O livro caindo n’alma é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar. Foi com versos do poeta Castro Alves que a filósofa Marilena Chauí encerrou sua participação na abertura do Congresso da UFBA – Universidade Federal da Bahia, nesta quinta (14), dia em que o mundo comemora a liberdade de pensamento, em uma referência à Tomada da Bastilha, símbolo da Revolução Francesa. O congresso alusivo aos 70 anos da instituição reuniu cerca de 1.600 pessoas, no Teatro Castro Alves. Professores, estudantes, trabalhadores, intelectuais e representantes de movimentos sociais e segmentos ligados à cultura discutem até domingo (17) os desafios da instituição e do ensino superior no Brasil.
Depois das apresentações da Orquestra Sinfônica e Madrigal da UFBA e do Canto-Coral da EMUS – Escola de Música da UFBA, o reitor João Carlos Salles recebeu os convidados e agradeceu a equipe que ajudou a organizar o evento, que tem como foco a integração da comunidade universitária e a produção de material para que os conselhos superiores da UFBA tracem as políticas para os próximos anos. Salles comemorou o sucesso do congresso e falou dos números expressivos da instituição, que formou 105 mil alunos, ao longo desses 70 anos, e tem atualmente mais de 50 mil pessoas em sua comunidade, entre as quais estão quase 30 mil alunos, divididos em 139 cursos.
“As mais de 14 mil pessoas inscritas mostram a importância do evento. O congresso é nossa educação pela palavra. Ele se desenhou como uma grande audiência pública em busca de documentos e dados para discutir a nossa universidade”. O reitor reiterou a necessidade de continuar o processo de expansão e ressaltou o esforço da UFBA pela inclusão e democracia. Nos últimos anos, a UFBA foi beneficiada pelo Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e aderiu ao método dos Bacharelados Interdisciplinares, que diversifica a oferta de cursos através da inovação curricular.
Do espaço público à privatização
Sob o tema “Contra a Universidade Operacional e a Servidão Voluntária”, a professora Marilena Chauí fez duras críticas ao modelo de ensino adotado pelas universidades brasileiras, que passaram, segundo ela, da ideia da universidade como instituição social à organização prestadora de serviços. Estaria, então, a universidade regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, no que a filósofa classifica como universidade operacional, “estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e definida e estruturada por normas e padrões administrativos inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual”.
De acordo com Chauí, o aumento exagerado de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, são sintomas da universidade operacional. “Voltada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age. Não surpreende, então, que esse operar coopere para sua contínua desmoralização pública e degradação interna.” Para ela, esse formato reduziu a docência a transmissão e adestramento. “Desapareceu, portanto, sua marca essencial: a formação”. Ela defende que a luta contra a universidade operacional significa recuperar a docência como trabalho de formação e crítica.
“A dimensão política da universidade precisa subordinar-se à sua dimensão acadêmica”, afirma Chauí. Ela aponta a aparente incompatibilidade entre as duas dimensões como reforço da ideologia de conservação de desigualdades culturais, fundada nas desigualdades sociais e econômicas. “Esse reforço ideológico vem, sobretudo, da classe média, que vê na universidade simplesmente o diploma para a ascensão social individual”. Ela afirma ainda que a sociedade brasileira “é autoritária, oligárquica, hierárquica e vertical, tecida por desigualdades profundas e gera um sistema institucionalizado de exclusões sociais, políticas e culturais”. Isso faz, segundo ela, com que dimensão acadêmica tenda a reforçar a exclusão social.
Marilena Chauí invocou o humanista francês Etienne de La Boétie e seu famoso ensaio conhecido como Discurso sobre a servidão voluntária defender que a ação universitária como ação do saber e da política deve ser o combate em todas as frentes contra a universidade operacional e a ideologia conservadora que a sustenta. “Esse combate é o que chamo de luta contra a servidão voluntária”. Para ela, a universidade é inseparável da ideia de democracia e de democratização do saber, como fruto das lutas sociais e políticas dos últimos séculos, com a conquista da educação e da cultura como direitos.
Congresso – O evento tem aproximadamente 2,2 mil propostas de apresentações de trabalhos, mesas, fóruns, intervenções artísticas e práticas integrativas de saúde. Cerca de 50 pessoas estão envolvidas na organização do Congresso, e nos dias do evento, contarão também com o reforço de, aproximadamente, 300 estudantes, que atuarão como monitores. As atividades do Congresso ocorrerão em três turnos: das 8h às 12h15, das 14h às 17h e das 18h30 às 21h. Nesse período, as aulas estarão suspensas.
No último dia 11/07, o Center for World University Rankings (Cwur) divulgou um ranking no qual a UFBA aparece como a melhor instituição de ensino superior do Nordeste. O levantamento internacional lista anualmente as mil melhores universidades do mundo e, no Brasil, apenas 17 apareceram na lista, com a UFBA aparecendo na 15ª posição. No geral, a UFBA aparece em 962º lugar, à frente da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que ocupa a 966ª colocação. As duas são as únicas universidades nordestinas a integrar a lista. Entre as universidades brasileiras destacadas, todas são públicas e 13 são federais. A universidade também aparece em como a 15ª melhor do país na última edição do RUF–Ranking Universitário Folha. Destaca-se especialmente em arquitetura (8º melhor curso do país), ciências contábeis (9º melhor curso do país) e administração (12º).