Por I’sis Almeida e Joseanne Guedes
O escritor, poeta e jornalista João Carlos Teixeira Gomes, membro da Academia de Letras da Bahia, faleceu na noite desta quinta-feira (18/6), aos 84 anos, após falência múltipla de órgãos. A cerimônia de despedida acontece hoje (19) no Bosque da Paz, de maneira restrita por causa dos protocolos adotados durante a pandemia do novo coronavírus. Amigos e colegas de profissão utilizam as redes sociais desde o início da manhã para manifestar pesar e prestar diversas e merecidas homenagens a Joca, como era conhecido. Nascido no dia 5 de março de 1936 em Salvador-Ba, “O Pena de Aço” se diplomou em 1961 em Ciências Jurídicas e Sociais. Em 1973, ingressou no Mestrado em Letras do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA). João Carlos é um dos nomes mais importantes da história da imprensa baiana, notabilizado, sobretudo, pelo firme enfrentamento à ditadura militar enquanto dirigiu a redação do Jornal da Bahia.
As mais de cinco décadas de atuação de Joca foram reverenciadas com o documentário “A luta pela liberdade de expressão”, lançado em 2018. O filme idealizado pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), como parte das comemorações ao Dia do Jornalista naquele ano, foi dirigido pelo cineasta Roberto Gaguinho, falecido em março deste ano. A sessão especial de estreia do documentário contou com jornalistas, professores e profissionais ligados à área cultural, além dos diretores da ABI, entre os quais estão amigos pessoais de Joca, como os jornalistas Agostinho Muniz e Geraldo Vilalva. Neste dia, foi registrado um de seus últimos pronunciamentos públicos. Ele relatou com a verve de sempre os principais fatos que marcaram sua brilhante carreira.
“Eu digo com muito orgulho que o que sempre distinguiu a minha carreira jornalística foi a coragem de defender a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a liberdade de pensamento – três bens essenciais da vida humana na sociedade. Essa homenagem que me presta hoje a ABI significa um momento culminante na minha carreira profissional. É uma alegria estar aqui recebendo homenagem tão expressiva, tão marcante, que poucos jornalistas do Brasil podem merecer”, afirmou Joca, durante o evento de exibição (relembre aqui). Três anos antes, igualmente emocionante foi o seu depoimento à Comissão da Verdade, em 21 de maio de 2015, também na sede da ABI, quando pode detalhar as ameaças, pressões e processos sofridos na ditadura, “pela sublime tarefa de dizer a verdade”.
“Vai-se mais uma lenda do nosso jornalismo. Joca deu vazão às suas inquietudes, ocupando-se de inúmeras atividades, todas elas de engrandecimento à imprensa, à cultura, educação e à defesa das liberdades”, destaca Walter Pinheiro, presidente da ABI. “A Bahia chora a passagem deste seu filho ilustre, e a ABI em especial, esperando que seus múltiplos e valorosos exemplos possam vir a iluminar os caminhos das novas gerações”, lamentou o dirigente. Pinheiro lembra a trajetória de Joca e conta uma curiosidade sobre o amigo. “Seu pai foi o primeiro goleiro do Esporte Clube Bahia, clube que Joca torceu ferrenhamente por toda a vida, citando inclusive que sua paixão veio dos pais que se conheceram num jogo do Bahia”, disse.
Ao longo de sua trajetória, Joca lançou a campanha “Não deixe esta chama se apagar”, para assinaturas solidárias e doações a fim de manter, na época, o Jornal da Bahia circulando. “Pode ser entendida, essa campanha, como a primeira iniciativa de financiamento coletivo da história da imprensa baiana, muito antes das redes sociais, quando só havia telefone – grampeados”, explica Ernesto Marques, vice-presidente da ABI. A hemeroteca da instituição guarda em seu acervo a edição do Jornal da Bahia, onde a campanha de financiamento foi lançada.
“Ele foi o meu primeiro redator-chefe, quando eu trabalhei no Jornal da Bahia, em 1963. Era uma pessoa muito exigente, às vezes, me chamava no aquário onde ele trabalhava para mostrar pequenos erros, fosse de português ou de interpretação dos fatos. Nunca uma reportagem minha saiu sem passar pelo seu crivo e de Florisvaldo Mattos, que era meu copydesk”, recorda o jornalista Geraldo Vilalva, editor-chefe do extinto Bahia Negócios. “Joca foi um grande chefe, uma pessoa amável, culta e bem preparada. Meus sentimentos e meu amor pela pessoa que me ajudou muito no começo da minha carreira no jornalismo”, reconhece o ex-diretor da ABI.
Saudade
João Carlos Teixeira Gomes integrou um grupo de jovens escritores e intelectuais que ficaria conhecido como a “Geração Mapa”, junto com o cineasta Glauber Rocha, o jornalista e professor Florisvaldo Matos e o pintor Calasans Neto. Ele lecionou na Escola de Biblioteconomia e Documentação da UFBA e, posteriormente, na Faculdade de Comunicação, alternando a regência de disciplina de literatura e jornalismo. “O Pena de Aço” não formou apenas jornalistas, muitos deles se tornaram parte de seu ciclo de amizades. Este é o caso Olivia Soares, jornalista da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) formada pela UFBA, quando o instituto de Comunicação “ainda era EBC, Escola de Biblioteconomia e Comunicação”, recorda. Amiga de Joca há mais de três décadas, ela frequenta os famosos “senadinhos” do Shopping Barra, onde decanos da comunicação baiana, como João Carlos Teixeira Gomes, costumam se reunir.
“Tristeza infinda ter que me despedir do grande amigo João Carlos Teixeira Gomes, Joca, ‘O Pena de Aço’ (apelido que ele amava). O maior Jornalista que conheci na vida, de altíssima magnitude. Escritor consagrado, sonetista e ensaísta, estimado por uma legião de admiradores. Amante da música clássica, do cinema e das artes em geral”, declara Olívia à ABI. “Um homem corajoso, enfrentou poderosos na época do Jornal da Bahia chegando, inclusive, aos tribunais pelo direito à liberdade de expressão e contra a tirania. Um Valente!”, expressa com orgulho a jornalista. Segundo Olívia, Joca fez um pedido há muitos anos. “Ele me pediu: ‘quando eu morrer, coloque a bandeira do Bahia e um cartaz dizendo: Joca, O Pena de Aço, sobre meu caixão’”, relata Olivia. E o pedido será atendido. “Já providenciamos a homenagem”, afirmou o Esporte Clube Bahia, em nota de pesar divulgada no início da manhã.
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“Joca foi bem maior do que o personagem que o organismo político o transformou. ‘Ele realizou todos os sonhos que teve’. Ouvi essa sentença numa recente conversa sobre ele”, afirma Luís Guilherme Pontes Tavares, diretor da ABI. “Fui seu aluno e um dos signatários do manifesto de solidariedade a ele quando enfrentou o Tribunal Militar, no início da década de 1970. Ele foi ativo como poucos e prosseguiu escrevendo em jornal mesmo depois que se encerrou o memorável capítulo que escreveu à frente da história da Imprensa da Bahia. Quando passou a colaborar com A Tarde, fui seu leitor regular e aumentava a atenção quando ele publicava crônicas de viagem. Como esquecer a viagem no Expresso Transiberiano e o relato das etapas cumpridas? E a viagem a Israel? Há muitas outras lembranças e isso atesta o quando foi enriquecedora a passagem dele neste mundo, destaca o jornalista.
João Carlos Teixeira Gomes publicou inúmeros títulos, entre eles, “Gregório de Mattos, o Boca de Brasa”; Camões Contestador e Outros Ensaios e de Glauber Rocha – Esse Vulcão. Seu último livro foi publicado em 2018, chamado “A arca dos tesouros” onde reúne crítica literária, poemas e sonetos. Serviu ao Estado como Coordenador da Secretaria de Comunicação. Como jornalista e na qualidade de convidado de governos e instituições estrangeiras, visitou por duas vezes os Estados Unidos, o Chile, Portugal, Angola e Moçambique, tendo participado, em 1972, em Boca Ratón, na Flórida, de um seminário internacional sobre expansão demográfica, quando pode relatar suas experiências na Bahia e no Brasil. Estendeu suas viagens de estudos a outros países da América do Sul e da Europa. Foi também Coordenador do Sistema de Comunicação Social do Governo Waldir Pires e, também, foi Diretor do Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia.
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