ABI BAHIANA

A Bahia se despede do jornalista João Carlos Teixeira Gomes, ‘O Pena de Aço’

Por I’sis Almeida e Joseanne Guedes

O escritor, poeta e jornalista João Carlos Teixeira Gomes, membro da Academia de Letras da Bahia, faleceu na noite desta quinta-feira (18/6), aos 84 anos, após falência múltipla de órgãos. A cerimônia de despedida acontece hoje (19) no Bosque da Paz, de maneira restrita por causa dos protocolos adotados durante a pandemia do novo coronavírus. Amigos e colegas de profissão utilizam as redes sociais desde o início da manhã para manifestar pesar e prestar diversas e merecidas homenagens a Joca, como era conhecido. Nascido no dia 5 de março de 1936 em Salvador-Ba, “O Pena de Aço” se diplomou em 1961 em Ciências Jurídicas e Sociais. Em 1973, ingressou no Mestrado em Letras do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA). João Carlos é um dos nomes mais importantes da história da imprensa baiana, notabilizado, sobretudo, pelo firme enfrentamento à ditadura militar enquanto dirigiu a redação do Jornal da Bahia.

As mais de cinco décadas de atuação de Joca foram reverenciadas com o documentário “A luta pela liberdade de expressão”, lançado em 2018. O filme idealizado pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), como parte das comemorações ao Dia do Jornalista naquele ano, foi dirigido pelo cineasta Roberto Gaguinho, falecido em março deste ano. A sessão especial de estreia do documentário contou com jornalistas, professores e profissionais ligados à área cultural, além dos diretores da ABI, entre os quais estão amigos pessoais de Joca, como os jornalistas Agostinho Muniz e Geraldo Vilalva. Neste dia, foi registrado um de seus últimos pronunciamentos públicos. Ele relatou com a verve de sempre os principais fatos que marcaram sua brilhante carreira.

O Pena de Aço relembrou momentos marcantes de sua carreira

“Eu digo com muito orgulho que o que sempre distinguiu a minha carreira jornalística foi a coragem de defender a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a liberdade de pensamento – três bens essenciais da vida humana na sociedade. Essa homenagem que me presta hoje a ABI significa um momento culminante na minha carreira profissional. É uma alegria estar aqui recebendo homenagem tão expressiva, tão marcante, que poucos jornalistas do Brasil podem merecer”, afirmou Joca, durante o evento de exibição (relembre aqui). Três anos antes, igualmente emocionante foi o seu depoimento à Comissão da Verdade, em 21 de maio de 2015, também na sede da ABI, quando pode detalhar as ameaças, pressões e processos sofridos na ditadura, “pela sublime tarefa de dizer a verdade”.

“Vai-se mais uma lenda do nosso jornalismo. Joca deu vazão às suas inquietudes, ocupando-se de inúmeras atividades, todas elas de engrandecimento à imprensa, à cultura, educação e à defesa das liberdades”, destaca Walter Pinheiro, presidente da ABI. “A Bahia chora a passagem deste seu filho ilustre, e a ABI em especial, esperando que seus múltiplos e valorosos exemplos possam vir a iluminar os caminhos das novas gerações”, lamentou o dirigente. Pinheiro lembra a trajetória de Joca e conta uma curiosidade sobre o amigo. “Seu pai foi o primeiro goleiro do Esporte Clube Bahia, clube que Joca torceu ferrenhamente por toda a vida, citando inclusive que sua paixão veio dos pais que se conheceram num jogo do Bahia”, disse.

Ao longo de sua trajetória, Joca lançou a campanha “Não deixe esta chama se apagar”,  para assinaturas solidárias e doações a fim de manter, na época, o Jornal da Bahia circulando. “Pode ser entendida, essa campanha, como a primeira iniciativa de financiamento coletivo da história da imprensa baiana, muito antes das redes sociais, quando só havia telefone – grampeados”, explica Ernesto Marques, vice-presidente da ABI. A hemeroteca da instituição guarda em seu acervo a edição do Jornal da Bahia, onde a campanha de financiamento foi lançada.

“Ele foi o meu primeiro redator-chefe, quando eu trabalhei no Jornal da Bahia, em 1963. Era uma pessoa muito exigente, às vezes, me chamava no aquário onde ele trabalhava para mostrar pequenos erros, fosse de português ou de interpretação dos fatos. Nunca uma reportagem minha saiu sem passar pelo seu crivo e de Florisvaldo Mattos, que era meu copydesk”, recorda o jornalista Geraldo Vilalva, editor-chefe do extinto Bahia Negócios. “Joca foi um grande chefe, uma pessoa amável, culta e bem preparada. Meus sentimentos e meu amor pela pessoa que me ajudou muito no começo da minha carreira no jornalismo”, reconhece o ex-diretor da ABI.

Saudade

João Carlos Teixeira Gomes integrou um grupo de jovens escritores e intelectuais que ficaria conhecido como a “Geração Mapa”, junto com o cineasta Glauber Rocha, o jornalista e professor Florisvaldo Matos e o pintor Calasans Neto. Ele lecionou na Escola de Biblioteconomia e Documentação da UFBA e, posteriormente, na Faculdade de Comunicação, alternando a regência de disciplina de literatura e jornalismo. “O Pena de Aço” não formou apenas jornalistas, muitos deles se tornaram parte de seu ciclo de amizades. Este é o caso Olivia Soares, jornalista da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) formada pela UFBA, quando o instituto de Comunicação “ainda era EBC, Escola de Biblioteconomia e Comunicação”, recorda. Amiga de Joca há mais de três décadas, ela frequenta os famosos “senadinhos” do Shopping Barra, onde decanos da comunicação baiana, como João Carlos Teixeira Gomes, costumam se reunir.

“Tristeza infinda ter que me despedir do grande amigo João Carlos Teixeira Gomes, Joca, ‘O Pena de Aço’ (apelido que ele amava). O maior Jornalista que conheci na vida, de altíssima magnitude. Escritor consagrado, sonetista e ensaísta, estimado por uma legião de admiradores. Amante da música clássica, do cinema e das artes em geral”, declara Olívia à ABI. “Um homem corajoso, enfrentou poderosos na época do Jornal da Bahia chegando, inclusive, aos tribunais pelo direito à liberdade de expressão e contra a tirania. Um Valente!”, expressa com orgulho a jornalista. Segundo Olívia, Joca fez um pedido há muitos anos. “Ele me pediu: ‘quando eu morrer, coloque a bandeira do Bahia e um cartaz dizendo: Joca, O Pena de Aço, sobre meu caixão’”, relata Olivia. E o pedido será atendido. “Já providenciamos a homenagem”, afirmou o Esporte Clube Bahia, em nota de pesar divulgada no início da manhã.

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Foto: Dimitri Ganzelevitch

“Joca foi bem maior do que o personagem que o organismo político o transformou. ‘Ele realizou todos os sonhos que teve’. Ouvi essa sentença numa recente conversa sobre ele”, afirma Luís Guilherme Pontes Tavares, diretor da ABI. “Fui seu aluno e um dos signatários do manifesto de solidariedade a ele quando enfrentou o Tribunal Militar, no início da década de 1970. Ele foi ativo como poucos e prosseguiu escrevendo em jornal mesmo depois que se encerrou o memorável capítulo que escreveu à frente da história da Imprensa da Bahia. Quando passou a colaborar com A Tarde, fui seu leitor regular e aumentava a atenção quando ele publicava crônicas de viagem. Como esquecer a viagem no Expresso Transiberiano e o relato das etapas cumpridas? E a viagem a Israel? Há muitas outras lembranças e isso atesta o quando foi enriquecedora a passagem dele neste mundo, destaca o jornalista.

João Carlos Teixeira Gomes publicou inúmeros títulos, entre eles, “Gregório de Mattos, o Boca de Brasa”; Camões Contestador e Outros Ensaios e de Glauber Rocha – Esse Vulcão. Seu último livro foi publicado em 2018, chamado “A arca dos tesouros” onde reúne crítica literária, poemas e sonetos. Serviu ao Estado como Coordenador da Secretaria de Comunicação. Como jornalista e na qualidade de convidado de governos e instituições estrangeiras, visitou por duas vezes os Estados Unidos, o Chile, Portugal, Angola e Moçambique, tendo participado, em 1972, em Boca Ratón, na Flórida, de um seminário internacional sobre expansão demográfica, quando pode relatar suas experiências na Bahia e no Brasil. Estendeu suas viagens de estudos a outros países da América do Sul e da Europa. Foi também Coordenador do Sistema de Comunicação Social do Governo Waldir Pires e, também, foi Diretor do Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia.

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Artigo: Sergipanos presentes na Seleção Baiana que disputou a Taça O´Higgins de 1957

Por Antônio Matos*

Pouca gente sabe (ou se lembra) que três jogadores sergipanos, no longínquo 1957, integraram o enxuto elenco do Brasil, representado pela Seleção Baiana, na disputa da II Taça O’Higgins, em duas partidas contra o Chile, no estádio Nacional, em Santiago.

Albertino, goleiro, Nelinho, zagueiro de área pela esquerda, e Lia, meia armador, todos pertencentes ao Vitória, foram convocados pelo técnico Pedrinho Rodrigues – na época, também dirigindo o time rubro-negro – para participar daquela jornada de tamanha importância para o futebol nordestino. Dos três, Agnelo Corrêia dos Santos, o Nelinho, nascido em Propriá, era, na verdade, o que tinha mais prestígio, sendo titular absoluto nos dois jogos diante dos chilenos, formando dupla de zaga com Walder (Fluminense de Feira) e com Henricão (Bahia).

Leia também: “Heróis de 59” homenageia o Bahia e resgata momento histórico do futebol brasileiro

Aos 24 anos e já com experiência, após algumas temporadas no Botafogo (Ba), ele se destacava na equipe do Vitória, que seria, naquele ano, campeão estadual pela terceira vez na era profissional. Em 1960, com fama de melhor zagueiro do Nordeste, teve o passe negociado para o Flamengo. Lá, foi vítima de um boicote, liderado por Jadir (que acabara na reserva com a sua contratação) e o apoio de alguns companheiros. Apesar disso, ficou na Gávea até o ano seguinte, fazendo 30 jogos –ganhou 17 vezes, empatou quatro e teve nove derrotas – e, no seu já conhecido estádio Nacional, atuando pelo Mengo, foi escolhido, pela mídia de Santiago, como o maior nome do Torneio Hexagonal do Chile.

Voltou para o Vitória e se sagrou bicampeão estadual em 1964 e 1965, transferiu-se para o Galícia, ganhando o título baiano de 1968, regressou, mais uma vez, ao Vitória e encerrou a carreira no Leônico. Craque também fora do campo, exímio alfaiate, Nelinho morreu em Salvador, aos 77 anos, em 4  de maio de 2011. Titular do Vitória, mas reserva na Seleção Brasileira, Gilberto Trindade, o Albertino, participou apenas do período final da prorrogação do segundo jogo com o Chile, ao substituir Periperi (Fluminense), machucado seriamente por conta da entrada violenta de um desleal adversário.

Com o time recuado, procurando manter o empate de 0 x 0, que lhe garantiria o título, e abalado com a contusão do eficiente Periperi, Albertino acabou marcado por sofrer um gol polêmico – teria havido um toque de mão do ponta direita Musso, não visto pelo juiz Danor Morales, depois do cruzamento de Meléndez e antes da complementação, de cabeça, de Fernández – no finalzinho do tempo extra e que deu a taça aos chilenos.

Boêmio e, embora nascido em Aracaju – em 9 de outubro de 1931 – gabava-se de conhecer, como poucos, as noites de Salvador, notadamente as do centro antigo da cidade. Aos 24 anos, assumiu o gol do Vitória em 1956, após Nadinho, mais tarde campeão da I Taça Brasil, pelo Bahia, ter o passe vendido para o Bangu. Campeão estadual, em 1957, mudou-se, dois anos depois, para o São Paulo, numa fase pré-Morumbi.

Ali, permaneceu durante as temporadas de 1959 (seis jogos), 1960 (30 jogos) e 1961 (dois jogos), sempre à sobra do titular Poy, quando foi negociado para o América, do México, presidido pelo empresário Emílio Azcárraga, proprietário da Televisa, gigante da televisão no país.

Baixinho, negro, com um corte de cabelo à la Pelé, com um caprichado pimpão, o meia Lia era um grande jogador, armador inteligente e homem de confiança do treinador Pedrinho Rodrigues no Vitória. Na Seleção Brasileira, entretanto, ficou na suplência de Otoney (Bahia), craque de bola e que chegou a entrar, ao lado de Mattos (Vitória), terminada a Taça O’Higgins, numa lista preliminar de convocação da então CBD, para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia.

Com passagens pelo Contiguiba e Sergipe, o aracajuano Eliezer Lisboa Santos, descoberto pelo técnico Sotero Monteiro, em meados dos anos 50, veio para Salvador, a fim de defender o Ypiranga. Posteriormente contratado pelo Vitória, conquistou, ao lado de Nelinho e Albertino, o título estadual de 1957, integrando um ataque matador, que tinha ainda Enaldo, Teotônio, Mattos e Salvador.

Encerrada a carreira, voltou a Aracaju e ingressou na Polícia Civil, como investigador. Diabético, morreu cego, aos 86 anos, em 10 de novembro de 2018, decorrente de uma enfermidade que enfrentou por longos 15 anos. Lia está sepultado no Cemitério São João Batista, na capital sergipana.

*Antônio Matos, jornalista e delegado de Polícia, é autor do livro ‘Heróis de 59’, que narra a conquista da I Taça Brasil pelo Bahia. <[email protected]>.

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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Produção jornalística de Luiz Gama é tema de evento da ABI

“Qual é verdadeiramente e onde encontrar a ‘obra’ de Luiz Gama?”, “como ele se ‘põe em cena’ e se revela em seus textos?”. Essas perguntas aparentemente simples guiaram as investigações da professora doutora Ligia Fonseca Ferreira sobre o advogado, poeta e jornalista Luiz Gama. Em seu novo livro, “Lições de resistência”, a escritora reúne o fruto de três anos de garimpo pelos artigos publicados pelo abolicionista baiano, entre 1864 e 1882, na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nesta quinta-feira (18), às 18h, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) vai receber a autora numa live com transmissão pelo Facebook @abi.bahia (aqui). O evento online comemora os 190 anos do nascimento de Luiz Gama, celebrados no próximo dia 21 de junho.

Desde o início da década de 90, quando ainda fazia sua pesquisa de doutorado, a professora persegue o propósito de oferecer a oportunidade de se ouvir a palavra de Luiz Gama, de apreciar sua subjetividade, o seu discurso. “Constatei que havia mais escritos sobre Luiz Gama – muitas vezes incompletos, ficcionais e sobretudo pouco fidedignos – do que obras de Luiz Gama disponíveis”, observa. Ela destaca, inclusive, que até um de seus célebres poemas, “Quem sou eu?”, é chamado inapropriadamente “Bodarrada”, como forma depreciadora para se referir ao negro.

Segundo Ligia Ferreira, nessa época, “era relativamente conhecida a história de vida de Luiz Gama”, recheada de episódios dramáticos: nascido livre em 1830, em Salvador, filho da mítica Luiza Mahin, vendido pelo pai branco aos 10 anos como escravo, condição em que chegou a SP em 1840, onde viveu até o final da vida. Gama viveu oito anos escravizado até recuperar, de forma sigilosa, as provas de ter nascido livre; não frequentou escolas, começou a aprender e a ler aos 17 anos de idade; tornou-se autodidata e, num destino improvável para um negro, ex-escravizado, numa sociedade imperial e escravocrata, tornar-se-ia renomado abolicionista, um libertador.

No entanto, para ela, não fazia sentido se debruçar sobre sua biografia, investigar sua afro-descendência, “contar suas realizações literárias, citar trechos de seus escritos, se não lhe conhecêssemos a obra já em vida consagrada”, e que ainda continua a ser descoberta e publicada, como é o caso de muitas crônicas. “Logo tive a convicção de que, mais importante do que sua espantosa biografia, seu principal legado eram seus escritos e eu precisaria encontrá-los”, recorda.

O livro está disponível na versão digital desde o início do mês de maio | Foto: Divulgação

O novo livro Lições de resistência. Artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro (1864-1882), disponível desde o início de maio em e-book (aqui), é um antigo sonho de Ligia Ferreira, realizado graças ao selo Edições SESC São Paulo, que abraçou o projeto pela coerência com sua linha editorial de divulgação de obras para o conhecimento da história e das culturas africana e afro-brasileira. Com prefácio assinado pelo historiador e jornalista Luiz Felipe Alencastro, a obra traz uma vasta “Cronologia” do autor e do contexto histórico nacional e internacional; um “Apêndice” com cinco cartas de Luiz Gama, reproduzidas no volume por conterem elementos que as colocam em diálogo com alguns artigos.

No ano de 1871, por exemplo, em carta ao conterrâneo Rui Barbosa que estava doente em Salvador, Gama faz uma breve, porém significativa menção a suas origens, denotadora do apego a sua terra natal, do sentimento de “ser baiano”, a despeito do olhar crítico sobre a política na província:

“Ao escrever essas linhas, enche-se-me o coração de tristeza pelo tristíssimo papel que está representando a nossa cara terra, que hoje se deve chamar – Bahia de todos os servos -. Quem outrora admirou-a, que a deplore hoje…”

A pesquisa para o livro consistiu em levantar, em acervos digitais e físicos, artigos de autoria de Luiz Gama, comprovada por sua assinatura, que tratassem de três eixos principais: escravidão, questões de liberdade, republicanismo. Ela explica que, para manter a coerência deste recorte temático, foi preciso deixar de fora muitos artigos que versavam sobre assuntos diversos. Ligia Ferreira esperava, no mínimo, dobrar o número de artigos conhecidos publicados em Com a palavra Luiz Gama. E para a sua surpresa, foram encontrados 61 textos, sendo 42 inéditos.

O evento realizado pela ABI, por iniciativa do diretor Luís Guilherme Pontes Tavares, tem como anfitrião o presidente da entidade, Walter Pinheiro, e conta com a apresentação da comunicadora I’sis Almeida, bacharel interdisciplinar em Artes e graduanda de jornalismo pela UFBA. Ligia Ferreira trará uma importante contribuição para entender o que a obra de Gama teria a nos dizer sobre seu espantoso letramento, sobre a construção de sua cultura literária, jurídica e política, sobre sua engenhosa arte, sobre as estratégias mobilizadas por um negro e ex-escravizado que conquistou o saber e a palavra. “Eu espero ser uma simples ‘mestre de cerimônias’, fazendo ecoar a voz de Luiz Gama, a fim de que ele se sinta carinhosamente abraçado pelos jornalistas baianos”, afirma a pesquisadora. A autora aguarda agora a finalização da versão impressa da obra.

Desvendando Luiz Gama

Na Universidade de Paris 3, onde foi fazer doutorado, Ligia Ferreira afirma ter tido “a sorte de contar com um orientador que anteviu a grandeza de Luiz Gama e ajudou-me a navegar por novos mares”. Era Monsieur Georges Boisvert, historiador e lusitanista, professor emérito da Sorbonne e um dos principais tradutores de Jorge Amado na França. Encantado com Luiz Gama, ele assegurou que abordar novos ângulos de sua vida e encontrar elementos inéditos de sua obra, preencheria plenamente os requisitos para realizar a tese.

O desenhista ítalo-brasileiro Angelo Agostini retrata Luiz Gama | Reprodução

Ligia, então, encarou uma missão que pareceu impossível: localizar e cotejar, e em seguida analisar e comentar fontes relativas à produção literária e jornalísticas de Luiz Gama. “Luiz Gama, intelectual autodidata, repetiu a trajetória de muitos letrados, numa época em que literatura, política e jornalismo andavam juntas, aliás, não só no Brasil. Aqui temos o caso do próprio Machado, de Alencar, Bilac. Na França, Victor Hugo e  Zola, por exemplo”, destaca. Não fez parte dos seus trabalhos a consulta a peças relativas à atuação jurídica de Gama. “Esses documentos foram examinados em importantes trabalhos, produzidos desde o final dos anos 1990”, justifica.

A pesquisadora conseguiu localizar na biblioteca particular do bibliófilo José Mindlinum exemplar da rara 1ª edição das Primeiras Trovas Burlescas de Getulino (São Paulo, 1859) e também da 2ª, publicada no RJ em 1861. “Embora referidos em pesquisas e bibliografias, poucos tiveram acesso a essas edições fundamentais para se ter uma visão completa da produção poética de Luiz Gama, e dos próprios objetos “livros”, que mostraram muito mais do que os poemas de Luiz Gama. Foi um achado maravilhoso”. Os exemplares serviram de base para a organização da edição da obra integral do poeta em Primeiras Trovas Burlescas e outros poemas de Luiz Gama (2000).

Em 2011, organizei Com a palavra Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas, volume inédito, no qual foram incluídos todos os artigos jornalísticos que foi possível levantar até aquele momento (dezenove), o mesmo valendo para um  pequeno conjunto de cartas (cinco), dentre elas uma carta ao jovem Rui Barbosa, datada de 16 de abril de 1871, “querido amigo baiano que dele se aproximou durante seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo, além de pertencerem ambos à Loja Maçônica América, dedicada à libertação de escravizados, e onde Rui fortalece suas convicções abolicionistas”, conta Ligia Ferreira.

Luiz Gama, o jornalista

Embora possua formação em Letras, Ligia Ferreira cursou três anos de Jornalismo. De acordo com a professora, Luiz Gama revela-se um mestre da narrativa jornalística, à qual imprime seu estilo pessoal, quase sempre colocando-se em primeira pessoa, interpelando e provocando seus leitores, quando figura ele mesmo como personagem de alguma matéria. “A leitura de seus escritos é de surpreendente atualidade”, ressalta.

Segundo ela, os artigos denunciam o racismo institucional, pregam valores antirracistas pelos quais boa parte do mundo inteiro se mobiliza hoje. “É fundamental dar visibilidade a sua atuação num campo ao qual se dedicou com ardor e paixão, e preencher, assim, uma lacuna na história da imprensa brasileira”. É essa a contribuição que Ligia espera dar neste novo livro, dedicado Luiz Gama que, pouco depois de sua morte, foi saudado por seus pares como um “trabalhador incansável do jornalismo”.

“Eu desejava mais do que ler ‘trechos’ dos artigos, nos quais antevia o talento, a voz singular, a influência do jornalista Luiz Gama. Queria compreender o contexto histórico, social e político naquele momento de tensões, transições e “polarizações”, como se diz hoje”, conta. Compreender suas redes de sociabilidade bem como os conflitos e inimizades presentes no campo sempre minado de defesa de um outro regime e de uma ordem que garantisse a Liberdade em amplo espectro: para Luiz Gama, a primeira delas, e que ele conheceu na pele, a liberdade dos escravizados, as liberdades individuais e o precioso bem, para aquele intransigente democrata, a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa.

A autora

Foto: Divulgação

Ligia Fonseca Ferreira é professora do Departamento de Letras da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo. Bacharel em Letras e Linguística pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em ciências da linguagem (análise do discurso jornalístico) na Universidade de Paris 13. Possui doutorado pela Universidade de Paris 3 – Sorbonne, com tese sobre a vida e a obra de Luiz Gama. Publicou vários trabalhos inéditos sobre o tema. É autora-organizadora da edição crítica da obra poética integral do autor em Primeiras Trovas Burlescas & outros poemas (Martins Fontes, 2000), da antologia Com a palavra Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas (Imprensa Oficial, 2011, 2018, 2019). Acaba de lançar Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, 1864-1880 ( Edições do SESC, 2020). É membro dos grupos de pesquisa “Diálogos Interculturais” e “Relações Culturais Brasil-França” do Instituto de Estudos Avançados da USP e do NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UNIFESP.

Livros de Ligia Fonseca Ferreira:

Primeiras Trovas Burlescas & outros poemas de Luiz Gama. Edição, introdução e notas Ligia Fonseca Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2000, 388 páginas com ilustrações.

Com a palavra Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas. Organização, apresentações, notas Ligia Fonseca Ferreira. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011 (2018, 2019). 301 páginas com ilustrações.

Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro. Organização, introdução e notas : Ligia Fonseca Ferreira. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2020, 392 páginas com ilustrações.

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UFRB promove debate sobre o jornalismo na cobertura de crises

No próximo dia 15 de junho (segunda-feira), o Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), reúne jornalistas experientes e professores no debate online “O jornalismo na cobertura de crises”. A iniciativa é do Grupo de Estudos e Pesquisa em Culturas, Política, Mídia e Cotidiano (CPMC/CAHL). O evento acontece pelo youtube, através do canal Nó Cego (neste link) , às 14h30.

Além do jornalista Bob Fernandes, o debate terá a participação de Ernesto Marques, 1º vice-presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI); Moacy Neves, presidente do Sinjorba; e Guilherme Fernandes, professor do curso de Curso de Comunicação /Jornalismo, no CAHL/URFB. A mediação é por conta do jornalista Luiz Nova, coordenador do CPMC e professor da instituição no campus dos municípios de Cachoeira e São Félix.

De acordo com Luiz Nova, a pretensão desta live é “destacar a experiência do jornalista Bob Fernandes, possibilitando uma conversa sobre o Jornalismo na atualidade, seus desafios e possibilidades em momento de crises diversas como estamos vivenciando”. Como iniciativa de um grupo de pesquisa, é também objetivo do debate “proporcionar aos estudantes e à comunidade um conhecimento crítico que lhes permita uma relação mais objetiva com as notícias e as disputas de narrativas, que representam”, conclui o coordenador.

O CPMC integra a Rede de Temas Insurgentes em Universidades Públicas da Bahia, registrada no CNPq, que articula programas de Pós-Graduação e Grupos de pesquisas de nove das dez universidades sediadas no Estado e um Instituto Federal (UFBA, UFRB, UNIVASF, UFSB, UNILAB, UNEB, UEFS, UESB, UESC e IF Baiano). A Rede tem três linhas de pesquisa e procura contribuir com projetos de pesquisa, práticas de ensino e de extensão, articulando noções de insurgência epistemológica, potencializando a conexão das realidades locais com o contexto geral. Assim, entende o ato de conhecer como força problematizadora e desativadora de dispositivos e relações “entre formas de saber e de poder engendradas pelo capitalismo predatório e seus valores crepusculares e em agonia”, conforme registra o portal da UFRB.

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