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As flores de Ruy Barbosa

*Nelson Cadena

As floriculturas do Rio de Janeiro, este segmento foi o mais ativo, entre os dias 02 de março de 1923 (sexta feira), o dia seguinte ao falecimento de Ruy Barbosa – cujo centenário transcorreu ontem – e domingo, 04 de março, quando milhares de pessoas foram às ruas acompanhar o cortejo fúnebre do ilustre baiano. As floriculturas trabalharam como nunca para atender uma demanda de coroas de flores que beirou o exagero.

Reprodução/ Revista O Malho

Foram tantas as coroas de flores encomendadas por instituições e particulares que foi preciso locar caminhões para auxiliar o translado das coroas no longo percurso entre a Biblioteca Nacional e o cemitério João Baptista, o esquife conduzido entre alas de militares, a cavalo e em fila indiana, promovendo as continências de praxe. Dois arranjos florais chamaram a atenção da multidão: as encomendadas pelo Governo do Brasil e a do Presidente da República, Arthur Bernardes.

Diligentemente confeccionadas na Floricultura Mineira de Carlos Sommer, a do governo brasileiro tinha oito metros de altura, a do presidente Arthur Bernardes, pessoa física, tinha 6, 5 metros, a primeira ostentando em faixa-fita de seda, com largura em torno de 20 cm, a legenda “Ao glorioso brasileiro que tanto serviu e honrou a nação”. O artista que confeccionou os arranjos, o Sr. Sommer, tinha sido um dos premiados na monumental Exposição do Centenário da Independência realizada no ano anterior, obteve Menção Honrosa e a Taça do Estado.

Ruy Barbosa foi conduzido até o jazigo entre flores, muitas, ele que amava as flores e cuidava com esmero dos jardins das suas residências no Rio de Janeiro e Petrópolis. Ruy Barbosa amava as rosas, apreciava dálias e orquídeas e várias espécies de palmeiras. O Conselheiro acordava cedo e cultuava o hábito de visitar o jardim; ele próprio cortava as palmas e folhas secas e certamente contava com um jardineiro para o auxiliar na tarefa, já que o jardim de sua casa na capital era grande e muitas as espécies cultivadas. A área total de sua residência, hoje sede da Fundação Ruy Barbosa, tinha 9 mil metros quadrados.

Em 1949, no ensejo das comemorações do centenário de nascimento do baiano, a Holanda homenageou o Conselheiro plantando 25 bulbos da Dahlia Variabis, nos Jardins do Palácio da Paz, em Haia, lhes deu o nome de Dália Ruy Barbosa, em referência a sua performance diplomática na Segunda Conferência Internacional da Paz, em 1907, quando reivindicou a igualdade entre as nações. O vice-presidente da ABI, Luís Guilherme Pontes Tavares, colheu a informação da flor que recebeu o nome do Conselheiro, na revista argentina “Brasil de Hoy”, do acervo da entidade. Registrou que a Dália era da “cor vermelho carmesim, aveludado profundo, com sombras escuras”.

Carlos Chiacchio, o notável intelectual baiano, na revista Jornal de Ala, edição de setembro de 1940, escreveu: “Teremos também o nosso monumento a Ruy. Mas que flores seriam as prediletas de nosso grande homem? Li, não sei onde, que rosas. Ruy amava as rosas, os canteiros de rosas, que jardinava todas as manhãs, das próprias mãos, do gosto plástico que nos encheu de rosas o jardim da língua. Que floresçam, pois, rosas, para o monumento a Ruy, rosas da Bahia, rosas do Brasil. Todas as rosas, as mais bonitas rosas do mundo”. O monumento a que o escritor se refere e que seria erguido em praça pública, nunca saiu do papel, um modo de dizer. A maquete em gesso, obra do notável escultor italiano Pasquale de Chirico, faz parte do acervo do Museu Casa de Ruy Barbosa da ABI que neste ano, após reforma do imóvel e implantação do projeto expográfico da autoria de Gringo Cardia, passara a ser denominado de Casa da Palavra Ruy Barbosa.  

[Artigo originalmente publicado pelo Jornal Correio*, nesta quinta-feira, 2]

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*Nelson Cadena é jornalista, pesquisador e publicitário. Diretor de Cultura da ABI.
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)
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Notícias

Professor Edvaldo Brito recebe Medalha do Mérito Jurídico Ruy Barbosa

O professor Edvaldo Brito (PSD), jurista e vereador de Salvador, foi homenageado na noite de quarta-feira, 1ª de março, pelo Tribunal de Justiça da Bahia. A cerimônia abriu as celebrações da instituição para o centenário da morte de Ruy Barbosa. Na solenidade, no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, Brito recebeu a Medalha do Mérito Jurídico Ruy Barbosa, pelos relevantes serviços prestados à Bahia e ao país.

A comenda criada em 1999, uma das mais importantes distinções conferidas pelo Poder Judiciário baiano, só havia sido outorgada quatro vezes, sendo a última em 2007.

O professor Edvaldo Brito destacou o seu compromisso com a Justiça e com o cidadão que busca seus direitos. “Agradeço ao Tribunal de Justiça da Bahia, em nome dos Desembargadores Nilson Castelo Branco, Lidivaldo Britto e Lourival Trindade, por me proporcionarem viver um dos momentos mais honrosos da minha carreira. Muito emocionou-me receber, ao lado da minha família, a Medalha do Mérito Jurídico Ruy Barbosa, no dia do centenário da sua morte, e no local onde fica a sua urna de restos mortais. Muito obrigado”, declarou, diante de uma plateia lotada.

Nos dias 09 e 10 de março, o Tribunal baiano realiza o Seminário “Ruy Barbosa, do Império à República, uma vida dedicada à Nação”. Serão dois dias de exposições, abordando 11 temas, no Auditório Desembargadora Olny Silva, no edifício-sede do TJBA (Centro Administrativo da Bahia).

Outras homenagens

Pela manhã, Edvaldo Brito prestigiou a homenagem feita pela ABI a Ruy, com a outorga da Medalha Rubem Nogueira, no Auditório Samuel Celestino. A honraria é destinada a personalidades e instituições que contribuíram com o Museu Casa de Ruy Barbosa, hoje batizado de Casa da Palavra Ruy Barbosa.

Na ocasião ele, que preside o colegiado de instituições responsáveis pela agenda do centenário da morte de Ruy, destacou a surpresa com o êxito do início das comemorações. “Eu nem pensei que o resultado desse 1º de março de 2023 fosse tão proveitoso. Esse momento simboliza o início de uma campanha maravilhosa pela restauração da Casa de Ruy Barbosa.”

Pela tarde, Brito proferiu a palestra de abertura do VIII Congresso Internacional de Controle e Políticas Públicas, promovido de forma conjunta pelo Instituto Rui Barbosa (IRB), Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA) e Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA).

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ABI BAHIANA

ABI lota auditório para homenagear Ruy Barbosa em seu centenário de morte

Há exatos cem anos o Brasil se despedia de Ruy Barbosa, levando milhares de pessoas ao cortejo fúnebre. Nesta quarta-feira, 1º de março, a Bahia demonstra que a admiração a um dos seus principais intelectuais permanece através de uma série de eventos independentes que foi aberta pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), com a Outorga da Medalha Rubem Nogueira. A solenidade lotou, pela manhã, o auditório Samuel Celestino, no Centro Histórico, para homenagear pessoas e instituições comprometidas com a memória de Ruy.

A entrega da medalha iniciou mobilização para a Casa da Palavra Ruy Barbosa, já com sinalização de apoio do Governo da Bahia. Foram homenageados Rubem Nogueira, Presciliano Silva, Ernesto Simões Filho, Luis Vianna Filho, Antônio de Pádua, o Estado da Bahia e o Município de Salvador. Em breve a honraria será outorgada à Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

O evento na ABI, tal como o multifacetado Ruy Barbosa, atraiu diferentes setores da sociedade, espectros políticos e até datas comemorativas. Uma das personalidades que prestigiaram a solenidade foi o professor Edvaldo Brito, vereador por Salvador e presidente do colegiado composto para articular a agenda do centenário de Ruy.

“Houve quem nos questionasse, ‘mas vocês vão comemorar a morte de uma pessoa?’. Sim, nós vamos ‘co-memorar’, ou seja, vamos memorar juntos, relembrar não a morte, mas a vida de um dos maiores brasileiros de todos os tempos”, justificou o presidente da ABI e aniversariante do dia, Ernesto Marques, na abertura da solenidade. Marques teve a companhia de sua esposa, a educadora Cybele Amado, representante da Secretaria de Educação do Estado da Bahia.

Com autoridades, intelectuais e profissionais da imprensa, o evento também teve um tom de articulação para manter o trabalho de preservação da memória do jurista, diplomata e jornalista baiano. Ernesto Marques, por exemplo, cobrou melhorias na rua em que está o imóvel em que Ruy nasceu e onde fica o então Museu Ruy Barbosa para aquecimento econômico e cultural da região.

Quebrando o protocolo, o vice-governador Geraldo Júnior discursou e sinalizou apoio do Governo do Estado. “Em nome do governador Jerônimo Rodrigues, podemos dizer que a Casa da Palavra terá o apoio do governo do estado para fortalecer o simbolismo dessa cultura, dessa história”, prometeu. Antes, Ernesto havia lembrado que o compromisso de políticos como Luís Vianna Filho e Antônio Carlos Magalhães foi essencial para manter o prédio histórico de pé e, agora, poder ser renovado.

A medalha
“Hoje eu me lembrei de eu pequenininha, meu pai tinha um escritório na rua Ruy Barbosa, a gente desde sempre sabia que ele era um fã número um dele, um grande entusiasta”. A recordação, compartilhada após o evento na ABI, é da colunista social Gilka Maria Andrade em relação a seu pai, Rubem Nogueira. Ela saiu hoje da sede da entidade carregando no peito a medalha que leva o nome do pai em homenagem a ele e outras figuras e instituições importantes para a inauguração do que veio a ser o Museu Ruy Barbosa, em 1949, no centenário de nascimento do jurista baiano.

Gilka Andrade, filha de Rubem Nogueira | Foto: Ascom ABI

Descrita por Ernesto Marques como uma verdadeira saga, a participação de Nogueira na articulação para reconstrução da casa foi fundamental, além das doações valiosas para compor o acervo, o que justificou a ABI dar seu nome para a outorga. Nogueira não estava só. Ernesto Simões Filho, jornalista e fundador do jornal A Tarde, também liderou campanha de arrecadação para a compra da casa, depois cedida à prefeitura.

Hoje, quem recebeu a honraria das mãos de Walter Pinheiro, presidente da Assembleia Geral da ABI e da Tribuna da Bahia, foi o bisneto de Simões Filho, João Cândido de Melo Leitão, atual presidente do Grupo A Tarde. A edição desta quarta-feira do principal produto do grupo, o jornal impresso, destacou como o diário se envolveu na causa desde 1917.

O advogado e ex-presidente da OAB-BA, Luiz Viana Queiroz, tornou o evento um encontro de família. Para receber homenagem ao seu avô, Luís Vianna Filho levou ao palco Claudia e Fernando, também netos do ex-governador da Bahia. “Hoje foi um dia muito especial pela junção de Rubem Nogueira e Luís Vianna Filho, os dois maiores especialistas do Ruy Barbosa aqui da Bahia. Importante homenagem a Luís Vianna e a Rubem Nogueira, juntados por Ruy aqui”, comentou Luiz.

Também foram homenageados no evento o educador Antônio de Pádua Carneiro, ex-diretor da Faculdade Ruy Barbosa, representado por sua esposa, a artista plástica Inês Vitória; e Presciliano Silva, responsável pelos desenhos que foram imprescindíveis para reconstrução do imóvel, representado no evento por sua filha Maria Moniz.

Essa foi a primeira das duas únicas entregas da outorga. A próxima etapa de homenagens será para reconhecer os apoiadores do novo museu, cuja campanha de mobilização foi iniciada também nesta quarta-feira (1º) para continuar preservando a casa onde Ruy nasceu e viveu até os 16 anos e buscar pontes com novos públicos.

Ruy Barbosa presente
A distância de um século desde a partida de Ruy Barbosa não impede sua atualidade. “O que eu mais gosto nisso tudo é que ele se conecta com o contemporâneo”, acredita o presidente Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Matos que prestigiou o evento. “O que ele defendeu no final do século 19 e início do século 20 ainda ecoa nos tempos de hoje”, completa o secretário de Cultura do Estado da Bahia, Bruno Monteiro. O jurista, vereador e professor Edvaldo Brito também acredita que para analisar o cenário político atual é preciso recorrer aos escritos de Ruy.

A secretária de Comunicação da prefeitura de Salvador, Renata Vidal, que representou o prefeito Bruno Reis e recebeu a medalha em nome da prefeitura de Salvador, também acredita que o jornalista Ruy Barbosa influencia até hoje novas gerações. “Foi o gênio da palavra. O prefeito também tem essa consciência”, comentou Vidal.

Mais homenagens
No início da sessão, também foi homenageado o jornalista José Jorge Randam, que faleceu no último dia 24, também dia do seu aniversário de 90 anos. “Em homenagem a um radioator não se deve pedir minuto de silêncio”, justificou Ernesto Marques ao pedir uma salva de palmas.

A homenagem foi prestada com a presença de autoridades dos governos estadual e municipal, representantes dos principais veículos de imprensa e da comunicação, dos poderes Legislativo e Judiciário, dos órgãos de controle, de universidades baianas e da sociedade civil organizada.

“Começamos com o pé direito, depois de um ano de planejamento dessa ação e feliz por termos conseguido reunir mais de 14 entidades que são altamente representativas do cenário baiano de Salvador”, avaliou Walter Pinheiro.

A ABI encerra as homenagens do dia com a estreia de mais uma temporada da Série Lunar, também no auditório Samuel Celestino, hoje com sete artistas e um repertório que passeia pelo século XIX e remonta a saraus promovidos por Dona Maria Augusta, pianista e esposa de Ruy.

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Falta o livro sobre a amizade dos irmãos Clímaco e Ruy Barbosa

Luis Guilherme Pontes Tavares*

Se há surpresa que o admirado baiano Ruy Barbosa (1849-1923) tinha um irmão, não me coube, todavia, tal descoberta. Até o Google sabe disso. O médico, jornalista, poeta, político e abolicionista Clímaco Ananias Barbosa d’Oliveira (1840-1912) é fruto da relação de dona Águeda Constança da Silva e Amaral com o então concluinte de Medicina João José Barbosa de Oliveira (1818-1874). Nasceu em Salvador, em 21 de janeiro, nove anos antes do irmão e construiu currículo à altura do mais moço.

Suponho que a discrição que o pai de Clímaco sustentou sobre esse primeiro filho, talvez para não contrariar sua prima e esposa, Dona Maria Adélia, com quem casou-se em 1848, tenha repercutido na sociedade e, cúmplice, ela também guardou silêncio a respeito. Isso, todavia, não impediu que Clímaco e Ruy fossem próximos e de que o mais velho tenha auxiliado o mais novo em algumas situações. Os dois comungaram do jornalismo, da maçonaria, da literatura, de lutas políticas, tais como o abolicionismo, e de amigos. Ambos foram próximos do poeta, jornalista, advogado, educador e abolicionista baiano Luiz Gama (1830-1882).

ORAÇÃO DE DESPEDIDA A LUIZ GAMA

Foi o médico Clímaco Ananias quem pediu a palavra quando o caixão de Luiz Gama descia à cova no Cemitério da Consolação naquele final de tarde de 24 de agosto de 1882. Os detalhes estão nas páginas 222 e 235-236 do livro Com a palavra Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011), da professora doutora Ligia Fonseca Ferreira, da UNESP. Ela, na página 222, reproduz trecho da notícia, intitulada “Luiz Gama – homenagens e demonstrações”, da Gazeta do Povo, de 26 de agosto de 1882: “Antes [do sepultamento], o Dr. Clímaco Barbosa, comovido e em pranto, dissera algumas palavras de despedida ao ilustre morto”.

É, no entanto, nas páginas 235-236, onde a autora detalha o episódio ocorrido no enterramento de Gama. No livro, ela reproduz, nas páginas 227-236, o texto do escritor carioca Raul de Pompéia (1863-1895), intitulado “Última página da vida de um grande homem”, que a Gazeta de Notícias, de São Paulo, publicou 10 de setembro de 1882. Eis o trecho que consta nas duas páginas referidas acima:

 “Quando os coveiros iam descer para o túmulo o cadáver, um homem disse:

– Esperem!… O Dr. Clímaco Barbosa(era o homem) ergueu então a voz. A voz soluçava-lhe a garganta. Disse duas palavras, sem retórica, sem tropos, a respeito do grande homem que ali jazia caído…

A multidão chorou.

Então, o orador reforçou a voz, reforçou o gesto: e intimou a multidão a jurar sobre o cadáver, que não se deixaria morrer a ideia pela qual combatera aquele gigante.

Um brado surdo, imponente, vasto, levantou-se no cemitério. As mãos estenderam-se abertas para o cadáver…

A multidão jurou”.

CORRESPONDÊNCIAS NO ARQUVO DA FCRB

Eis um tema para estudo: a relação do pai e do irmão com o médico Clímaco Ananias. Penso que a cronologia dos três personagens auxiliaria a busca de informações. Houve aproximação de Clímaco com o pai quando ambos viveram no Rio de Janeiro? Com Ruy Barbosa, Clímaco viveu tanto em São Paulo, quanto no Rio. E no exterior? Os dois teriam experimentado exílio em 1893 devido ao golpe militar do então presidente Floriano Peixoto (1839-1895) para esmagar a Revolta da Armada? Ademais, entre as muitas questões ainda sem resposta, é necessário responder quem foi dona Águeda Constança, a mãe de Clímaco. Ela teve outros filhos e, portanto, ele teve outros irmãos por parte de mãe? Há, na atualidade, descendentes de Libânia, com quem ele casou-se, e Clímaco Ananias? Quem são? Onde vivem?

O Arquivo da FCRB possui 27 documentos textuais – cartas e telegramas – do irmão mais velho de Ruy, todos manuscritos, o que dificulta ainda mais a leitura de arquivo digital. Há, todavia, este documento, cuja cópia datilográfica, com atualizações ortográficas, está disponível. Ao fim da leitura, restou-me a impressão de irmão mais velho se dirigindo ao mais novo:

“S. Paulo 27 Novembro 1886

Rui

Se não tivéssemos plena confiança na sua conhecida competência para orador oficial na sessão de José Bonifácio, essa confiança se imporia pelo grande papel que V. desempenhou como auxiliar do Glorioso Gabinete 6 de Junho: ponha, portanto, a modéstia de parte, porque esperamos que as luzes de sua inteligência e ilustração hão de abafar as luzes em excesso que nos pede para a leitura de seu trabalho.

As providências estão dadas para estas, as outras só dependem de sua vontade.

Seu do C.

Clímaco”

Entre os 27 documentos, há a procuração datada de 09 de maio de 1891 em que o médico Clímaco Ananias Barbosa d’Oliveira, então com 51 anos, fixa “Informações e Instruções” para os procuradores Ruy Barbosa, Honorio Augusto Ribeiro, Bernadino Antonio da Silva Cardoso e Affonso Luiz Pereira da Silva de como proceder em relação ao seu patrimônio enquanto estiver em viagem pela Europa. A relação de bens inclui ações, depósitos bancários e propriedades rurais. Na instrução final, o autor escreveu: “Dinheiro á minha ordem. Em poder da Chapelaria Brasileira, conforme documento anexo, fica a quantia de Dez contos de réis a que me serão remetidos quando melhorar o cambio”.

No mesmo grupo de documentos do irmão de Ruy Barbosa há, ademais, 12 documentos – cartas, cartões e telegramas – de Lucio Ananias Barbosa, filho de Libânia e Clímaco, que mantinha com o tio estreito relacionamento. Tais correspondências foram enviadas do Rio, então Capital do país, e da cidade carioca de Santa Cruz entre 12 de dezembro d 1883 e 03 de janeiro de 1919, do que se deduz que o relacionamento dos parentes prosseguiu mesmo após a morte do médico em 1912. O outro filho de Libânia e Clímaco é Ernesto Ananias Barbosa.

A propósito da admissão de parentesco, a pesquisadora da FCRB, Rejane Magalhães, no livro Rui Barbosa na Vila Maria Augusta informa:

“Numa única oportunidade, no discurso na Imprensa Nacional em 13 de novembro de 1890, Rui evoca a Bahia, ‘donde era a família que me foi o berço: pais amados, irmão e irmã estremecidos’, e assim admite a existência de um irmão, talvez porque Clímaco estivesse presente no momento.”

TESE, POESIA E MUITO MAIS

Clímaco Ananias Barbosa d’Oliveira

O baiano Clímaco Ananias residiu no Brasil e no exterior e atuou como jornalista, médico e político em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Vitória do Espírito Santo. Ele concluiu o curso de Medicina no Rio de Janeiro em 1864 e defendeu a tese “Albuminuria. Quaes as condições pathologicas que a determinão?” Foi a mestranda Ana Lúcia Albano, que dirige a Biblioteca Gonçalo Muniz, da Faculdade de Medicina da UFBA, quem localizou na página 161 do volume 1 do Catálogo de Teses da UFRJ, referente ao período 1831-1985, a referência ao trabalho defendido pelo doutor Clímaco.

Após a formatura no Rio de Janeiro, o doutor Clímaco Ananias seguiu para o Uruguai, onde atuou no combate à varíola. É provável que, pelo mesmo motivo, tenha, em seguida, mudado para Vitória do Espírito Santo, onde foi um dos proprietários do Sentinella do Sul e combateu o flagelo da varíola. Os capixabas o elegeram deputado geral, conforme as informações da Wikipédia e da dissertação de Karulliny Silverol Siqueira. No verbete da enciclopédia eletrônica citada, consta que Clímaco Ananias publicou, em 1863, portanto durante o curso de Medicina, o livro Tristes e íntimas: poesias. No campo da ficção, publicaria na capital do Espírito Santos, em 1867, o romance Georgina. Ele, no campo acadêmico, publicou, além da tese de 1864, o livro Do aborto provocado, em 1867.

A atuação de Clímaco Ananias como político e jornalista ganhou mais relevo em São Paulo, sobretudo por causa da luta pela abolição da escravatura. Ele foi um dos proprietários da Gazeta de São Paulo. A Wikipedia, no verbete dedicado a Clímaco Ananias Barbosa de Oliveira, informa que ele “foi o responsável em 1887 pela primeira apresentação em S. Paulo da viola caipira, feita pelo fluminense Pedro Vaz”. Em 22 de agosto de 1912, o irmão de Ruy Barbosa falece no Rio de Janeiro e foi sepultado no Cemitério do Caju.

Enfim, quanto mais leio a respeito de Ruy Barbosa mais admito o acerto da sentença do professor Rubem Nogueira (1913-2010) a respeito dele: “é o personagem mais notório e menos conhecido do Brasil”.

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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