A presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Suely Temporal, foi recebida nesta quarta-feira (15) pelo secretário estadual de Comunicação, Marcus Vinicius Di Flora, na sede da Secom Bahia, localizada no Centro Administrativo da Bahia (CAB). O encontro teve caráter institucional e marcou a primeira visita de representantes da nova diretoria da entidade à pasta, com o objetivo de fortalecer o diálogo e alinhar projetos voltados ao desenvolvimento do setor de comunicação no estado. A reunião abordou temas estratégicos para a imprensa baiana, como o combate à desinformação e outras iniciativas que buscam valorizar o jornalismo e garantir melhores condições de atuação para os profissionais da área.
Além da presidente, representaram a ABI a 2ª vice-presidente, Carmela Talento, e o diretor de Comunicação, Yuri Almeida. Pela Secom, participaram a coordenadora-geral de Jornalismo, Milena Leal, e o assessor Isaac Jorge.
Durante o encontro, Suely Temporal destacou a importância de estreitar as relações institucionais entre a ABI e o Governo do Estado, ressaltando que o fortalecimento da imprensa passa pelo diálogo permanente e pela cooperação em torno de pautas de interesse público.
A reunião reforça o compromisso da nova gestão da ABI em ampliar parcerias e contribuir com políticas que valorizem o jornalismo, promovam a liberdade de expressão e enfrentem os desafios contemporâneos da comunicação na Bahia.
No último domingo (13), às 17 horas, após dois anos de obras de recuperação reabriu no Pelourinho, a Casa da Ponte, sede da Orquestra Afrosinfônica. O casarão do século XVIII, tombado pelo Iphan e situado de frente à Igreja do Rosário dos Homens Pretos, passa a ser ocupado integralmente pelos projetos idealizados pelo maestro Ubiratan Marques, entre eles a escola Núcleo Moderno de Música e o Ponte para as Comunidades.
Com 862m², o imóvel histórico preserva sua estrutura original após passar por um retrofit, processo que moderniza construções antigas sem descaracterizá-las. As intervenções garantiram novos espaços de ensaio, gravação e ensino musical, além de áreas administrativas e pedagógicas. O quintal, com vista privilegiada para a Baía de Todos os Santos, também ganhará um deck com café e palco para apresentações de alunos e pocket shows.
“Esta casa não foi construída para pessoas como nós, mas por pessoas como nós, pelas mãos dos nossos ancestrais. Agora ela é ocupada por um projeto voltado para a população negra, pensado por uma pessoa negra”, afirma o maestro Ubiratan Marques, emocionado com o novo momento do espaço.
A história da Casa da Ponte se confunde com a trajetória do Núcleo Moderno de Música, criado por Ubiratan e Gilberto Santiago. Entre 2009 e 2011, a escola funcionou no casarão ainda em salas alugadas e foi ali que nasceu a Orquestra Afrosinfônica, aclamada por unir música erudita e sonoridades afro-baianas.
Em 2018, com a concessão de uso do imóvel, o Núcleo voltou a ocupar o espaço, consolidando-se como uma escola de formação e qualificação musical. Desde então, foi palco de ensaios e gravações de artistas como BaianaSystem, Mateus Aleluia, Marisa Monte, Gerônimo, Lazzo Matumbi e blocos afros.
A parceria com Marisa Monte, iniciada em um concerto beneficente na Concha Acústica em abril deste ano, também fortaleceu os laços da Casa da Ponte com a cena nacional. Encantada com a orquestra, a cantora incorporou arranjos de Ubiratan Marques em sua próxima turnê.
Além de Marisa, o maestro já colaborou com grandes nomes da música brasileira. Assinou arranjos da Afrosinfônica para o projeto “Negritudes”, do BaianaSystem, exibido no Fantástico, com participações de Gilberto Gil, Olodum, Luedji Luna e Russo Passapusso, e para o concerto histórico com Maria Bethânia, em 2015, no Teatro Castro Alves.
Música, educação e ancestralidade
Mais do que um espaço de produção musical, a Casa da Ponte consolida-se como uma organização sociocultural voltada para a educação e a formação musical nas comunidades negras de Salvador. Em 2024, o projeto Ponte para a Comunidade formou oito Orquestras Afrobaianas, entregues a entidades como Ilê Aiyê, Banda Didá, Olodum, Pracatum, Cortejo Afro, Filhos de Gandhy, Malê Debalê e o Grupo Étnico Cultural Bairro da Paz.
Concertos e programação
A reabertura da Casa da Ponte marca o início de uma nova fase de intensa programação cultural. Além de ensaios abertos e apresentações da Orquestra Afrosinfônica, o maestro Ubiratan Marques planeja uma série de eventos que integrarão os bairros de Salvador e o Recôncavo.
Entre as ações recentes, o Ponte Para as Filarmônicas reuniu grupos musicais de Santo Amaro, Cruz das Almas, Cachoeira, Muritiba, Acupe e São Félix. A partir de dezembro, a Afrosinfônica realizará uma série de concertos nas escadarias da Fundação Jorge Amado, reforçando a presença da música afro-baiana no coração do Centro Histórico.
Na edição especial da revista “Memória da Imprensa” (junho de 2025), sobre “Racismo, Economia e Jornalismo”, trouxemos artigo do jornalista e pesquisador André Santana. Na ocasião, foi publicado um resumo do trabalho, devido às limitações de espaço da edição física, intitulado: “Memórias do Jornalismo Negro: Mídias negras digitais no século XXI”.
Reconhecendo a importância e pertinência do trabalho, oferecemos ao leitor, abaixo, a íntegra do texto, cujo título original é: “Memórias do Jornalismo Negro: Ativismo e resistência epistêmica na história da imprensa brasileira”.
Sueli Carneiro (2005) utilizou o termo “epistemicídio” para descrever a aniquilação dos saberes de povos racializados, sobretudo das populações negras, em benefício da hegemonia eurocêntrica.
Para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, o epistemicídio implica um processo persistente de produção da indigência cultural: […] pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e pelo rebaixamento da sua capacidade cognitiva; pela carência material e/ou pelo comprometimento da sua autoestima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo (Carneiro, 2005, p. 83).
No campo da comunicação, essa exclusão se evidencia na produção jornalística que deslegitima ou silencia vozes negras, assim como na ausência de referências negras nos currículos de formação. O jornalismo, enquanto forma de mediação simbólica e prática social (Traquina, 2005), é um campo onde se disputa a memória, os sentidos e os lugares de fala. Assim, recontar a história da imprensa negra é parte da luta por reparação histórica, epistêmica e política.
No campo da comunicação, essa exclusão se evidencia na produção jornalística que deslegitima ou silencia vozes negras, assim como na ausência de referências negras nos currículos de formação. O jornalismo, enquanto forma de mediação simbólica e prática social (Traquina, 2005), é um campo onde se disputa a memória, os sentidos e os lugares de fala. Assim, recontar a história da imprensa negra é parte da luta por reparação histórica, epistêmica e política.
Animai-vos povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que seremos todos irmãos, tempo em que seremos todos iguais (Boletim Sedicioso, Revolta dos Búzios, Salvador, 1798).
A Revolta dos Búzios, ocorrida na Bahia em 1798, é um marco simbólico da relação entre ativismo negro e comunicação. Os chamados “boletins sediciosos”, afixados em locais estratégicos de Salvador, convocavam o povo a se insurgir contra o Império e a escravidão, propondo a fundação da República Bahiense. Mesmo em um contexto de baixa alfabetização e de proibição da imprensa pela metrópole portuguesa, a palavra escrita foi instrumento de organização política de homens pardos e pretos, livres e libertos, trabalhadores explorados que, por meio dos folhetos, fizeram circular ideias radicais de igualdade e pelo fim da escravidão. O levante teve como “espinha dorsal as estruturas de comunicação”.
Ao longo da história, são muitas as experiências de ativismo negro na imprensa, passando pela presença de jornalistas e intelectuais negros nos jornais, ainda no período da escravidão, na luta abolicionista, como revela a pesquisadora Ana Flávia Magalhães Pinto, na obra fundamental Escritos de Liberdade: Literatos Negros, Racismo e Cidadania no Brasil Oitocentista (Unicamp, 2018).
Também foi Ana Flávia Magalhães Pinto que registrou em seu livro Imprensa Negra no Brasil do Século XIX (Selo Negro, 2010), os primeiros “jornais feitos por negros; para negros; veiculando assuntos de interesse das populações negras”, como definiu a pesquisadora. Em comum também a postura de desafiar as tentativas de silenciamento.
Em 14 de setembro de 1833, foi publicado o primeiro jornal feito por pessoas negras no Brasil, o pasquim O Homem de Côr. Ainda sob o regime da escravidão, que somente seria abolida formalmente 55 anos depois, o jornal foi possível graças ao pioneirismo de Francisco de Paula Brito, ele próprio um “homem de cor”, proprietário da Tipografia Fluminense, que imprimiu o folheto noticioso.
Importante destacar que a imprensa brasileira se inicia somente em 1808, com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, quando finalmente temos a publicação de livros e jornais em solo brasileiro. Apenas lentamente o Brasil passou a contar com bibliotecas, livrarias e publicações de periódicos, muitos concentrados nos temas da economia e das relações com o poder imperial. O que torna a publicação de um jornal abordando o debate racial e questões de interesse dos negros um feito ainda mais extraordinário.
Em meio a debates intensos que circulavam nos jornais da época, O Homem de Côr possibilitou a divulgação de ideias e reivindicações da população negra, formada por pessoas livres e libertas, que já constituía um contingente significativo àquela época.
Além de bradar pela cidadania dos “homens de cor”, o jornal denunciava os preconceitos e violências sofridas por pessoas negras e chegou a noticiar a prisão injusta de um homem preto por suposta vadiagem e porte de arma. Outro tema de relevância foi a ocupação de cargos públicos por “pessoas de cor” e a resistência das elites em respeitar o direito constitucional de cidadãos libertos cumprirem funções públicas, independentemente da cor, reivindicações que ganharam destaque em veículos negros posteriores (Santana, 2023).
Ainda no mesmo ano, 1833, entre setembro e novembro, outros periódicos desse segmento surgiriam, inspirados pelo pioneiro: Brasileiro Pardo, O Cabrito, O Crioulinho e O Lafuente (Pinto, 2010).
Demoraria 43 anos até que uma nova manifestação da imprensa negra surgisse. Foi apenas em 1876, no Recife, que começou a circular o jornal O Homem. Pouco depois serão as vezes de São Paulo, com A Pátria e O Progresso, ambos em 1899, e de Porto Alegre, com O Exemplo, de 1892. O periódico gaúcho teria a maior duração da imprensa negra até ali, sendo encerrado em 1930 por problemas financeiros.
A maioria das publicações teve vida curta. Em alguns casos, durando poucas edições ou não indo além do primeiro ano. Os custos para publicar um jornal eram altos e o pagamento se dava por meio de rateio entre os editores e os ativistas, se o jornal tivesse vínculo com alguma associação negra. Outros conseguiam verba com publicidade ou dependiam de assinaturas.
Exemplares desses jornais encontram-se no setor de Periódicos da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, mas podem, ainda, ser acessados na hemeroteca digital. No acervo, também estão dois veículos publicados na Bahia no século XIX, com pautas abolicionistas e preocupações com as condições dos negros: O Abolicionista — publicação quinzenal da Sociedade Libertadora Sete de Setembro, lançado em 1871, em Salvador — e O Asteroide: Orgam da Propaganda Abolicionista, publicado em Cachoeira, em 1887. Friso que esses dois jornais da Bahia são abolicionistas e não necessariamente se enquadram como “imprensa negra”, conforme definido por Ana Flávia Magalhães Pinto, ou seja, feitos por pessoas negras, para pessoas negras e com temas de interesse da população negra. Nos casos de O Abolicionista e O Asteroide, as publicações só se enquadram no último aspecto elencado.
O Abolicionista, que tinha o escritório localizado no Largo do Pelourinho, n.o 14, contou com a colaboração do escritor Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), considerado o maior poeta baiano do Romantismo. Na edição de 30 de abril de 1971, o jornal publicou um poema do Poeta dos Escravos, conclamando os leitores da sociedade baiana para a caridade, ou seja, para a doação financeira à principal missão da Sociedade Libertadora Sete de Setembro: “a remissão dos cativos por meio da compra de alforria”. O periódico também buscava “agitar a opinião, educando-a”.
Na edição de 31 de julho de 1871, o jornal O Abolicionista foi dedicado ao pesar pela morte do poeta abolicionista Castro Alves, ocorrida em 6 de julho daquele ano. O veículo também denunciou a crise na lavoura de algodão no Brasil por conta do fechamento dos mercados da Europa e da América do Norte para os gêneros provenientes dos “systemas de trabalho amaldiçoados por Deus e pela civilização”.
A pauta dos jornais negros e dos intelectuais e jornalistas negros que atuavam na imprensa do século XIX abordava o sistema econômico já desprezado em outras partes do mundo. Um ato de coragem que, após a conquista de 13 de maio de 1888, passou a ser direcionado a debater a inserção do negro, agora liberto, na sociedade.
No início do século XX, outras experiências de imprensa negra, sobretudo em São Paulo, proliferam, trazendo as reivindicações negras, associadas a grupos organizados, como a Frente Negra Brasileira, de 1931.
Com o escritor, artista plástico, político e ativista Abdias Nascimento (1914-2011) a imprensa negra ganha contornos ainda mais afirmativos. O jornal Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro, editado entre 1948 e 1950, é expressão direta do Teatro Experimental do Negro e da luta por reconhecimento da dignidade negra. Sua proposta editorial articulava arte, cultura, política e denúncia do racismo, no contexto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada por diversas nações do mundo em 1948. Quilombo era o jornalismo a serviço de um projeto civilizatório negro.
A fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, impulsionou novas experiências de comunicação negra, agora mais diretamente ligadas à militância política contra o racismo. Jornais como Tição (1977), Objetivo (1977), Jornegro (1977), Negrice (1977), O Saci (1978), Vissungo (1979), Pixaim (1979), Nêgo (1981), revista Ébano (1981), Voz do Negro (1984), Elêmi (1985), Áfricas Gerais (1995), Irohin (1996) e a revista Raça (1996), um sucesso editorial ainda em circulação, registraram e alimentaram a luta contra o mito da democracia racial.
Apesar das dificuldades financeiras e repressões políticas, esses periódicos construíram uma rede de circulação de ideias, saberes e estratégias de resistência, tendo a Bahia como importante centro aglutinador e dinamizador das lutas negras.
Somadas aos veículos jornalísticos estão as ações de comunicação do movimento negro organizado, como as imagens registradas, desde 1990, pelo acervo afrofotográfico Zumvi, do fotógrafo soteropolitano Lázaro Roberto, os Cadernos Negros (Quilombhoje) de poesias e contos publicados desde 1978, as cartilhas de educação dos blocos afro de Salvador, os manifestos, panfletos, livros, teses e muito conhecimento transmitido “por todos os meios necessários”, como aconselhou Malcolm X.
Mídias Negras Digitais no Século XXI
A virada digital abriu novos caminhos para o jornalismo negro. Experiências como Mundo Negro (2001), Irohin (2006), Afropress (2007), Correio Nagô (2008), Revista Afirmativa (2014), Alma Preta (2015), SoteroPreta (2016), Notícia Preta (2018), Afro TV (2020), Negrê (2020), entre outras iniciativas, consolidam um novo ecossistema de comunicação negra. Essas iniciativas combinam agilidade tecnológica, protagonismo editorial e compromisso ético com as lutas da população negra. Aliadas a coletivos de audiovisual, podcasts, blogs e redes sociais, constroem uma narrativa insurgente que desafia o epistemicídio e afirma o pensamento negro como fonte legítima de conhecimento.
A comunicação antirracista feita a partir dos anos 2000, com a popularização da internet e a criação de mídias digitais mais democráticas e acessíveis às comunidades, é resultado de um longo empenho da população negra em disputar essas ferramentas de produção de informação e conhecimento, por entender, desde sempre, a comunicação como um espaço de poder (Santana, 2021).
Os veículos jornalísticos digitais como o Correio Nagô, criado pelo Instituto Mídia Étnica em 2008, e as experiências de mídia negra já citadas dão continuidade a uma longa trajetória de luta por dignidade e respeito, agora com a visibilidade, alcance, amplitude e rapidez possibilitados pelo ambiente digital, que rompeu a barreira da centralidade do polo de emissão, permitindo uma lógica de produção mais coletiva, participativa e engajada.
Essas iniciativas de comunicação, que experimentam uma possibilidade de ampliação a partir do ciberespaço, encontram-se com o pensamento negro e afrodiaspórico ampliado pela presença de intelectuais de pele preta nas universidades brasileiras. As fontes para as produções dos discursos comunicacionais, para as reportagens jornalísticas, para os argumentos das campanhas publicitárias, para as narrativas cinematográficas, para as imagens inspiradoras de memes e textões nas redes sociais são legitimadas por uma rica produção artística, literária e acadêmica que provoca uma reação de insubordinação epistêmica e civilizatória (Santana, 2021).
Nesse sentido é exemplar a história de criação do Instituto Mídia Étnica, que aconteceu em Salvador, em 2005, quando a realidade da comunicação na Bahia, e no Brasil em geral, era muito menos diversa do que hoje. As campanhas publicitárias, seja nos intervalos da televisão, seja nos outdoors espalhados pela cidade mais negra fora do continente africano, não traziam os rostos da maioria da população. Como também não estavam nas histórias positivas contadas nos jornais, que concentravam as notícias relacionadas à população negra nas editorias de segurança ou em raros momentos das artes e do esporte, sempre adjetivada pela ideia de superação.
Eram raros os negros e negras ouvidos como fontes de reportagem sobre temas caros para a sociedade como política, economia, direito, ciências, tecnologias, entre outros.
Por isso foi criada uma organização que possibilitasse questionar coletivamente esse cenário, assim como propor novas formas de abordagem e de visibilidade para a luta travada pelo povo negro em resistência ao racismo perpetrado nos meios de comunicação, pelas grandes empresas que violam cotidianamente o “direito humano à comunicação”.
O Instituto Mídia Étnica nasce, então, das bandeiras do movimento negro e das iniciativas pela democratização da comunicação, acreditando haver uma brecha entre estes dois campos que dificultava o conhecimento mais amplo da história da luta negra no Brasil. Uma ponte de visibilidade das ações das organizações negras, utilizando as potentes ferramentas das Tecnologias da Comunicação e da Informação.
Com o lema “Vamos Denegrir a Mídia”, os objetivos e metodologias do Instituto Mídia Étnica (IME) foram alicerçados nas práticas comunitárias, participativas e democráticas para promover debates, oficinas, formações, campanhas e produtos jornalísticos e audiovisuais.
Em meio às estratégias de combate ao racismo na mídia, que incluiu o monitoramento e a leitura crítica dos veículos hegemônicos e o assessoramento midiático às organizações do movimento negro, o IME criou o portal Correio Nagô para desenvolver um trabalho colaborativo, de partilha dos conteúdos criados com a participação comunitária.
As primeiras experiências de construção do Correio Nagô, ainda em 2006, como um blog e uma comunidade no Nig que utilizava as principais ferramentas tecnológicas do período, permitiam a ampla colaboração dos membros na produção dos conteúdos e nas discussões em fóruns temáticos. Em 2008, o portal foi estruturado e lançado como um veículo multimídia, oferecendo conteúdo em formato de textos, fotos, ilustrações e vídeos, com uma redação própria, composta por jornalistas profissionais e comunicadores em formação, além de contribuições de colaboradores.
O nome Correio Nagô vem de uma das formas de resistência dos primeiros negros escravizados, que transmitiam o conhecimento e a informação através da comunicação oral. Correio Nagô é a comunicação boca a boca entre os negros, desde sempre, entre a comunidade negra escravizada, sendo fundamental nas rebeliões, nos processos de luta de quilombos, nas diversas formas de insubmissão.
O Correio Nagô continua em atividade e foi inserido em outras plataformas digitais como o Facebook, Instagram, X (antigo Twitter) e Youtube. Destaca-se na produção de vídeos, disponibilizados em formato de matérias jornalísticas, entrevistas, documentários e com o programa Afro Feed, do gênero revista eletrônica. No canal TV Correio Nagô, no Youtube, estão disponíveis 400 vídeos, dos mais diversos temas de interesse das populações negras.
Toda essa articulação, da qual a comunicação antirracista é função estratégica, tem garantido uma transformação nas disputas por narrativas, como bem observou o poeta, escritor e jornalista Edson Cardoso: “Conseguimos diminuir drasticamente a adesão ao discurso colonial”. Essa frase, vinda de quem formou uma geração de comunicadores antirracistas e inspirou tantos outros ativistas e militantes, informando ao Brasil a causa negra nas páginas do jornal Irohin, serve para encorajar o futuro.
O cenário atual é de uma maior abordagem, tanto dos temas de interesse da população negra nas pautas jornalísticas quanto da presença de profissionais negros e negras nos veículos, inclusive na televisão baiana, como repórteres e também nas bancadas de apresentação.
O cenário atual é de uma maior abordagem, tanto dos temas de interesse da população negra nas pautas jornalísticas quanto da presença de profissionais negros e negras nos veículos, inclusive na televisão baiana, como repórteres e também nas bancadas de apresentação.
Infelizmente, essas experiências passadas ainda são pouco conhecidas, mesmo por profissionais da imprensa brasileira, e não são exploradas nos cursos de graduação em Comunicação no Brasil, ficando a cargo dos ativistas e das formações oferecidas por entidades antirracistas, como as que o Instituto de Mídia Étnica realizou até 2020.
Para a pesquisadora Aíla Cardoso, da Universidade Federal de Sergipe, que investigou a presença (e ausência) da imprensa negra nos currículos dos cursos de comunicação das universidades brasileiras, “a história do Jornalismo no Brasil é majoritariamente contada por uma perspectiva branca e europeia” (Cardoso, 2024).
É preciso reforçar que, a partir de 2003, o Brasil possui a Lei no 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e das culturas africana e afro-brasileira em todos os níveis educacionais. Os conteúdos abordados neste artigo podem integrar diversas disciplinas e temáticas transversais. O jornalismo negro não deve ser enxergado como um exercício do passado, acessado apenas em pesquisas memorialistas, pois sua atuação continua na atualidade.
No cenário contemporâneo, observa-se um avanço importante no debate público sobre o racismo, as desigualdades históricas e as múltiplas expressões da violência racial no Brasil. Movimentos sociais, intelectuais negros, coletivos de mídia e lideranças comunitárias têm ampliado a visibilidade das pautas antirracistas, exigindo da sociedade um compromisso efetivo com a equidade racial. Nesse contexto, é fundamental que todos os cidadãos e cidadãs e, em especial, os profissionais da comunicação, estejam imbuídos da responsabilidade de combater o racismo e todas as formas de discriminação, atuando de forma crítica, comprometida e transformadora.
A imprensa negra, com sua longa tradição de engajamento político, produção de conhecimento e defesa intransigente da dignidade humana, oferece não apenas um acervo riquíssimo de conteúdos, mas também estratégias concretas e inspiração ética para a construção de um jornalismo cidadão, plural e comprometido com os direitos humanos. Reconhecer e incorporar essas experiências ao fazer jornalístico é não só uma forma de valorização da memória, mas também uma aposta concreta em um futuro mais justo, diverso e democrático.
*André Santana é jornalista, doutorando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia, co-fundador do “Instituto Mídia Étnica” e do portal “Correio Nagô”, colunista do UOL e pesquisador sobre Comunicação e Relações Raciais.
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)
Nesta quarta-feira (8), Salvador sediou a abertura da 5ª Conferência Estadual de Direitos Humanos (5ª ConDH), promovida pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH) e pelo Conselho Estadual de Proteção dos Direitos Humanos (CEPDH). A conferência reuniu delegadas e delegados eleitos nos debates territoriais realizados em setembro nos municípios do estado, e segue até sexta-feira (10).
A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) esteve representada pelo jornalista Paulo de Almeida Filho, diretor de Defesa da Liberdade de Informação e dos Direitos Humanos, que acompanhou os debates e participou da solenidade de abertura.
Paulo de Almeida Filho, diretor de Defesa da Liberdade de Informação e dos Direitos Humanos da ABI
“É uma honra representar a ABI em um momento tão decisivo para o fortalecimento da democracia e da participação social na nossa Bahia. Esta conferência é um espaço de debate e é um ato de reafirmação de que a defesa dos direitos humanos deve ser construída com a sociedade, desde os territórios até as instâncias federais.”
Paulo de Almeida Filho
“Esperamos que as proposições emergidas aqui possam inspirar políticas efetivas que enfrentem desigualdades, garantam justiça e defendam a dignidade de todas as pessoas e que a ABI possa contribuir para essa construção, atuando na mídia e na mobilização social”, completou o dirigente.
Dentre as autoridades presentes na cerimônia inicial estavam o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Felipe Freitas, a secretária de Políticas para as Mulheres, Neusa Cadore, e representantes nacionais dos direitos humanos.
Sob o tema central “Por um Sistema Nacional de Direitos Humanos: Consolidar a democracia, resistir aos retrocessos e avançar na garantia de direitos para todas as pessoas”, os debates foram organizados em seis eixos temáticos: Enfrentamento das violações e retrocessos; Democracia e participação popular; Igualdade e justiça social; Sustentabilidade e desenvolvimento humano; Agenda internacional de direitos humanos; e Fortalecimento da institucionalidade.
A etapa estadual funciona como preparação para a 13ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, que será realizada de 10 a 12 de dezembro de 2025, em Brasília. As propostas aprovadas na Bahia serão encaminhadas para consolidar uma agenda nacional de políticas públicas, assistência técnica e financiamento para garantir direitos fundamentais.