Ernesto Marques*
Não existe edificação à prova de incêndio, é óbvio, mas já choramos por tragédias suficientes para aprender a não brincar com fogo. Em se tratando de segurança, seria mais adulto dizer que não se pode negligenciar diante de riscos previsíveis. Há tecnologia suficiente e acessível para proteger vidas e patrimônios, mas, convenhamos, prevenção não faz parte da nossa cultura. Prova disso foi a tragédia cidade gaúcha de Santa Maria, onde 242 jovens morreram e mais de 600 ficaram feridos por causa das instalações absurdamente inadequadas.
Como sempre acontece, depois da tragédia, vem a comoção e, junto com ela, muitas reportagens sobre o assunto, endurecimento das leis e normas regulamentadoras. E, claro, promessas de rigor na fiscalização por parte dos gestores públicos responsáveis por inspeções, licenças e alvarás. Foi o que aconteceu nos meses seguintes àquela tragédia e nas anteriores.
O incêndio desta segunda-feira 24, na Câmara Municipal de Salvador deve ser entendido como um severo alerta para a iminência de tragédias potencialmente devastadoras. Para além das poligonais do nosso Centro Histórico, predominantemente barroco e com mita madeira, mas ainda na área central e mais antiga da cidade, há talvez algumas centenas de prédios com 30 anos ou muito mais. Sem exagero ou alarmismo, são verdadeiras bombas incendiárias prestes a explodir em labaredas, a qualquer momento.
Os prédios erguidos no embalo da modernização urbana experimentada por Salvador, a partir das primeiras décadas do século passado, por óbvio, não dispunham das técnicas construtivas mais seguras da engenharia e da arquitetura modernas. Tampouco dispunham, à época, de sistemas automatizados, sensores e alarmes exigidos pela legislação. Mas seus proprietários podem e devem encomendar um Projeto de Prevenção e Combate a Incêndios (PCI) a técnicos habilitados a fazê-lo.
A obrigação de fiscalizar é das prefeituras e quem certifica a adequação desses projetos, antes e depois de executados, é o Corpo de Bombeiros. A rigor, nenhum “habite-se” ou alvará de funcionamento de qualquer empreendimento poderia ser expedido, sem o atendimento às exigências das normas – como dito acima, tornadas mais rígidas depois da Boate Kiss.
Dependendo das características de cada edificação, pode ser um investimento até alto, mas nenhuma seguradora indenizará um prédio sinistrado se ele não dispuser de toda a parafernália de prevenção e combate. Mesmo em imóveis históricos e tombados, como é o caso da Câmara, podem ser feitas adaptações e compensações para se ampliar a segurança, sem descaracterizar esses imóveis.
A Associação Bahiana de Imprensa fez a sua parte e talvez o Edifício Ranulfo Oliveira, sede da entidade que completa 95 anos em agosto próximo, seja um dos raros do nosso Centro Histórico, que cumpre a legislação. Primeiro, atualizamos nossas instalações elétricas com mais de 60 anos de uso, desde os cabos que saem da subestação da Neoenergia Coelba, sob o Viaduto da Sé, passando por uma subestação em nosso subsolo, até os quadros de distribuição para cada pavimento.
Investimos também no PCI para termos todos os andares com sensores, alarmes, sinalização de rotas de fuga, iluminação de emergência e uma rede exclusiva de água, com tubos de aço galvanizado, hidrantes, mangotinhos e corrimãos em nossa única escada.
E também no Sistema de Proteção Contra Descargas Atmosféricas O popularmente conhecido para-raios é muito mais do que uma antena no alto do prédio: além do captador de descargas atmosféricas, tem os condutores de descida que o conectam com a malha de aterramento, para dissipar a carga elétrica de um raio no solo.
Eliminamos, assim, a maior fonte de riscos – o fogo na Câmara, só a perícia vai confirmar, teria começado nas instalações do sistema de ar-condicionado e se espalhou rapidamente no prédio de mais de 400 anos, com muita madeira. O fogo que antecipou o fechamento da sala principal do TCA, idem. Mas ter instalações tecnicamente corretas, não é o bastante.
Não é barato, mas estes cuidados são imprescindíveis e nada além de obrigação dos proprietários. Assim como é obrigação da Prefeitura de Salvador, fiscalizar com rigor, em parceria com os Bombeiros, a quem cabe atestar a adequação das edificações, ao expedir o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).
Senhor do Bonfim é brasileiro, baiano e soteropolitano, com certeza. Talvez esta seja a explicação para não ter ocorrido uma tragédia monumental em nosso Centro, mas não convém abusar da providência divina, sobretudo depois de tantos avisos. Se acontecer, não será por falta de conhecimento, tecnologia ou legislação. Não será uma fatalidade, e sim negligência que merece ser adjetivada como criminosa.
Vamos esperar por uma tragédia soteropolitana?
_Texto originalmente publicado pelo BNews, no dia 24 de fev 2025.

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