ABI BAHIANA

ABI e IGHB promovem debate sobre nascimento da imprensa na Bahia

Em 14 de Maio de 1811, circulou o Idade D’Ouro do Brazil, o primeiro jornal que existiu na Bahia e o segundo no Brasil. Para marcar o 210° aniversário da imprensa na Bahia, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) promovem no próximo dia 14 de maio, às 15h, um debate  virtual (live), reunindo jornalistas e pesquisadores para discutirem as circunstâncias históricas que determinaram a implantação dos primeiros jornais, uma análise do conteúdo das suas edições e os efeitos que a imprensa causou na sociedade colonial da Bahia.

A live será transmitida a partir do Youtube do IGHB, instituição coorganizadora do evento, e terá a participação do jornalista Leão Serva, descendente em linha direta de Manoel Antonio da Silva Serva, criador do primeiro jornal e pioneiro da indústria gráfico-editorial privada brasileira, fundador e dono da tipografia onde era impresso o Idade D’Ouro do Brazil; do historiador Pablo Magalhães, da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB); do jornalista Nelson Varón Cadena, diretor de Cultura da ABI; e do também jornalista Jorge Ramos, que, na condição de pesquisador do IGHB, fará a moderação.

Jorge Ramos explica que o primeiro jornal do Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, começou a circular em 10 de setembro de 1810 e se destinava a publicar, entre notícias copiadas de jornais europeus, os atos oficiais e administrativos emitidos pelo Príncipe Regente, Dom João, que ocupava o trono do Reino de Portugal em lugar da mãe, a Rainha Dona Maria I, afastada por incapacidade mental. Já o Idade D’Ouro do Brazil, embora fosse um empreendimento privado, anunciava que tinha “autorização do Governo da Bahia” (conforme epígrafe).

Primeira página do Idade D’Ouro | Foto: Reprodução

“Ele também publicava os atos oficiais, defendia os interesses da monarquia e tinha uma equipe de redatores que era, ao mesmo tempo, os próprios censores do jornal. Media 17 centímetros, tinha quatro páginas e era publicado duas vezes por semana. Durante a guerra pela Independência do Brasil, se posicionou contra os brasileiros e sintomaticamente circulou até junho de 1823”, destaca o jornalista.

Jornal independente

No evento, Nélson Cadena vai abordar a história de outro jornal baiano da mesma época, o Diário Constitucional, que surgiu há 200 anos, em 04 de agosto de 1821. Foi o primeiro órgão de imprensa no Brasil a atuar na oposição ao governo, atacando o comandante das Armas, brigadeiro Madeira de Melo, e a Junta de Governo da Bahia na época. Ao contrário da Idade D’Ouro, pregava a união das províncias em torno de dom Pedro, o Príncipe Regente que governava o Brasil em nome do pai, o rei dom João VI. Essa posição chocava-se com as decisões do Parlamento (“Côrtes”), que em Lisboa preparava a primeira constituição portuguesa e não queria o Brasil independente.

O Diário Constitucional defendia também a Liberdade de Imprensa e a existência de um governo autônomo no Brasil, comandado por dom Pedro. O seu redator, Francisco Gomes Brandão Montezuma, foi perseguido, ameaçado de prisão e o jornal empastelado por soldados portugueses em 21 de agosto de 1822, episódio que viria a ser o primeiro atentado à liberdade de imprensa no Brasil.

O jornalista Leão Serva irá participar de São Paulo, onde mora. Ele descende em linha direta de Manoel Antonio da Silva Serva, que introduziu a primeira tipografia da Bahia. Além de imprimir o Idade D’Ouro do Brazil e depois outros jornais, ela produzia formulários e outros impressos, como a revista As Variedades ou Ensaios de Literatura, a primeira publicação na área cultural do Brasil, surgida em 1814.

O historiador Pablo Magalhães, professor da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), possui vários trabalhos de pesquisa sobre esse tema e vai falar sobre as circunstâncias históricas da implantação da imprensa na Bahia, traçar um perfil biográfico de Silva Serva e falar sobre a atuação dos nossos primeiros jornais durante a campanha pela Independência.

Serviço

Live “Nascimento da imprensa na Bahia”

Data: 14 de maio, às 15h

Transmissão: Youtube do IGHB (www.youtube.com/ighbba)

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Artigos Imprensa e História

O autor soteropolitano que os grapiúnas adotaram

*Por Luís Guilherme Pontes Tavares

O livro, ainda inédito, “De Gregório a Raul”, do professor doutor Jorge de Souza Araújo, conterá verbete a respeito do escritor e jornalista baiano Nelson [Barbosa] Gallo (1912-2000). A obra se assemelhará a dicionário biobibliográfico e o autor se dedica a ela há alguns anos. Isso, todavia, não remove Gallo do “pelotão dos invisíveis”, onde o inclui, em recente postagem do Facebook, e obtive aval para não alterar meu ponto de vista.

É bem verdade que ele foi lembrado pela escritora e acadêmica Gerana Damulakis quando o incluiu na coletânea Antologia panorâmica do conto baiano – século XX (Ilhéus: Editus, 2004. p. 281-291). Ela pinçou o conto “O pecado viaja de trem” da coletânea Histórias da Bahia (Rio de Janeiro: Edições GRD, 1963), que fora organizada por comissão de escritores grapiúnas a pedido do editor Gumercindo Rocha Dórea (1924-2021).

Fato é que a lembrança recente do jornalista, escritor e servidor federal Nelson Gallo surpreendeu e animou a muitos. Mexi na saudade de pessoas que o conheceram e com os quais divido proveitoso convívio do Facebook. Isso demonstra que o personagem não foi de todo esquecido e é necessário restabelecer sua presença como escritor soteropolitano que foi admitido como membro do seleto grupo de autores grapiúnas. Repasso essa tarefa a acadêmicos de Jornalismo, Letras ou História.

Rascunho de biografia

A pandemia não permite pesquisa se não na web. Foi assim que descobri que a sete mil quilômetros (7 mil km) ou mais de onde moro há exemplar do cordel Nelson Gallo (sua vida e sua obra), publicado em 1981 pelo poeta Rodolfo Coelho Cavalcanti (1919-1986). Localizei o título no catálogo da Library of Congress (Biblioteca do Congresso Americano), em Washington DC, mas o fac-símile em PDF não está disponível. É provável que as estrofes do poeta Rodolfo Cavalcanti nutrissem o levantamento recém-iniciado.

O que sei até agora é que Nelson Gallo, de quem ouvira o nome quando fui repórter de A Tarde na primeira metade da década de 1970, fora ou era, na época, interno do Sanatório Bahia, no Largo da Soledade. Tenho dúvidas se porventura o vi algum dia. Se a internação de Gallo o tirou do foco dos contemporâneos, é provável que esse fato o distinga como objeto de interesse e alguma conclusão nos ajude a entender o enigma baiano, conceito que reúne causas misteriosas de nosso atraso e da solidariedade raquítica. 

Ele foi funcionário federal, lotado na Base Aérea de Salvador, condição que o levou a morar em Ilhéus devido à incumbência de administrar o aeroporto de lá. Essa transferência se deu por volta de 1961. Não possuo os dados oficiais, apesar das consultas que fiz. No sul da Bahia, o jornalista atuou como redator de notícias da Rádio Cultura de Ilhéus e, como escritor, foi incluído na coletânea Histórias da Bahia, já citada acima, e publicou o livro O sorriso do cacau (Itabuna: Edições Gabriela, 1964), de que trataremos mais adiante. 

Livro “O sorriso do Cacau” de Nélson Gallo

Nelson Gallo foi admitido como sócio da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) em 03mar1960. É o associado de número 1231 e os seus proponentes foram os jornalistas Ariovaldo Matos, Nelson de Azevedo Santos e Luis Humberto Viana. Ele iniciou o exercício profissional no nascente Jornal da Bahia, em 1958. Quando foi admitido na ABI, Gallo era redator de A Tarde e morava na Rua Macaúbas, 505, no Rio Vermelho. A propósito, anos depois a Prefeitura Municipal de Salvador adotou o nome do escritor numa rua próxima (logradouro 5173, valor venal do metro quadrado R$ 1403,65; cep 41940-010), no mesmo bairro.

3×4 de Nélson Gallo para ficha de admissão como associado da ABI em 1960 – Arquivo ABI

Após o retorno dele de Ilhéus para Salvador, no final da década de 1960, Nelson Gallo voltou a trabalhar e assinar crônicas em A Tarde. Disso são testemunhas o jornalista Victor Hugo Soares: “Grande Nelson! Notável cronista do cotidiano com quem tive a honra de trabalhar na redação de A Tarde, quando por lá aportei no fim dos Anos 60. Um mestre, talentoso e com a simplicidade dos sábios.” (Comentário feito no Facebook em 16abr2021); o jornalista Geraldo Vilalva: “Era dono de divertidas e inteligentes histórias e estórias que prendiam a nossa atenção entre uma pauta e outra.” (Comentário no Facebook, também em 16abr2021); jornalista Nelson Cerqueira: “Grande Nelson Galo, colega jornalista. Inteligente e de ótimo humor!” (Comentário no Facebook em 18abr2021). A jornalista Mary Weinstein recorda de Nelson Gallo porque ele mantinha o hábito de prosar com seus pais, donos da Boutique Nalva, no térreo do edifício de A Tarde, na Praça Castro Alves: “Muito amigo de meu pai e de minha mãe, vivia lá na loja.” Dispensável acentuar que ela era uma criança na época.

Crônicas de povo e costumes

Apurei nos catálogos de sebos (alfarrábios) online os seguintes títulos de livros de autoria de Nelson Gallo: Um retrato de Itapuã. Salvador: IOB, 1951; Bahia de todos as doçuras. Salvador: Progresso, 1959; O pecado viaja de trem. Salvador: Progresso, 1960; A carta indiscreta. ?, 1962; O sorriso do cacau. Ilhéus: Gabriela, 1964; Gruta dos Brejões: um deslumbramento! Salvador: Escola Gráfica N. S. do Loreto, 1965; Bahia antiga. Salvador: Progresso, 1966; O segredo da imagem de ouro. Salvador: Artes Gráficas, 1969; 13 histórias de amor. Salvador: Itapuã, 1971.

Me deterei no livro O sorriso do cacau, corajosa coleção de cerca de 200 pequenas histórias com que Gallo pretendeu traduzir a alma grapiúna e desmistificar a fama de povo violento que a lenda dos coronéis sustentava. O livro foi prefaciado pelo escritor Jorge Amado, então com 50 anos de idade e reconhecido como um dos grandes da literatura. Tinha, pois, a mesma idade do prefaciado; ambos nascidos em 1912. Gallo encerra as 122 páginas da obra com esta confissão sobre o Sul da Bahia: “A terra é fértil, a terra é boa, mas o melhor de tudo, em Ilhéus, em Itabuna, é o povo”.

Ele colocou o ponto final no texto no meado de 1963, conforme registrou na página 113: “Este livro, escrito em Pontal, Ilhéus, foi concluído no domingo 28 de julho de 1963, aniversário da Cidade de Itabuna, onde foi impresso”.

O autor, todavia, acrescentou texto (p. 111) escrito após a data assinalada e assim, conforme o registro a seguir, constata-se que a obra foi publicada após o golpe civil-militar de 1964:

“Irmão superior”

Quando, após a revolução de 1º de abril muitos cargos da Administração civil foram ocupados por militares, um ilheense gozou o episódio contando a história de dois frades, um de Ilhéus e o outro de Itabuna. Encontraram-se e, após os cumprimentos, o primeiro disse que o seu convento tinha um novo Irmão Superior. O outro olhou para os lados e perguntou, baixinho:

– E o novo Irmão Superior… é major ou coronel?”

Quanto ao prefácio de Jorge Amado (1912-2001), os primeiros parágrafos nos informam que Gallo, em 1963, tinha 12 filhos, aspirava o reconhecimento como escritor e exibia disposição e talento para alcançar o reconhecimento dos leitores. Amado registra no texto a impressão que lhe causara os originais de O sorriso do cacau:

“Hoje Nélson Gallo vive em Ilhéus, é o administrador do aeroporto local. Adaptou-se à terra do cacau, foi incorporado à sua gente, sente-se já um grapiúna. E reúne em volume uma série de histórias, casos, anedotas, através as quais deseja provar já não ser a região do cacau aquela terra bravia, de matar e morrer, que está fixada na literatura de seus romancistas e contistas. Creio que consegue provar o progresso da região, o seu crescimento, sua riqueza, sua expressão cultural. Sem que, no entanto, o passado heroico e ainda recente deixe de estar visível no livro, passado tão poderoso a se impor às histórias e ao autor.”

Gallo, agradecido pelo prefácio do autor de Gabriela, cravo e canela (romance lançado em 1958), inclui no seu livro dois textos sobre Jorge Amado, ambos com o propósito de provocar risos:

Livro

Contam que um membro da família Badaró, após ler Terras [do] sem fim, de Jorge Amado, contrariado com algumas observações ali contidas sobre os Badaró, que aparecem algumas vezes nas suas páginas, teria declarado que iria fazer o autor ‘engolir o livro’. Passaram-se os tempos e, um dia, finalmente, Jorge Amado retornou a Ilhéus. Amigos e conhecidos procuraram o sr. Badaró e, antegozando a cena, perguntaram-lhe se não estava na hora de cumprir a promessa.

– O homem está na terra – disseram-lhe. – Chegou a ora…

O interpelado pareceu refletir e, sorrindo, respondeu:

– Impossível! Esqueci o livro na fazenda…” (p. 25)

Trabalho e Capital

Quando se realizou em Ilhéus o 1º Festival de Escritores da região, com a presença de destacados escritores, inclusive Jorge Amado, um jovem de ideias socialistas bastante extremadas perguntou a um conhecido onde estava hospedado o autor de Gabriela, pois pretendia visitá-lo.

– Na residência de Ananias Dórea – respondeu o outro.

– Mas, não é possível! Jorge Amado vem a Ilhéus e se hospeda na casa de um banqueiro!

O rapaz que não era socialista bebericou o seu café, pois tudo aconteceu no interior do Bar e Café Bahia, sorriu e falou:

– Para você aprender que Capital e Trabalho podem e devem andar juntos, dormir sob o mesmo teto e confraternizar.” (p. 69)

Enfim, encerro os registros sobre o jornalista, escritor e servidor público federal Nelson Gallo. Acrescento apenas que ele é tio do também contista Mayrant Gallo, mas não é parente do jornalista, escritor e ex-deputado Wenceslau Galo (com um ele apenas), de quem não tenho informações a respeito. Consta que o parlamentar foi redator-chefe de A Tarde (conforme Maria Lúcia Alves Reis na página 25 da sua dissertação “A Cor da Notícia: discursos sobre o negro na imprensa baiana 1888-1937”, defendida em 2000 na FFCH/UFBA e consultada online). Pois é, sei pouco sobre Gallo com dois eles e menos ainda sobre Wenceslau Galo. Há muito que pesquisar e lançar luz sobre o imenso “pelotão de invisíveis” que aumenta a casa dia.

Coloco o ponto final com a frase que encerra o artigo do jornalista Leão Serva (“O repórter do futuro”, publicado na edição da Quatro, Cinco, Um de 01.abr.2021) sobre o fotojornalista cearense Luciano Carneiro (1926-1959), que se destacou pela cobertura de guerra:

“Sua importância se insinua apenas por frestas da memória cultural.” 

*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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ABI BAHIANA

ABI repudia mais uma agressão do presidente contra a imprensa

A Associação Bahiana de Imprensa repugna a agressão descabida e afrontosa do Exmo. Sr. Jair Bolsonaro, atual presidente da República, ao ser abordado pela repórter Driele Veiga, da TV Aratu, sobre fotografia por ele divulgada com a expressão “CPF CANCELADO”, alusiva ao morticínio vergonhoso de brasileiros que, tragicamente, é notícia cotidiana na imprensa brasileira.

A esquiva à pergunta jornalisticamente correta, até pela repercussão da imagem publicada nas redes sociais do principal mandatário do país, já seria incompatível com o exercício da Presidência da República. Agrava a conduta inconciliável com o decoro que se espera de quem tenha a honra de ser escolhido pela maioria do povo brasileiro, a assediosa agressão verbal contra a jornalista.

A considerar a etimologia do termo “idiota”, atribuída na Roma antiga àqueles que não se interessavam pelas questões de interesse público, o termo poderia se aplicar a qualquer dos presentes ao evento que trouxe a maior autoridade do país à Bahia, menos a uma repórter que, no exercício do bom jornalismo, buscava repercutir fato de repercussão nacional.
A ABI cumprimenta e se solidariza com a colega agredida, bem como com o Departamento de Jornalismo da TV Aratu E lastima a ocorrência, na terra do jornalista e jurista Ruy Barbosa, de mais uma agressão a ser contabilizada nos relatórios de instituições como a Federação Nacional do Jornalistas e da ONG Repórteres Sem Fronteiras. No mais recente levantamento dos RSF, o Brasil volta a ser destaque mundial nas agressões à liberdade de imprensa pelos atos e palavras de quem tem a obrigação de ser exemplo de zelo para com as liberdades democráticas.

Assista ao vídeo: https://www.instagram.com/p/COIoOFsBFz6/

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Notícias

Liberdade de imprensa no Brasil: “Um clima de ódio e desconfiança”, diz RSF

Ameaças, agressões, assassinatos… De acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), graves violações à liberdade de imprensa foram observadas nas últimas semanas no Brasil. A entidade lançou no último dia 20 um relatório onde denuncia casos de violência contra a imprensa do País, com destaque para a Bahia, e lamenta o ambiente de trabalho “extremamente tenso”, pedindo às autoridades que garantam a proteção dos jornalistas e punam os responsáveis por esses ataques. O documento destaca o fato de o Brasil continuar sendo um país violento para a imprensa, em que muitos jornalistas são mortos em conexão com seu trabalho.

Nas duas últimas semanas, em que vários meios de comunicação e repórteres foram alvo de ameaças ou campanhas de intimidação, dois jornalistas foram assassinados em circunstâncias ainda não esclarecidas. O apresentador de rádio e humorista Weverton Rabelo Fróes, de 32 anos, conhecido como Toninho Locutor, foi executado no dia 4 de abril, na cidade de Planaltino, na Bahia. Fundador e proprietário de uma rádio amadora local, ele apresentava um programa humorístico para a Rádio Antena 1. Foi assassinado na porta de casa por um homem armado que parou em uma motocicleta e abriu fogo, fugindo em seguida. 

Jornalistas Diego Santos, Junior Albuquerque, José Bonfim, Toninho Locutor | Fonte: RSF

Poucos dias depois, em 9 de abril, em Salvador, o produtor de televisão José Bonfim Pitangueiras também foi executado, por indivíduos armados que o abordaram próximo de sua residência. O jornalista, de 43 anos, era produtor da TV Record, um dos principais canais de televisão do país. Segundo informações de pessoas próximas, Pitangueiras não havia mencionado ameaças recentes relacionadas ao seu trabalho. A polícia segue apurando.

No mês passado, em 17 de março, foi a redação do jornal Folha da Região, localizada em Olímpia, município do norte do estado de São Paulo, que foi incendiada. Poucos dias depois, um militar e bombeiro da cidade confessou ter ateado fogo voluntariamente no jornal e agido “em revolta contra a imprensa”, que, segundo ele, “não ajudaria na luta contra a situação de crise sanitária”. A polícia local, por sua vez, afirmou que o ato foi “uma resposta ao posicionamento do jornal a favor de medidas científicas e legais para combater a pandemia do coronavírus”.

A entidade ressalta que na maioria dos casos, esses repórteres, locutores de rádio, blogueiros e outros profissionais da informação estavam cobrindo histórias relacionadas à corrupção, políticas públicas ou crime organizado em cidades de pequeno e médio porte, nas quais estão mais vulneráveis. “Toda luz deve ser lançada sobre esses assassinatos. As autoridades locais e federais devem identificar e levar à justiça os responsáveis por esses crimes, fazendo todo o possível para garantir a proteção dos jornalistas”, declarou o diretor do escritório da RSF para a América Latina, Emmanuel Colombié.

Relatório

O Brasil ocupa a 111º colocação no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa 2021, segundo relatório divulgado pela organização não governamental. A lista reúne 180 países e territórios. O documento mostra que o exercício do jornalismo está “gravemente comprometido” em 73 dos 180 países e restringido em 59, que, somados, representam 73% dos países avaliados. O relatório classifica os países por cores: zonas branca (situação ótima ou muito satisfatória), amarela (boa), laranja (problemática), vermelha (difícil) e preta (muito grave). O Brasil perdeu quatro posições e entrou na zona vermelha, onde também se encontram a Índia (142º lugar no ranking), o México (143º) e a Rússia (150º).

Segundo a RSF, o trabalho da imprensa brasileira tornou-se especialmente complexo desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018.  Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro. Qualquer revelação da mídia que ameace os seus interesses ou de seu governo desencadeia uma nova rodada de ataques verbais violentos. Para a organização, jornalistas enfrentam “um clima de ódio e desconfiança” em relação ao seu trabalho. E tudo isso “alimentado pelo presidente Bolsonaro”. A entidade contabilizou ao longo do ano passado 580 ataques contra a mídia, sendo que Jair Bolsonaro e seus filhos respondem por 85% dos ataques de autoridades à imprensa. As redes sociais foram a principal arena utilizada para hostilizar profissionais e veículos de comunicação.

A pandemia do coronavírus expôs sérias dificuldades de acesso à informação no país e deu origem a novos ataques do presidente contra a imprensa, que ele rotula como responsável pela crise e que tenta transformar em verdadeiro bode expiatório. Além disso, a paisagem midiática brasileira ainda é bastante concentrada, sobretudo nas mãos de grandes famílias de industriais, com frequência, próximas da classe política. O sigilo das fontes é regularmente prejudicado e muitos jornalistas investigativos são alvo de processos judiciais abusivos.

Carta aberta

Oito organizações ligadas às liberdades de imprensa e de expressão protocolaram no dia 7 de abril, Dia do Jornalista, uma carta aberta destinada aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A manifestação pede o compromisso dos líderes do Congresso Nacional com a liberdade de imprensa e a segurança de jornalistas e comunicadores do país.

O documento (confira aqui) conjunto traz sete recomendações para o Congresso Nacional atuar de forma a manter o Brasil como um ambiente seguro para a imprensa, garantindo mecanismos de transparência e acesso à informação. E faz um alerta para que Pacheco e Lira fiquem atentos a projetos de lei em tramitação nas duas casas que podem impactar negativamente a liberdade de imprensa ou restringir o trabalho desses profissionais no país.

O texto lembra que o Brasil vive um cenário preocupante de crescentes ameaças e ataques a jornalistas e restrições à liberdade de imprensa e descreve um ambiente cada vez mais hostil para o exercício da profissão: “Dificuldade de acesso a dados públicos, censura judicial, remoção de conteúdo, ameaças e agressões físicas, campanhas difamatórias e assédio online são elementos que compõem o cenário. Some-se a isso a impunidade em crimes cometidos contra jornalistas”. No ano passado, o Brasil ocupava a oitava posição no Índice Global de Impunidade de homicídios de jornalistas, segundo dados do Comitê para Proteção de Jornalistas, uma piora em relação ao ano de 2019, em que ocupava a nona posição. 

A carta foi assinada por Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Intervozes, Federação Nacional dos Jornalistas, Instituto Vladimir Herzog, Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) e Repórteres sem Fronteiras (RSF).

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