Na véspera de seu aniversário de 474 anos, a capital baiana recebeu uma homenagem da Associação Bahiana de Imprensa. A instituição promoveu, na manhã desta terça-feira (28/03), a abertura da Roda de Conversa “Salvador, 474 anos: Entre história, memória e luta”. O debate “Túnel para pedestres: Qual o impacto na mobilidade do Centro Histórico?” reuniu o arquiteto urbanista Paulo Ormindo, a engenheira Ilce Marília Dantas Pinto e o secretário municipal de Infraestrutura e Obras Públicas (SEINFRA), Luiz Carlos Souza.
No Auditório Samuel Celestino, no edifício-sede da ABI, profissionais da imprensa, pesquisadores e especialistas celebraram a cidade e debateram os aspectos técnicos do projeto, tocando em temas relativos à mobilidade urbana, inclusão e cidadania. O evento foi transmitido ao vivo pelo canal da ABI no Youtube (@abi_bahia) e pode ser assistido neste link – https://www.youtube.com/watch?v=2gZ7Y5Evwn0
A construção do túnel que ligará o Campo da Pólvora (Nazaré) ao Taboão (Comércio) foi aprovada pela Câmara Municipal de Salvador (CMS) no dia 15 de março. De acordo com a SEINFRA – Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas de Salvador, a iniciativa busca aproximar o Centro Histórico do dia a dia do soteropolitano, especialmente o Pelourinho e seu já conhecido circuito cultural.
Titular da pasta, Luiz Carlos Souza falou sobre a estrutura do projeto, que desde 2019 passa por reformulações, o funcionamento, objetivos e os benefícios para a cidade. “O que a gente está propondo para Salvador é um projeto inovador. É um túnel de uma passagem de pedestre com esteira rolante, com iluminação de LED, com monitoramento de câmeras, com a oportunidade da pessoa deixar o seu carro em casa, por exemplo”, explicou.
O secretário defendeu o potencial da obra. “Vai ajudar na economia, no turismo, na qualidade de vida de todos. De forma segura e rápida, uma distância de quase um quilômetro poderá ser percorrida em onze minutos, com todo conforto e segurança. O que houve foi uma onda de desinformação que causou confusão na opinião pública”, pontuou o vereador eleito por Salvador.
O professor Paulo Ormindo fez parte dos primeiros passos desse projeto de integração da cidade. Com mais de 50 anos dedicados à arquitetura e ao urbanismo, ele refletiu sobre a insegurança e o abandono no Centro Histórico.
“O Pelourinho virou um cenário, está esvaziado. Não acredito que tenhamos mercado para tantos hotéis seis estrelas. É uma inclusão imaginária, porque as pessoas não mal circulam e entram nos empreendimentos correndo pela falta de segurança”, disse. Em sua intervenção, o arquiteto trouxe alguns exemplos de iniciativas parecidas e implantadas mundo afora. Ele também agradeceu a iniciativa da ABI em discutir publicamente a proposta. “É um projeto polêmico, eu sei que é. Mas é importante que seja discutido”.
Ilce Dantas, engenheira civil e doutora em Engenharia de Transportes, criticou o fato de o projeto não ter sido discutido com a sociedade previamente. “Infelizmente, a proposta fez o percurso inverso. Ela foi apresentada para depois ser debatida em sociedade. A gente tem que ver o que é o melhor para a população e nem sempre isso significa considerar apenas as soluções técnicas. Qual é o objetivo de fazer esse projeto? Transporte não é o final. Transporte é o meio”, afirmou.
“Eu acho que o melhor presente que a gente pode dar a Salvador amanhã é pensar nesse projeto de uma forma integrada. Já que ele está tão adiantado, e talvez não se possa pensar em alternativas agora, que ele seja pensado realmente para os soteropolitanos. A gente merece uma cidade com mobilidade sustentável, que possa servir com o fator social”, ressaltou a professora.
Algumas contribuições importantes foram trazidas pela plateia composta por ativistas e agitadores culturais, representantes de movimentos sociais, historiadores, profissionais da imprensa e pesquisadores ligados à memória do Centro Histórico.
Preocupado com os impactos da intervenção proposta, o jornalista Clarindo Silva, proprietário do projeto cultural Cantina da Lua, questionou sobre os projetos da Seinfra para a revitalização da localidade, além da obra do túnel. “Dói profundamente passar pela Baixa dos Sapateiros e vê as condições em que está. Precisamos pensar Salvador para o mundo, mas olhando para a população que aqui está, que aqui vive”, defendeu.
A historiadora Elza Elisa Pereira, membra do Movimento de Mulheres Afrofuturistas da Bahia, explica a importância histórica do Campo da Pólvora. A região foi tema de sua pesquisa de graduação. “Entre os séculos 18 e 19, o Campo da Pólvora era um grande cemitério a céu aberto, onde eram sepultados os corpos de pessoas escravizadas, indigentes, da população mais pobre da cidade. Vários historiadores o apontam como o primeiro cemitério de Salvador”, explica.
Mestranda da UNEB, em Alagoinhas, ela destaca a existência de dois monumentos importantes no local: um em homenagem aos mortos pela ditadura militar e uma placa em memória dos revoltosos da Revolução Pernambucana. “Não é somente criar uma solução de mobilidade. Ali é um grande sítio arqueológico. Não sou contra o projeto, porque entendo que todas as grandes capitais precisam de um projeto de mobilidade. A obra vai trazer avanços, mas a proposta precisa conversar com os agentes históricos”, opina.
Para Ernesto Marques, presidente da ABI, as notícias veiculadas na imprensa baiana sobre o projeto levantaram a necessidade de análises mais profundas. “Estamos alinhados com outras instituições que pensam a cidade. Acho que cumprimos o nosso objetivo de contribuir para um debate rico sobre o tema. Reunimos colegas interessados em fazer uma cobertura ética, séria, com contrapontos e toda a discussão que uma proposta como essa requer”.
Amanhã tem mais!
A roda de conversa termina amanhã, 29 de março, data em que é celebrado o aniversário de Salvador. A abertura será do jornalista e publicitário Nelson Cadena, diretor de Cultura da instituição. Às 15h, o professor Rafael Dantas, historiador e artista plástico, guiará o bloco “O 29 de março e a Cidade do Salvador: Iconografia e História”, mediado pelo jornalista e pesquisador Luis Guilherme Pontes Tavares, 1º vice-presidente da ABI.
No segundo bloco, às 16h, a jornalista e palestrante Silvana Oliveira, gerente de Jornalismo da Rádio Sociedade, trará o debate “Negritude e gênero na imprensa de Salvador”. A mediação é da jornalista Jaciara Santos, especializada em jornalismo policial e diretora de Comunicação da ABI. Assista aqui – https://www.youtube.com/watch?v=TlMuoOmdEoM
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