Eles chegaram antes de tudo isso aqui ser digital. Acompanharam o surgimento da internet, as primeiras transmissões por satélite, a migração do analógico para o streaming e, mais recentemente, a revolução da inteligência artificial. Ainda assim, muitos profissionais experientes, sobretudo os com mais de 50 anos, enfrentam uma barreira invisível, mas poderosa: o etarismo. De frente com o desafio, a nonagenária Associação Bahiana de Imprensa (ABI) realizou neste sábado (05/07), durante o lançamento da 8ª edição da Revista Memória da Imprensa, um debate sobre essa forma de discriminação baseada na idade, que marginaliza indivíduos considerados “velhos demais” para determinadas funções, tecnologias ou ambientes.
Tema da 8ª edição da Revista Memória da Imprensa, “o debate sobre “Etarismo na Comunicação” saiu das páginas para ocupar o auditório da ABI. O lançamento da revista, que registra a história do jornalismo baiano contada por quem viveu – e vive, recebeu dois articulistas da edição para conversarem sobre a situação dos profissionais mais experientes no mercado. Participaram da conversa a sócia-diretora da ATcom Comunicação Corporativa e 2ª vice-presidente da ABI, Suely Temporal, e coordenador acadêmico da ESPM, Diego Oliveira, com mediação da jornalista Silvana Oliveira.
Já na abertura, o presidente Ernesto Marques fez questão de frisar que falar de etarismo não é opor gerações. “O que falamos aqui não é ‘nós contra eles’. É uma questão de momento, todo mundo vai chegar lá. A questão é a gente saber em que condição vamos chegar lá”, disse ele, puxando a questão do mercado cada vez mais voltado para a tecnologia, e que, por vezes, não acredita na capacidade de pessoas mais velhas se integrarem neste cenário.
Para ele, instituições como a ABI têm um papel crucial nesse debate. “Ao promover encontros, publicações e reflexões sobre o tema, a entidade contribui para ampliar a consciência crítica dentro e fora das redações. Valorizar a pluralidade geracional entre os profissionais de imprensa é não apenas um gesto de justiça, mas uma estratégia de fortalecimento democrático”, defendeu.
Escuta geracional
A jornalista Silvana Oliveira começou o debate com uma provocação baseada na curva demográfica do Brasil. Lembrando da projeção de que em 2030 o país terá mais pessoas com mais de 60 anos do que jovens, ela chamou atenção para o problema de continuar excluindo pessoas mais velhas nesse cenário. “Eu fiquei me perguntando, o que acontece nesse país que envelhece rapidamente, mas que não consegue incentivar as pessoas mais velhas?”, indagou ela.
Ela lembrou que a indústria da comunicação é uma das que mais sofrem (e reproduzem) o etarismo. Nas redações, agências de publicidade, produtoras e assessorias, é comum a ideia de que apenas os jovens dominam as novas linguagens e plataformas. Um raciocínio que ignora o valor da experiência e desconsidera a capacidade de adaptação dos profissionais mais velhos.
Mais grave ainda é quando a comunicação, enquanto ferramenta estratégica, reforça estereótipos. Comerciais que retratam idosos como caricaturas de lentidão ou dependência, campanhas voltadas apenas para consumidores jovens e uma representação escassa de lideranças seniores na mídia são sintomas de um problema mais profundo: a falta de uma escuta intergeracional.
O professor Diego Oliveira contou suas experiências com o curso Criativa Idade, da ESPM, que reuniu pessoas na faixa etária 60+ para capacitações em tecnologia criativa. Para ele, a questão não é sobre uma suposta incapacidade destas pessoas de aprender, mas sobre a falta de disposição das diferentes gerações de aprender com as outras. “Eu vejo que o problema maior está entre a cadeira e o computador, as pessoas que não estão abertas para conhecer o que a outra geração pode agregar”, avaliou ele.
Suely Temporal fez uma retrospectiva do etarismo no país. Lembrando da época que se falava em “choque de gerações”, ela notou como o autoritarismo da época do regime militar criou uma inimizade geracional que atrasou o desenvolvimento do país. “Quando eu tinha 20 anos, tinha uma música que dizia: ‘não confio em ninguém com mais de 30 anos’. E isso vinha muito do autoritarismo da nossa história recente do Brasil, de censura, da ditadura militar. E isso nos atrasou muito, porque colocava as pessoas mais velhas como antagonistas das pessoas mais jovens. E não é assim”, disse ela.
Público participativo
Entre as colocações da plateia, o jornalista Edson Rodrigues participou com um comentário sobre relações de classe no problema do etarismo. Para ele, o esvaziamento de pessoas mais velhas nas redações também tem a ver com um desejo dos patrões de pagar menos. “O que a gente percebe na prática do mercado é que uma pessoa começa como repórter, ascende para editor, e quando ganha um determinado salário, cai. Quem é seu repórter, mais jovem, passa a ser editor, ganha metade e trabalha o dobro”, relatou ele.
O tema engajou bastante o auditório da ABI. A Diretora de Defesa DI/DH da ABI, Mara Santana, compartilhou um case de sucesso em escuta ativa e no papel da empresa em compreender as vantagens dos trabalhadores mais velhos. A Diretora de Comunicação da entidade, Jaciara Santos, contou sua experiência no Criativa Idade, inclusive como ensinou seu sobrinho de 27 de idade a usar inteligência artificial após passar pela capacitação. E a Primeira Secretária da Associação, Amália Casal, sugeriu a criação de uma instituição de ensino superior público especificamente para o público 60+, para ajudar essa faixa etária a se atualizar em uma escala mais ampla.
Entrevistados
Dos cinco entrevistados desta edição da Revista Memória da Imprensa, apenas dois puderam comparecer ao lançamento. A radialista Vera Martins e o cronista Jolivaldo Freitas, porém, marcaram presença e receberam um momento de homenagem durante o evento.
Com sua vivacidade ímpar, Vera Martins agradeceu à equipe da Revista e ainda opinou sobre o tema da roda de conversa. “Além de uma honra ter sido entrevistada, de ter esse reconhecimento, está sendo um prazer enorme encontrar vocês aqui. Sobre este debate rico sobre etarismo que aconteceu, eu acho que a chave é aprender. Para mim é sempre isso. A chave é essa curiosidade que nós já temos como jornalistas”, afirmou ela, se referindo à saída para os profissionais mais velhos no mercado.
Jolivaldo Freitas enfatizou a importância da Revista em destacar veteranos da comunicação que não vinham recebendo tanto reconhecimento quanto merecem. “Participar da Memória da Imprensa é algo muito importante e muito superior àquilo que eu esperava nessa idade, já que nós falamos de etarismo. Essa diretoria da ABI resgatou personalidades que realmente estavam no ostracismo e que vieram à tona, mas são pessoas tão ativas, tão plenas e que estão cada vez mais presentes”, comentou ele.
Depois da roda de conversa com os articulistas, seguida de interação com os entrevistados da edição, o evento foi finalizado com o primeiro ArrastaPress, um forró promovido pela ABI como forma de confraternização entre os profissionais da comunicação que trabalharam nos festejos juninos. O som ficou por conta do forrozeiro paraibano Gel Barbosa.
- Leia também: ABI promove 1ª edição do forró ArrastaPress
8ª edição
Nesta edição, o projeto Memória da Imprensa chega à marca de 53 entrevistas com personalidades que fizeram e ainda fazem história na comunicação baiana. São cinco os depoimentos inéditos: Cristovaldo Rodrigues, repórter policial de faro afiado e alma de cronista; Edson Almeida, comentarista esportivo que completou 80 anos em plena atividade; Jolivaldo Freitas, cronista e escritor de múltiplos gêneros; Roberto (Bob) Fernandes, jornalista político de reconhecida trajetória nacional; e Vera Martins, que narra sua vivência de resistência e inovação nas ondas do rádio. Cada entrevista é uma aula de jornalismo vivo, forjado nas ruas, nas redações e nos desafios de cada época.
A seção de artigos reúne reflexões valiosas sobre o tema central da edição. A jornalista Camila Augusto, fundadora do Foco na Mídia, escreve sobre os desafios enfrentados por mulheres jornalistas no mercado de trabalho. O professor Diego Oliveira, coordenador acadêmico da ESPM, analisa o etarismo sob a ótica das relações de poder nas redações. E a sócia-diretora da ATcom Comunicação Corporativa, Suely Temporal, 2ª vice-presidente da ABI, reforça a urgência de romper o preconceito geracional como condição para uma comunicação mais justa, ética e diversa.
O ensaio fotográfico da edição, com imagens assinadas por Antônio Saturnino, é um tributo ao olhar aguçado do repórter fotográfico que nos deixou em abril. Entre seus registros marcantes, está a imagem emblemática dos confrontos entre indígenas e policiais durante os 500 anos do descobrimento, em Porto Seguro – um testemunho visual da coragem e da relevância do trabalho jornalístico.
Com coordenação editorial de Ernesto Marques e Jaciara Santos, diretora de Comunicação da ABI, projeto gráfico da Bamboo Editora e tiragem de 1.500 exemplares com distribuição gratuita, a Revista Memória da Imprensa segue cumprindo sua missão de resgatar, preservar e divulgar a história da imprensa baiana, enquanto promove debates que atravessam gerações e desafiam o presente.
- Confira o álbum de fotos do evento no Facebook. Os cliques são da fotojornalista Paula Fróes! https://www.facebook.com/media/set/?vanity=abi.bahia&set=a.1152859773537722