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Homenagem a um Guerreiro

Walter Pinheiro – Presidente da ABI

Sempre me chamava de “Antoninho” porque, a seu exemplo, tenho Antônio no nome. Tudo fruto de uma velha amizade, iniciada na segunda metade dos anos 60, quando França Teixeira revolucionou a radiofonia esportiva baiana.

Menino pobre criado no Bairro da Liberdade, com o seu vozeirão e muita coragem passou a empunhar um microfone e criou um estilo inconfundível. Na Rádio Cultura da Bahia, quando a sede ainda funcionava na Av. Euclides da Cunha, dominou o horário das 12 às 13 horas, com um programa ao vivo de alta audiência. Cunhou expressões tipo “Pau na Pleura”, “É ferro na boneca”, que a princípio incomodavam os conservadores, mas terminaram entrando para o cancioneiro popular, virando bordão e ganhando o mundo.

Sem “papas na língua”, como costumava dizer, tornou-se polêmico, conquistando amigos e desafetos. Só que tudo isso rendia estórias e ampliava a sua popularidade. Revelou muitos outros jovens, hoje talentosos profissionais na “arte da comunicação”. Na TV Itapoan também popularizou o jornalismo investigativo, ganhando ainda mais seguidores e admiradores. Daí para a política foi um pulo, e com facilidade elegeu-se por duas vezes deputado federal.

A vida, diga-se de passagem, não lhe foi fácil. A começar pela perda da esposa num acidente de carro. Seguiu-se uma depressão que o afastou da segunda legislatura, à qual veio renunciar pela impossibilidade de cumprir o mandato que o povo lhe conferiu.

Não demorou muito, veio a merecer do então governador Nilo Coelho uma vaga no Tribunal de Contas do Estado.

Egrégia Instituição à qual serviu até poucos meses atrás, enquanto os problemas hepáticos não lhe retiravam forças para exercer o cargo.

Assim foi Antônio França Teixeira, que, “para não perder o hábito com o público”, divertia-se escrevendo crônicas bem-humoradas, com muita verve, publicando-as na Tribuna da Bahia.

A fragilidade de sua saúde era conhecida, mas não se esperava que nos deixasse tão cedo. Só que o tempo não perdoa: “cochilou, o cachimbo caiu”, relembro mais um dos seus bordões.

Ficamos, então, sem o França, que aqui veio, viu e venceu. Advogado, radialista, jornalista, publicitário, foi um transformador, irrequieto, inconformado com as injustiças, e, por isso mesmo, deixou gravado o seu nome por onde passou, em especial na imprensa baiana, razão maior da homenagem que agora recebe de muitos, inclusive do “Antoninho”.

Em 19.07.2013

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A Democracia e a Imprensa

Walter Pinheiro – Presidente da ABI

Há 24 anos, aqui chegava assumindo a diretoria financeira da Instituição, integrando uma chapa  gestada pelo consenso. Tudo  pelo desprendimento de uma figura admirável. Jornalista, economista, advogado, professor catedrático, um Mestre, mas acima de tudo, um amigo: JAIRO SIMÕES.

Ao começar reverenciando sua memória, rendo uma homenagem aos homens de boa vontade, defensores do diálogo e do seu exercício para a solução os problemas humanos.

E como também devido, relembro aqui o nosso fundador e primeiro presidente, Altamirando Requião, cujas lutas políticas e contribuições para as letras e fortalecimento do jornalismo, ficaram tão bem tratadas no livro “Atravessando um Século”, do saudoso acadêmico Cláudio Veiga, recentemente falecido;  Ranulfo Oliveira, cujos embates pela liberdade de imprensa engrandeceram as páginas do jornal A Tarde, do qual também foi diretor; o intelectual e amigo, exemplo de elegância e sobriedade, que  muito nos honra com a sua presença, Afonso Maciel Neto;  o advogado, político, jornalista, Mestre Jorge Calmon, exemplo de sabedoria, compostura e dinamismo, que tanto projetou e continua como um permanente paradigma à prática do bom jornalismo,   e este incansável batalhador pelas causas da imprensa, que nos últimos 24 anos tanto contribuiu para manter a ABI sempre presente à frente de causas relevantes para a sociedade baiana, meu caro presidente, jornalista Samuel Celestino.

Eles me fazem lembrar o provérbio árabe que vê os homens de quatro forma: o que não sabem que não sabem: merecem pouca atenção; os que  sabem que não sabem: são os simples, devem ser ensinados; os que não sabem que sabem: estão dormindo e precisam ser acordados; e os que sabem que sabem: são os sábio, siga-os.

E isto procurarei fazer, em busca de uma instituição cada vez mais forte, reconhecida e útil aos interesses dos que atuam na área da comunicação, por conseguinte, do nosso povo.

Diversos  são planos para esta gestão. A começar pela reforma do seu Estatuto, adaptando-o ao Código Civil e às necessidades que a modernidade impõe a uma Associação com as nossas características. Sequenciar as obras de reparo deste imóvel que abriga a nossa sede, para transformá-lo em um Complexo Cultural que enriqueça ainda mais o nosso Centro Histórico, realçando o valor arquitetônico  que representa, como a primeira edificação no repertório  corbusiano implantada na capital baiana. Expandir o nosso quadro social para que a ABI  represente na sua inteireza a imprensa baiana. Intensificar as atividades culturais, valendo-se do nosso rico acervo do Museu Jorge Calmon, da Casa e Ruy Barbosa e agora do  Museu da Imprensa a ser proximamente inaugurado, para  valorização da atividade jornalística e aproximação cada vez maior da entidade com a comunidade. Ampliar a informatização para aprimoramento dos nossos controles internos, facilitando acessos externos aos nossos arquivos. São metas desafiadoras, mas que precisam ser perseguidas para o engrandecimento da Associação Bahiana de Imprensa.

Com a responsabilidade de quem assim pensa, e vê na prática da  entendimento a forma adequada para  o aprimoramento da democracia, assumo a presidência da ABI.

Os artigos 5º e 220º da Constituição Brasileira, bem definem  a liberdade de expressão do pensamento  como fator primordial para o exercício dos Direitos Individuais e Coletivos. Sem isso, a democracia não se sustenta.

O Brasil vive uma fase inédita nestes seus 26 anos pós-ditadura. Vê-se na estrutura política uma oposição fragilizada, com dificuldades para estabelecer o contraditório tão necessário ao regime que emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Mas, nunca nos esqueçamos ser a democracia uma tenra planta, que precisa ser continuamente regada.

Em situações que tais, organismos não-governamentais, como a ABI, necessitam manter-se atentos para informar, alertar e estimular o debate das ideias, para que as leis sejam respeitadas, a moralidade predomine, a ética se mantenha preservada e as instituições se aprimorem e se fortaleçam.

Por outro lado, surgem novas plataformas de comunicação, que transformam a maneira de  como os cidadãos, em todo o mundo, recebem e compartilham informações. Aliado a isso, vieram novas formas de censura.

A proteção das fontes sofre ameaças. A internet, que nos abriu o caminho para um admirável “mundo novo”, facilita o  vazamento de informações, tornando estimulante o jornalismo investigativo. E aí começam a surgir os chamados “jornalistas cidadãos” – até estimulados pelos órgãos de comunicação –  que vêm complementar ou trabalhar em conjunto com os jornalistas profissionais. Só que tal, requer da  legislação formatada na era pré-digital, uma adequação às novas formas em que a comunicação social se processa. São novos canais ,  que oferecem cada vez mais  liberdade à  imprensa, contudo, também  impõem mais responsabilidade àqueles que a exercem.

Convivemos agora com informações vindo também  através de sites,  blogs, das redes sociais – cujo poder junto ao povo ficou agora evidenciado nas rebeliões ao norte da África –  sendo, assim, imperioso manter-se valores e procedimentos que assegurem a qualidade do noticiário, onde a meticulosa apuração dos dados passou a ser etapa fundamental.

A liberdade só pode ser garantida se houver responsabilidade. Se opusermos o poder à liberdade, a liberdade sai perdendo. Se acrescentarmos responsabilidade à liberdade, ambas saem ganhando A principal delas é poder honrar o compromisso  assumido com o público,  informando-o corretamente, passando-lhe a verdade,  opinando  independência, porém sem se descuidar do respeito aos cidadãos.

Porque  o papel mais nobre da imprensa é o de  propiciar conhecimentos que contribuam  para elevar o nível de informação, de consciência, de compreensão do ser humano, para o  enfrentamento da realidade e do aprimoramento cultural.

A Associação Bahiana de Imprensa tem como  objetivo principal o fortalecimento da atividade jornalística, com a defesa da  livre manifestação do pensamento, visando preservar as liberdades do cidadão, para o seu crescimento como ser humano e a exata  compreensão do que significa o poder.

A propósito, relembrando Ruy ao falar sobre “A Imprensa e o dever da Verdade”, disse o eterno Mestre:  “o poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro”.

Hoje, não é verdade que não haja ameaças à liberdade de imprensa. Elas existem. Vivemos, é verdade, em um regime de plenitude democrática, mas que necessita ser permanentemente aperfeiçoado e fortalecido. Porque, não raras vezes, tem se observado manifestações no país, com o intuito de submeter  as ações da imprensa a interesses nada republicanos. Em muitos dos casos, tais cerceamentos valem-se do Poder Judiciário, para intimidar e até bloquear a prática do jornalismo.

Vêm daí as preocupações do embate entre a Justiça e a Imprensa, como se adversários fossem, ao invés de aliados como devem ser, na defesa da democracia. Daí, a preocupação  com a ampliação do poder discricionário de magistrados quando estão em pauta o julgamento das famigeradas “ações de reparação de danos morais”. Lamentavelmente, algumas delas até já fecharam redações e outras, se não merecerem revisão em instâncias superiores, por certo fragilizarão o exercício da atividade jornalística no país.

Contudo, preferimos acreditar que o amadurecimento de nossas instituições, incrementando o processo de moralização, por certo propiciará a elevação cada vez mais rápida do nosso país no cenário internacional, equiparando-o àqueles mais civilizados e desenvolvidos.

Para esta luta, venho concitar os queridos e ilustres companheiros que integram o  Conselho Diretor agora empossado. Temos muito o que fazer para a continuidade, sempre altaneira, da nossa ABI, assim como o fizeram os que nos antecederam. E sei que estou muito bem acompanhado nesta árdua missão.

Convicto também estou, do apoio da minha família – em especial da minha mulher Gel, aqui presente – cuja compreensão e estímulos me serão indispensáveis para o enfrentamento dos novos desafios que aqui assumo.

Comprometidos, assim, com a consciência libertária desta terra, e contando com as graças de Deus, continuaremos a lida diuturna por uma Bahia cada vez mais forte, altaneira, sempre embalados e atentos  aos ensinamentos do  Mestre Ruy Barbosa para quem: “A imprensa é a vista da Nação. Por ela, é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe; enxerga o que lhe mal fazem; devassa o que lhe ocultam e tramam; colhe o que lhe sonegam ou roubam; percebe onde lhe alvejam ou nodoam; mede o que lhe cerceiam ou destroem; vela pelo que lhe interessa e se acautela do que lhe ameaça”.

Walter Pinheiro – Presidente da ABI


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Valcke (FIFA) e Dilma: Dias de tentação autoritária no país da Copa

Vitor Hugo Soares*

Um fenômeno tornou-se mais visível e preocupante, desde que o secretário-geral da FIFA, Jerôme Valcke  – homem forte da categoria dos pesos pesados da entidade que controla o futebol mundial – pisou no começo da semana passada, mais uma vez, por estas bandas tropicais: sobra no ar a eletricidade que falta e tem produzido frequentes “apagões” nas linhas administradas pelo ministro da Energia, Edison Lobão, no governo federal.

O principal efeito (e o mais grave): a recorrente tentação das medidas de exceção parece rondar, perigosamente, o Palácio do Planalto e o espírito dos atuais donos do poder e seus acólitos, à medida que os jogos do Mundial e os comícios eleitorais das eleições quase gerais (com destaque para a sucessão presidencial) se aproximam. Luz amarela acesa neste começo de 2014, marcado desde já por estes dois eventos carregados de paixões e cargas elétricas de alto poder explosivo.

Superando o barulho dos blocos, escolas de samba e até dos ensurdecedores trios elétricos, em seus ensaios finais e festejos pré-carnavalesco, soam mais fortes os rugidos de tom e sentido autoritários partidos de Brasília. Coincidentemente (ou não?), vale acentuar, os ruídos ganharam corpo a partir do mais recente desembarque de Valcke, “pau para toda obra” da FIFA.

Desde a chegada, ele falou, atuou, mandou e desmandou em seu périplo por diferentes regiões do país. Mal comparando, pareceu em alguns momentos um co-gestor nacional, um coadjuvante poderoso da presidente Dilma, com mais poder de fogo e autonomia que a maioria dos ministros de Estado, incluído o de Esportes, Aldo Rebelo.

O cara da FIFA ditou regras e fez ameaças, veladas ou explícitas. Entre saraivadas de tabefes e raros sorrisos e “agrados” (os elogios rasgados ao estádio dos jogos da Copa em Manaus, por exemplo) ele mandou ver. Sem cerimônias: Suas vontades e ordens ecoaram da Amazônia ao Paraná; da Bahia ao Ceará; de Minas ao Rio; de São Paulo a Brasília e mundo afora. Com algumas aprovações de praxe e muitas desconfianças.

Afinal, ele nem sempre limitou-se às determinações relacionadas diretamente com o esporte que compete à sua entidade gerir. Embora a FIFA e seus dirigentes, cada vez mais, assumam aqui e em outras partes do mundo o jeito e o “modus operandi” de empresas de negócios multinacionais. Daquele tipo que atropela e passa por cima (ou tenta) de quem atravessa o caminho de seus interesses. Nem sempre esportivos, limpos, ou transparentes, como demonstram os sucessivos escândalos e denúncias dos últimos anos. Alguns cavernosos, até, envolvendo somas milionárias e ainda à espera de esclarecimentos cabais.

O pior, e mais preocupante, é verificar que o “vírus autoritário” parece ter alcançado o Palácio do Planalto e contaminado a sua principal ocupante: a presidente Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira urbana das lutas contra a ditadura militar (com civis no meio), que sentiu na própria pele os efeitos mais duros do regime de exceção.

Digo isso, a deduzir por suas manifestações recentes. Uma delas merecedora da manchete publicada esta semana pela Folha de S. Paulo, enquanto Valcke andava pelo País: “Dilma diz que Exército pode agir contra manifestações anti-Copa”.

Mais devagar com o andor! Cuidado com a fragilidade do santo, que quando cai e se parte, fica difícil, quase impossível de remendar.

Em dias assim, nada mais oportuno que recordar um velho sempre atual e sábio político, pensador e tribuno brasileiro, do qual o país sente saudades toda vez que a tentação autoritária ataca dirigentes e políticos. Falo do ex-presidente da Câmara, Ulysses Guimarães. O “Doutor Ulysses”, comandante das lutas civis de restauração democrática. Guia singular e principal avalista da Constituição de 1988, avesso a aventuras autoritárias, por mais tentadoras que possam parecer.

Doutor Ulysses costumava dizer, e escrever, que o golpe de 64 ressuscitou, do cemitério da oligarquia perrepista (PRP), sepultado que foi pela Revolução de 30, o lema cínico de que, “feio em política é perder as eleições”.

“Feio  não é prender arbitrariamente, fraudar eleições pelo dinheiro e pela pressão da máquina administrativa, admitir ou remover funcionários por perseguição, espancar estudantes, nomear parentes e amigos. A inflação não é feia. Feio é perder as eleições”, reagia, com firmeza e indignação cívica, o bravo e saudoso parlamentar e líder brasileiro (de verdade e como poucos).

Os fatos e ruídos, desta semana, parecem indicar que chegou a hora da sociedade ficar mais atenta ao barulho em sua volta e refletir, novamente, sobre as palavras e exemplos do Doutor Ulysses, em passado nem tão distante assim.

Ou não? Responda quem souber.

Fonte: Blog do Vitor Hugo Soares/Terra Magazine

*Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: [email protected]

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Em pauta

Entrevista especial com Sérgio Mattos: Os desafios das novas diretrizes do Curso de Jornalismo

Por Luciano Gallas*

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o docente Sérgio Mattos analisa a adequação da formação jornalística à complexidade da sociedade atual, a qual exige do profissional da comunicação conhecimentos amplos de cultura ao mesmo tempo em que lhe pede domínio sobre as tecnologias implementadas. “Eu diria que os cursos de Jornalismo precisam ser repensados com urgência e que os métodos de avaliação desses cursos devem ser mais rigorosos para que continuem atuando no mercado. Acredito que as novas diretrizes, que não engessam os cursos, atendem plenamente às necessidades atuais se forem cumpridas. A flexibilidade curricular possibilita que os cursos se adéquem às realidades regionais e globais simultaneamente. Isto porque as diretrizes esboçam princípios norteadores que garantem a autonomia das universidades para organizar seus respectivos projetos pedagógicos”, pondera.

Sérgio Mattos/ Foto: Arquivo pessoal

Sérgio Augusto Soares Mattos é escritor, compositor, músico, poeta, jornalista e professor. Tem doutorado em Comunicação pela Universidade do Texas, Estados Unidos. Foi diretor da Coordenação de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação da UniBahia – COEPP no município de Lauro de Freitas e coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade da Cidade do Salvador. É professor aposentado da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Atualmente, é professor adjunto do curso de Jornalismo na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Integrou a comissão de especialistas criada pelo Ministério da Educação para elaborar as novas diretrizes do curso de Jornalismo. Confira a entrevista:

IHU On-Line – Quais são as principais alterações nas diretrizes curriculares do curso de Jornalismo? Qual o impacto esperado das novas diretrizes?

Sérgio Mattos – Antes de tudo devo salientar que as novas diretrizes têm como base, de certa forma, o consenso que vinha sendo defendido pelas entidades da área, Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, Fórum Nacional de Professores de Jornalismo – FNPJ, Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo – SBPJor, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom, não deixando de ouvir também a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação – Compós e a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social – Enecos, no sentido de garantir a qualidade do ensino do Jornalismo. A comissão de especialistas foi nomeada [pelo Ministério da Educação] para rever e atualizar especificamente as diretrizes curriculares do Curso de Jornalismo, dentro da área da Comunicação Social, concentrando-se em dois aspectos fundamentais: o perfil do jornalista e suas competências profissionais, sendo que o desafio principal é a qualidade do curso e a formação humanística.

Para formular a proposta, a comissão de especialistas indicada pelo MEC teve como base a consulta pública pela internet e três audiências públicas que contaram com a participação da comunidade acadêmica, de empresas representadas pelas associações específicas (Associação Nacional de Jornais – ANJ, Associação Nacional de Editores de Revistas – ANER, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, Associação Brasileira das Agências de Comunicação – Abracom) e profissionais do setor, e representantes da sociedade civil (Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Associação Brasileira de Imprensa – ABI, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG, entre outras). Dentre as alterações contidas nas diretrizes aprovadas destacam-se, como exemplos, a valorização, especificidade e maior identidade dos cursos de Jornalismo, considerando que o diplomado no curso será Bacharel em Jornalismo e não mais diplomado em Comunicação com Habilitação em Jornalismo. As novas diretrizes propõem uma maior interdisciplinaridade e maior integração entre teoria e prática e a regulamentação do estágio supervisionado de 200 horas. Destacaria também o fato de que, a partir de agora, a carga horária dos cursos de Jornalismo aumentou de 2.700 horas para 3.000 horas. Nas Diretrizes aprovadas, a inclusão do estágio obrigatório talvez se constitua no maior impacto para a adequação dos cursos às novas diretrizes.

IHU On-Line – Qual é o objetivo do Conselho Nacional de Educação ao aprovar as novas diretrizes?

Sérgio Mattos – O Conselho Nacional de Educação – CNE é órgão colegiado integrante do Ministério da Educaçãoque tem a finalidade de auxiliar o ministro da Educação, formulando e avaliando a política nacional da área, zelando pela qualidade do ensino e pelo cumprimento da legislação. Estão entre as funções do CNE: acompanhar a elaboração e execução do Plano Nacional de Educação – PNE, regulamentar diretrizes, assegurar a participação da sociedade, dar suporte ao MEC no diagnóstico de problemas, entre outras coisas. Assim sendo, o principal objetivo do CNE ao aprovar as novas diretrizes do curso de Jornalismo foi o de atualizar as diretrizes, adequando-as às novas necessidades, além de zelar pela melhoria e qualidade do ensino nos cursos específicos. A ResoluçãoCNE/CES nº 1, de 27 de setembro de 2013, foi publicada no Diário Oficial da União do dia 01 de outubro de 2013, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Jornalismo. As universidades têm até 2015 para se adequar às novas diretrizes.

IHU On-Line – A proposição de novas diretrizes para o curso de Jornalismo foi uma iniciativa essencialmente do governo federal, que criou uma comissão técnica com este fim, ou foi fruto de um movimento mais amplo?

Sérgio Mattos – Constitucionalmente, compete ao Ministério da Educação a regulação e supervisão da educação superior no país, além de manter atualizadas as diretrizes que norteiam todos os cursos de graduação, incluindo-se aí também o de Jornalismo. Considerando que na última década várias profissões passaram por mudanças, principalmente o Jornalismo, fazia-se necessário a revisão das diretrizes curriculares, como já havia ocorrido com outros cursos também, buscando o aprimoramento do processo de formação do jornalista. Não se pode negar, no entanto, que, além do governo federal, o FNPJ, a FENAJ, a Enecos e a SBPJor, entre outros, vinham já há algum tempo apontando a necessidade da melhoria da qualidade do ensino superior de Jornalismo e a definição de critérios para normatizar a abertura, credenciamento, renovação e avaliação de novos cursos de Jornalismo. E assim uma comissão de especialistas da área, sob a presidência do professor José Marques de Melo, foi constituída pela Secretaria de Educação Superior – Sesu para subsidiar o MEC na revisão das diretrizes, que, depois de várias audiências públicas e reuniões, teve o texto final das propostas das novas diretrizes, síntese do consenso, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação e homologado pelo ministro da Educação, em 2013. A partir da homologação, os cursos de graduação em Comunicação com Habilitação em Jornalismo e os de Jornalismo passam a ser regidos pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Jornalismo, bacharelado.

IHU On-Line – Há diferenças substanciais entre as antigas e as novas diretrizes no que se refere ao perfil de profissional a ser formado pelas universidades e faculdades de Jornalismo? Qual é o perfil profissional desejado para o jornalista de nossos dias?

Sergio Mattos – De certa forma sim, mas não por culpa das diretrizes anteriores, mas pela descaracterização do próprio curso ao longo do percurso histórico e devido às mudanças tecnológicas. Textualmente, o perfil do egresso no Curso de Jornalismo “é o jornalista profissional diplomado, com formação universitária ao mesmo tempo generalista, humanista, crítica e reflexiva. Esta formação o capacita a atuar como produtor intelectual e agente da cidadania, dando conta, por um lado, da complexidade e do pluralismo característicos da sociedade e da cultura contemporâneas e, por outro, dos 17 fundamentos teóricos e técnicos especializados. Dessa forma, terá clareza e segurança para o exercício de sua função social específica no contexto de sua identidade profissional singular e diferenciada dentro do campo maior da Comunicação”.

Dentro deste perfil destacam-se as competências cognitivas, pragmáticas e comportamentais. Sintetizando as três competências, poderíamos dizer que, em termos cognitivos, além de conhecer a história, os fundamentos e os cânones profissionais do Jornalismo, o jornalista deve compreender as especificidades éticas, técnicas e estéticas do Jornalismo, além de discernir os objetivos de funcionamento de todas as instituições e as influências do contexto no qual o exercício do Jornalismo é praticado. Da mesma forma reduzida, no que se refere às competências pragmáticas, podemos destacar que espera-se do jornalista que saiba contextualizar, interpretar e explicar informações atuais, agregando-lhes elementos da realidade. Espera-se que o jornalista saiba propor, planejar, executar e avaliar projetos na área, além de dominar metodologias jornalísticas de apuração, depuração, aferição, produção, edição, difusão e conhecer conceitos e dominar técnicas dos gêneros jornalísticos; além disso, dominar linguagens midiáticas, formatos discursivos e o instrumental tecnológico – hardware e software – utilizado na produção jornalística.

No que se refere às competências comportamentais, destacaria a necessidade de que o profissional identifique, estude e analise as questões éticas e deontológicas do Jornalismo, bem como conheça e respeite os princípios éticos e as normas deontológicas da profissão e que saiba avaliar, a partir dos valores éticos, as razões e os efeitos das ações jornalísticas. Concluindo esta resposta, diria que o profissional de Jornalismo que se espera hoje é aquele que saiba lidar com todos os recursos técnicos à sua disposição e que preste um serviço de qualidade à sociedade, garantindo aos cidadãos o direito de ser informado corretamente.

IHU On-Line – Na sua avaliação, qual a qualidade do ensino oferecido atualmente nos cursos de Jornalismo?

Sérgio Mattos – De acordo com dados estatísticos do MEC existem 546 cursos de Jornalismo no país, sendo que destes 463 são oferecidos por instituições privadas. Na primeira década deste milênio ocorreu uma proliferação de cursos, que foram criados sem que a maioria deles possuísse um corpo docente capacitado e qualificado (com mestres e doutores), o que acabou contribuindo para a queda da qualidade dos cursos e, por consequência, do nível dos profissionais que chegavam ao mercado, completamente despreparados. Naturalmente que há instituições que primam pelo ensino de qualidade, o que não acontece com a maioria dos cursos existentes. E se considerarmos que nos dias atuais o exercício do Jornalismo está cada vez mais complexo, exigindo do jornalista não só habilidades profissionais, mas também um conhecimento da cultura e da tecnologia vigente, diria que os cursos de Jornalismo precisam ser repensados com urgência e que os métodos de avaliação desses cursos sejam mais rigorosos para que continuem atuando no mercado. Acredito que as novas diretrizes, que não engessam os cursos, atendem plenamente as necessidades atuais se forem cumpridas. A flexibilidade curricular possibilita que os cursos se adéquem às realidades regionais e globais simultaneamente. Isto porque as diretrizes esboçam princípios norteadores que garantem a autonomia das universidades para organizar seus respectivos projetos pedagógicos.

IHU On-Line – Que relação as escolas de Jornalismo devem estabelecer entre uma formação mais técnica, relacionada à operação de equipamentos e ao domínio de uma estética narrativa específica, e uma formação teórica mais global, crítica e humanista? Como se dá o equilíbrio entre estas duas posições nos dias de hoje?

Sérgio Mattos – Atualmente os cursos de Jornalismo apresentam um desequilíbrio entre as disciplinas teóricas e práticas, enquanto as novas diretrizes com seus seis eixos fundamentais (Eixo de fundamentação humanística, Eixo de fundamentação específica, Eixo de fundamentação contextual, Eixo de formação profissional, Eixo de aplicação processual e Eixo de prática laboratorial) oferecem todas as alternativas para que os cursos alcancem este equilíbrio. As matrizes curriculares dos cursos devem ser construídas a partir desses eixos, o que vai garantir, de certa forma, o equilíbrio na oferta das disciplinas, oferecendo uma formação mais atualizada e conectada com o cenário contemporâneo. O texto das diretrizes que foi aprovado ressalta a importância da integração entre teoria e prática, estabelecendo que os alunos devem, desde o primeiro momento do curso, estabelecer contato com o mundo real, com fontes, profissionais e com o público, pois só assim eles vão aprender a lidar com a realidade e seus respectivos problemas. Para que se alcance também este equilíbrio é necessário que a base das matrizes curriculares seja a interdisciplinaridade.

IHU On-Line – A formação acadêmica deve ser pautada pelas demandas do mercado? Que papel as universidades devem desempenhar neste contexto?

Sérgio Mattos – Este é um tema polêmico, pois há aqueles que defendem que sim e outros que não. Tanto um grupo como o outro possuem argumentos fortes e têm certa razão. No entanto, sob o meu ponto de vista, as universidades devem formar cidadãos em várias carreiras profissionais para atuar na sociedade. No caso do Jornalismo, devemos formar jornalistas que vão atuar no mercado, ou como empreendedores, mas com o foco voltado para o interesse público e a defesa dos direitos humanos. A formação acadêmica deve confirmar o compromisso do Jornalismo com a liberdade de expressão. De certa forma, a universidade, a academia, na área da comunicação, tem estado muito distante do mercado, e precisamos dialogar um pouco mais, nos aproximar um pouco mais, quebrando algumas barreiras para que haja uma melhor sintonia entre a academia e o mercado. Não vejo obstáculos ao diálogo no sentido de melhorarmos os produtos, os conteúdos e a formação do próprio jornalista, tendo em vista a necessidade de se prestar um melhor serviço à comunidade.

Digo isto porque o Jornalismo, como espaço público de debates, tem que cumprir um papel cada vez mais importante nos processos sociais, atuando como suporte na construção da democracia.

As universidades devem seguir um modelo mais aberto e menos engessado, se abrindo mais e interagindo com as comunidades onde seus formandos vão atuar, exercendo a cidadania, cada qual num ramo, numa especialização, numa carreira definida, que pode ser a Medicina, a Engenharia ou o Jornalismo. Por que se questiona a formação do jornalista em relação ao mercado e não se questiona esta relação com nenhuma outra profissão? Por acaso quando um médico ou engenheiro é diplomado andam perguntando se a formação acadêmica deles deve ser pautada pelo mercado ou não? Quantos cursos de Engenharia são abertos e totalmente voltados para o mercado, para a indústria automotiva, para a metalurgia, polo petroquímico, etc.? Acredito que, se a universidade oferecer uma boa formação acadêmica, ela pode contribuir para melhorar os serviços públicos prestados pelo Jornalismo e o jornalista vai poder exercer melhor sua cidadania.

IHU On-Line – A formação oferecida nos cursos contempla a complexidade das relações que permeiam a comunicação na sociedade atual?

Sérgio Mattos – Estamos vivendo uma verdadeira revolução tecnológica que está impondo e modificando uma nova ordem nas relações humanas, e a formação oferecida nos cursos de Jornalismo deve se adaptar aos novos tempos. Como disse Carlos Chaparro, também um dos membros da comissão de especialistas do MEC, no artigo intitulado “Jornalismo – Linguagem e espaço público dos conflitos da atualidade”, “em tal cenário, urge clarear conceitos plurais – interativamente éticos, técnicos, estéticos – para uma nova compreensão do Jornalismo, que terá de assumir, como predominante, a vocação do espaço público confiável e de linguagem narro-argumentativa eficaz para a expressão, a viabilização e a elucidação dos confrontos discursivos das ações humanas, na dinâmica da atualidade”.

IHU On-Line – Qual o impacto das redes sociais e da internet na produção e no conhecimento jornalísticos?

Sérgio Mattos – A passagem do sistema analógico para o digital provocou transformações no campo da comunicação e na prática da produção jornalística. A tecnologia digital contribuiu diretamente para que a informação pudesse ser processada automaticamente e em larga escala, com alto grau de precisão, além de ter influenciado no processo de armazenamento e recuperação de informações, reduzindo inclusive os custos de produção dos veículos. Com a tecnologia digital, que integra processo de produção e difusão da notícia, sistemas e redes interativas, surgiu uma linguagem capaz de integrar, transmitir numa mesma mensagem áudio, texto, fotos, vídeos e gráficos interativos pelo mesmo método, facilitando o sistema de busca da informação.

Na produção jornalística, a tecnologia digital agilizou também a apuração de pautas devido ao acesso à informação proveniente de múltiplas fontes. Da mesma forma que a prática jornalística vem sendo atingida pelas tecnologias digitais, devido às possibilidades de interatividade e participação dos cidadãos, o ensino do Jornalismo também já começa a sentir os efeitos, apontando para a necessidade dos cursos de Jornalismo repensarem a forma como devem habilitar seus alunos dentro desse novo contexto. Um contexto no qual o profissional de Jornalismo já está trabalhando em redações híbridas, graças à convergência midiática, produzindo conteúdos, simultaneamente, para vários veículos e em diferentes plataformas.

 *Entrevista originalmente publicada no site Instituto Humanitas Unisinos – IHU
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