A Coreia do Norte, que já havia sido acusado de praticar “crimes contra a humanidade” equiparáveis aos do nazismo, anunciou nesta segunda-feira que assinou um protocolo da ONU sobre a proteção de crianças e ressaltou seu compromisso com os direitos humanos, em uma aparente resposta à pressão internacional contra os abusos cometidos pelo regime sobre sua população. A Assembleia Popular Suprema (parlamento), que é o principal órgão legislativo do país, emitiu na quarta-feira um decreto para ratificar o protocolo facultativo da Convenção sobre os Direitos da criança adotado em 2000, informou a agência de notícias estatal “KCNA”.
O protocolo especifica em seu artigo 1 que “os Estados Partes proibirão a venda de crianças, a prostituição infantil e a utilização de crianças na pornografia”. A KCNA destacou que a adesão ao protocolo “é uma prova da política do governo de priorizar as crianças e a vontade de cumprir com seus compromissos e promover a cooperação internacional no âmbito dos direitos humanos”.
Isto é interpretado como uma nova tentativa do regime de Kim Jong-un de se defender após a publicação de um duro relatório da ONU sobre os direitos humanos no país e a pretensão da UE e Japão de levar o caso a um tribunal internacional. O executivo de Bruxelas prepara junto ao Japão uma resolução para o comitê de direitos humanos da Assembleia Geral da ONU sobre o caso dos abusos do regime de Pyongyang, a fim de que o remeta ao Tribunal Penal Internacional (TPI).
A iniciativa acontece depois que em março, a Comissão de Investigação da ONU para Coreia do Norte publicou um detalhado relatório que acusa o regime de Pyongyang de praticar “crimes contra a humanidade” equiparáveis aos cometidos pelo nazismo alemão e o “apartheid” na África do Sul. O regime de Kim Jong-un, que não permite a entrada ao país de supervisores de direitos humanos, protestou energicamente contra o relatório de março e a planejada resolução da UE e Japão, sob o argumento que obedecem aos interesses dos EUA.
Relatório divulgado nesta segunda-feira (17) lista abusos sistemáticos do regime norte-coreano, os compara às atrocidades do nazismo e pede que líderes, inclusive o ditador Kim Jong-un, sejam levados ao Tribunal Penal Internacional. Entre as violações aos direitos humanos registradas pelo documento estão crimes de execução sumárias, tortura, desaparecimentos e privação de alimentação.
A Organização das Nações Unidas detalhou os crimes contra a humanidade que as autoridades da Coreia do Norte (encabeçadas por três gerações dos Kim) perpetraram nas últimas seis décadas. Uma comissão escutou durante o último ano os horripilantes depoimentos em sessões públicas de 80 norte-coreanos desertores e sobreviventes de campos de prisioneiros políticos em Seul, Tóquio, Londres e Washington. O presidente da comissão, o juiz australiano Michael Kirby, lembrou como depois da Segunda Guerra Mundial muitos espantaram, ao se conhecer as atrocidades do nazismo, “Se soubesse, o que ocorria”. “Agora, a comunidade internacional sabe. Saberá. Não há desculpa para não atuar porque não sabíamos”.
A ONU detalha casos concretos das penúrias dos presos em campos de trabalho (por exemplo, famílias inteiras consideradas hostis porque um parente tentou fugir ao sul anos atrás), de gente que mataram de fome, de execuções públicas ou secretas, de sequestros, de desaparecimentos, torturas… Os autores acusam as autoridades norte-coreanas de utilizar “a fome para controlar a população”. O relatório está dividido em seis partes — pode ser lido no site da Amnistia Internacional, onde há também um vídeo com testemunhos de norte-coreanos que conseguiram fugir do país. Uma dessas partes é sobre a fome, ou as fomes que devastam a Coreia do Norte ciclicamente desde 1990.
Depoimentos de mais de 240 pessoas evidenciam que o país se estrutura em um sistema de castas conhecido como “songbun”, que nivela os cidadãos com base em razões ideológicas e políticas. Por exemplo, a distribuição de comida dá prioridade às pessoas que colaboram com a sobrevivência do regime de Kim Jong-un (que está no poder desde dezembro de 2011). Também se dá “uma total negação” dos direitos de liberdade de pensamento, consciência e religião, além dos de expressão, informação e associação, ressalta o documento.
O relatório de 400 páginas, baseado em relatos de desertores, compara as atrocidades às da Alemanha nazista e solicita ao Conselho de Segurança que os responsáveis, inclusive o ditador Kim Jong-un, sejam levados ao Tribunal Penal Internacional (TPI). Os especialistas ponderam, no entanto, que é provável que China, o grande aliado de Pyongyang, exerça seu direito ao veto. O relatório será apresentado oficialmente à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra dentro de um mês.
“Violações sistemáticas, generalizadas e graves dos direitos humanos têm sido e estão sendo cometidas pela República Democrática Popular da Coreia, pelas suas instituições e funcionários”, afirma a Comissão de Inquérito sobre a Coreia do Norte, criada em março do ano passado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.
De acordo com o relatório, entre os crimes cometidos pelo regime norte-coreano estão assassinatos, torturas, estupros, abortos forçados e perseguições políticas. A comissão ainda estimou entre 80 e 120 mil o número de presos políticos mantidos pelo governo. Os dados coletados também indicam que cerca de 200 mil estrangeiros teriam sido sequestrados ou desapareceram depois de chegar ao país por vontade própria.
A comissão não pôde entrar no país para fazer o relatório e teve de fazer suas pesquisas usando como base relatos de desertores e ex-presos. Imagens de satélite foram utilizadas para confirmar a localização de campos de prisioneiros – cuja existência é negada pelo regime comunista.
Durante as últimas décadas foram se conhecendo detalhes sobre as atrocidades sistemáticas que o regime dos Kim perpetrou contra seu povo. Eram depoimentos recolhidos por ONGs, ativistas de direitos humanos ou especialistas entre os que fogem do país. A diferença nesta ocasião é que a investigação conta com o aval das Nações Unidas. De todo modo, o juiz Kirby lembrou que a comissão “não é um tribunal nem uma promotoria”.
Informações do El País/Brasil, EFE, Deutsche Welle e Gazeta do Povo