimento do dramaturgo é antecedido por um levantamento espetacular das peripécias da família Rodrigues no início do século XX por jornais como A Manhã e A Crítica. Sob esse aspecto, continua valioso para o processo de formação de novos jornalistas.”

Sérgio Villas-Boas – jornalista, escritor e pensador cultural

5 – “NOTÍCIAS DO PLANALTO”, DE MÁRIO SÉRGIO CONTI (1999)

“Quando o livro saiu, em 1999, Collor estava mais no passado do que hoje, pois nem mandato tinha. Os escândalos do ex-presidente e sua turma jaziam esquecidos. O livro mobilizou as redações pelo que revelava sobre elas mesmas ao mostrar como os mios de comunicação construíam e destruíam Collor, do governo de Alagoas ao impeachment. Enquanto críticas acadêmicas costumam analisar apenas o que chega ao público, as 141 entrevistas de Conti ajudam a entender quem são os olhos, bolsos, corações e mentes por trás das notícias.”

Emiliano Urbim – repórter da revista O Globo

6 – “O REINO E O PODER”, DE GAY TALESE (1969)

“A história do The New York Times é uma saga que vale a pena ser conhecida. Talese contou com o apoio da família Suzberger, que lhe franqueou arquivos, e nem por isso a biografia é chapa-branca. Ao contrário, mostra como até mesmo críticas à direção eram assimiladas dentro do espírito democrático que rege o jornal. O leitor constata que o livro não de uma grande reportagem no estilo do new journalism, que introduziu na narrativa jornalística mais subjetividade, mais emoção na descrição da realidade, mondando-a até hoje.”

Merval Pereira – colunista de O Globo e comentarista político da GloboNews e da rádio CBN
7 – “MINHA RAZÃO DE VIVER”, DE SAMUEL WAINER (1987)

“O livro é um relato, sem precedentes, da relação entre imprensa e poder no Brasil republicano. As memórias, sem censura, deixam perplexo o leitor desavisado. Usei o livro como leitura obrigatória para uma turma de primeiro ano do curso de jornalismo da PUC-SP. Os garotos ficaram revoltados e odiaram a figura do Wainer. Épicos furos de reportagem se misturam com o jabá descarado. Idealismo e obstinação são confrontados com interesses particulares e conluios regados a uísque. Se a coisa mudou, cabe ao leitor responder.”

Aldo Quiroga – apresentador e editor-chefe na TV Cultura e professor de jornalismo da PUC-SP
8 – “DOM CASMURRO”, DE MACHADO DE ASSIS (1900)

“Se alguém percorresse as bibliotecas dos grandes escritores brasileiros, certamente, encontraria pelo menos um exemplar de “Dom Casmurro”. No meu caso, o livro foi eleito quando eu ainda era adolescente, porque tem tudo o que um grande romance deve ter para o meu gosto: humor, elegância, enredo, sabedoria, riqueza de linguagem e mistério. O mistério de “Dom Casmurro” também é clássico: afinal, Capitu traiu Bentinho ou não? Grandes sabichões já cravaram que sim. O adolescente que fui nunca teve tanta certeza. Por isso, a obra me conquistou para sempre.”

Cadão Volpato – jornalista, músico e desenhista
9 – “A REGRA DO JOGO”, DE CLÁUDIO ABRAMO (1988)

“As palavras de Abramo ganham maior importância na sociedade de hoje quando as tecnologias aceleram a divulgação de notícias. Ficou mais difícil suportar a pressão para divulgar primeiro e depois apurar o fato. Seu lembrete de que o jornalismo é o exercício cotidiano da inteligência e a prática diária do caráter precisa ser lido todos os dias. Quando fui gerente de jornalismo da CBN, pedi que uma placa com esses dizeres fosse colocada na entrada da redação. Todos os dias, lia em voz alta e me perguntava baixinho se estava praticando o que o mestre Abramo dizia.”

Heródoto Barbeiro – jornalista e âncora do Jornal da Record News e do R7
10 – “1984”, DE GEORGE ORWELL (1949)

“Orwell materializou sua visão tenebrosa do futuro: o mundo dividido em estados que vivem em eterna beligerância com aliados/inimigos alternantes, em extrema pobreza material e espiritual, orquestrado por ditaduras coletivistas e idiotizantes. O protagonista é encarregado de adaptar os arquivos de notícias à ‘realidade’. Rebela-se, sem sucesso. Muito do que Orweel descreveu já existe: uma sociedade onde câmeras onipresentes vigiam os indivíduos e que caminha para o desaparecimento consensual, em nome da segurança, do conceito de privacidade.”

André Fischer – diretor do portal Mix Brasil
Veja na galeria abaixo as listas dos 40 jornalistas consultados pela Revista IMPRENSA:

10 livros que todo jornalista deve ler

 

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“Letra preta”: Jornalista traça reflexão sobre o racismo nas redações brasileiras

“Letra preta: Os negros na imprensa brasileira”, ensaio publicado pela jornalista Yasmin Santos na edição de outubro da Revista Piauí, traça uma reflexão sobre o racismo nas redações brasileiras a partir da trajetória da autora: crescida no bairro da Paciência, na Zona Oeste carioca, começou a estudar jornalismo na Universidade Rural do Rio de Janeiro e terminou na UFRJ. Entrou como estagiária na revista piauí, onde hoje atua como repórter. O ensaio de Yasmin vai além do tema sobre o racismo: toca em pontos importantes relacionados à diversidade na imprensa brasileira.

O texto adota um ponto de vista crítico em relação à própria piauí. “São treze anos de boas histórias sobre o Brasil contadas majoritariamente por pessoas brancas. E, atualmente, a edição da revista está concentrada nas mãos de homens de meia-idade. A proposta de textos diversos e pautas pouco convencionais não era, afinal, tão inovadora”, escreve.

Yasmin trata o tema de forma complexa. Recorre aos dados de uma antiga pesquisa da revista Imprensa, publicada em 2001 – “Jornalismo no Brasil ainda é coisa de branco”, que ouviu 5 mil pessoas em redações de todo o Brasil. Apenas 1,6% das redações contavam, à época, com chefes negros. No seu trabalho de conclusão de curso, dedicado ao tema, Yasmin também ouviu 47 pessoas do meio impresso, mas se concentrando nos jornalistas negros. “Essa inversão valorosa eu aprendi durante as aulas da disciplina sobre intelectuais negras, ministrada por Giovana Xavier”, conta, lembrando que foi a única professora negra que teve na universidade.

O relato de Yasmin aponta para importantes reflexões. A primeira diz respeito ao reconhecimento do problema. Publishers e diretores de redação assumem a falta de diversidade, mas recorrem, por vezes, a argumentos sobre o contexto social mais amplo da sociedade brasileira – as universidades formam poucos jornalistas negros. Há também enquadramentos de cima para baixo que restringem o campo dos profissionais. “Reduzir jornalistas negros ao que chamo de ‘setoristas de negritude’ ou a wikipretos equivale a silenciá-los”, argumenta Yasmin. Entre os fatos positivos estão a pressão das redes sociais para transformações, o que se percebe nos próprios comentários críticos das edições de piauí. “Existe agora maior reivindicação por representatividade em produções artísticas, na produção do conhecimento acadêmico nos meios de comunicação.”

Há, ainda, um outro aspecto importante, que diz respeito à própria sustentabilidade da profissão. Yasmin recorre a exemplos do jornalismo americano. A Teen Vogue, publicação destinada ao público adolescente, tem, desde 2016, uma mulher negra como editora-chefe. Ela mudou o projeto editorial da revista, tratando de temas de questões sociais e políticas. O site da publicação mais do que dobrou os acessos em um ano, atingindo hoje 7,9 milhões de pessoas.

A elucidação sobre certo mal-entendido em relação ao conceito de lugar de fala é outra linha de força. A expressão diz respeito mais ao locus social do que sobre quem está ou não autorizado a falar sobre determinado assunto, lembra Yasmin. Esse ponto permite ampliar a discussão sobre diversidade, contemplando aspectos étnicos e territoriais, dando voz a sujeitos historicamente silenciados. É tanto uma questão da presença de maior representatividade étnica nas redações quanto da escolha dos assuntos e as formas de abordá-los. A tradição histórica de concentração de renda e de falta de acesso à cidadania de parcelas significativas da população está representada na tradição de uma imprensa pouco diversa e plural.

O ensaio de Yasmin se dá num contexto de esforços da grande imprensa para contemplar a prática de diversidade nas redações. Ela cita a recente criação da editoria de diversidade na Folha de S.Paulo. O cargo é ocupado por Paula Cesarino Costa. Maju Coutinho também assumiu há pouco a posição de âncora do Jornal Hoje, na Rede Globo. Esses esforços se dão em conjunto com importantes movimentos dos nativos digitais, que nasceram para ocupar espaços não contemplados pela grande mídia, tais como as agências Énois – que publicou recentemente uma pesquisa sobre diversidade nas redações -, Mural e Ponte Jornalismo, dentre outras.

As conquistas têm importante carga simbólica, mas precisam se tornar mais efetivas. Os manuais de redação, nos diz Yasmin, refletem pouco sobre a diversidade. “Qual é a abordagem e qual o uso responsável da linguagem em relação aos grupos minorizados?” O código de ética do jornalismo prevê que é dever do profissional se opor ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. As declarações racistas do candidato Bolsonaro nas últimas eleições – quando, por exemplo, compara as populações quilombolas a gado -, foram naturalizadas e não mereceram uma postura crítica na grande imprensa. O jornalismo falhou.

Yasmim termina seu relato com uma imagem de esperança durante a formatura na UFRJ. Antes da colação de grau, encontra no banheiro da universidade outras duas colegas negras, uma evolução em relação ao tempo do início do curso, quando se sentia diferente num ambiente marcado pela presença de estudantes brancos da Zona Sul. A epifania a ajudou a fazer a fazer da formatura um momento de reconhecimento do papel da universidade em sua vida e na da sociedade, mas o mesmo não se dá com a profissão escolhida. “Espero ainda o dia em que farei as pazes com o jornalismo e voltarei a olhá-lo com encantamento. Tenho pressa”, conclui Yasmin.

*Texto do jornalista Pedro Varoni, originalmente publicado nesta terça-feira (22/10/19), pelo Observatório da Imprensa

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Construção da Ponte Ilhéus-Pontal e as promessas

Por Valter Lessa* 

A construção da Ponte Ilhéus-Pontal, denominada Ponte Lomanto Júnior, sobre a foz do rio Cachoeira, era a maior reivindicação de Ilhéus junto ao poder público. O primeiro a prometer foi o imperador D. Pedro II, quando de uma visita a Salvador em 1859, recebendo uma caravana de Ilhéus. Depois dele, por mais de um século, muitos governantes prometeram a construção da ponte, a maior reivindicação ilheense. Em 1950, Getúlio Vargas, na campanha política a presidente da República em Ilhéus, assim se pronunciou: “Construam-me uma ponte ao Palácio do Catete e eu construirei a ponte Ilhéus-Pontal”. Não obstante ter obtido expressiva votação não cumpriu o prometido.

Em 1955, Ademar de Barros, também candidato à Presidência da República, foi recebido no Aeroporto de Pontal pelo presidente do seu partido, o PSP (Partido Social Progressista), o médico Luiz Tôrres, demais correligionários políticos, autoridades e um grande número de pessoas. Após os cumprimentos de praxe, se deslocaram até a beira-mar e, através de uma prancha, teve acesso a uma das cinco balsas que faziam a travessia até Ilhéus (estive presente). Era o único meio de transporte.

A travessia constituía um atraso muito grande para o desenvolvimento do município, que ao longo de dezenas de anos cobrava das autoridades, em nível municipal, estadual e federal uma travessia rápida, segura e confortável, notadamente para as pessoas que desfrutavam das águas da Estância Hidromineral de Olivença a 18 quilômetros de Ilhéus, e também, numa estrada de péssima qualidade, ainda carroçável.

Ademar de Barros naquele dia também prometeu a construção da ponte, ficando a dúvida se construiria ou não, pois não foi eleito. Nessa eleição, disputaram a presidência os seguintes candidatos: Juscelino Kubitschek de Oliveira, eleito com 35,70% – 3.077.411 votos, Juarez Távora, 30,26% – 2.610.142 votos, Ademar de Barros, 25,70% – 2.222.725 votos, Plínio Salgado, 8,28% – 714.739 votos.

Matéria da Revista Manchete, em 3 de setembro de 1966 – Foto: reprodução/Biblioteca Pública da Bahia-Seção de Periódicos

Mais de um século depois, o candidato ao governo do Estado, Lomanto Júnior, em comício realizado na praça São Sebastião, em Ilhéus, dia 18 de setembro de 1965, plagiando Getúlio Vargas: “Construam-me uma ponte ao Palácio Rio Branco e eu construirei a Ponte Ilhéus-Pontal” (testemunhei o fato), uma promessa arrojada e da qual se desincumbiu em prazo recorde de sete meses. A obra foi fruto de um convênio, pelo qual o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, através do seu diretor, Almirante Luiz Clóvis de Oliveira, delegou sua execução ao governo do Estado, através do Derba. Para a edificação dessa grande ponte, o Derba contratou a Construtora Norberto Odebrecht, empresa conhecida pela sua capacidade técnica e pela rapidez e eficiência executivas. Através da Odebrecht, o Derba iniciou a construção da ponte em 1965 e concluiu em 15 de agosto de 1966 e seu custo foi de 1.425.000.000 de cruzeiros, dos quais o Derba contribuiu com 1 bilhão e duzentos milhões e o DNPVN com apenas 225 milhões.

Acompanhei e documentei toda sua construção até a inauguração em 15 de agosto de 1966, com a presença do Presidente da República, marechal Humberto de Alencar Castello Branco, do marechal Juarez Távora, general Ernesto Geisel, Chefe da Casa Militar, Luiz Viana Filho, chefe da Casa Civil do governador Lomanto Júnior e outras autoridades.

Discurso do eng.º Franz Gedeon, na inauguração da Ponte Ilhéus-Pontal, em 15 de agosto de 1966 – Foto: Valter Lessa

Após a solenidade de inauguração, a comitiva visitou as obras de construção do Porto do Malhado e, em seguida, o presidente recebeu o título de Cidadão de Ilhéus, na sede da Prefeitura Municipal. O governador Lomanto Júnior foi agraciado com o título de “Cidadão Benemérito”, outorgado pela Câmara Municipal, e com um busto em bronze na avenida que dá acesso a Ilhéus Assim como a ponte, a rua recebeu o nome de Lomanto Júnior. Houve apenas um discurso, o do Diretor Geral do Derba, Eng.º Franz Gedeon. O presidente Castello Branco, ao despedir-se, disse ao governador Lomanto Júnior: “Agradeço, comovido, a gestão de V. Ex.ª, que dividiu comigo a maior festa popular que o meu governo assistiu”.

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*Valter Lessa é fotógrafo e diretor da Associação Bahiana de Imprensa – ABI

 

 

 

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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