EBITDA. Esse palavrão do mundo corporativo intrigou quem participou da mesa “Empreendendo na comunicação: MEI e outras possibilidades”. Já havia assustado, anos antes, a jornalista e empresária Suely Temporal, quando se viu obrigada a aprender a gerir uma empresa por conta da sociedade na assessoria de comunicação ATCom. Já Karine Oliveira, hoje CEO da Wakanda Educação, viu em dificuldades como essa a oportunidade de um negócio que ela classifica como um “Sebrae da Quebrada”, que traduz conhecimento que possa ser aplicado por quem quer e até já empreende e nem sabe.
“A gente pega esses termos que são complexos e usa elementos da realidade para acessibilizar. Quando eu falo para uma pessoa que o EBITDA [‘Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização’, da sigla em inglês] é o último biscoito do pacote que ela tem no orçamento dela, depois que ela paga a todo mundo, ela não precisa ter nível superior, ela não precisa falar a língua do empreendedorismo, ela entendeu e consegue aplicar”, explica Karine.
Do Engenho Velho da Federação para o mundo – o nome de Karine apareceu na lista anual Forbes Under 30 em 2021, com direito a foto na capa da revista –, ela conta que sua metodologia é inspirada no jeito da mãe, Katia Santos, formada em Publicidade e educadora, ensinar. “Eu não preciso de um homem branco para validar esse conhecimento”, afirma.
O segundo painel do eixo Formação, que integra a programação de comemoração de 93 anos da ABI, se conectou com o primeiro, que debateu a formação dos jornalistas (veja como foi). “A faculdade hoje forma os repórteres e o que menos tem é cargo de repórter”, avalia Suely. “A universidade hoje foca em formar pessoas para trabalhar com CLT, e está tudo bem, mas é você trabalhando para outra pessoa lucrar”, comentou em outro momento Karine, que tem formação em Assistência Social.
Nos dois depoimentos, a mirada de buscar caminhos alternativos para o crescimento profissional. “Na outra mesa, a gente debateu o MEI e o PJ como algo ruim, mas ao mesmo tempo você tem hoje uma nova forma de trabalho, que você pode ser um jornalista autônomo e exercer sua profissão com dignidade e receber dignamente por isso”, compara Suely. Claudio Patterson, analista técnico e gestor de Atendimento e Orientação Técnica do Sebrae BA, integrou a mesa com orientações sobre negócios e alertou para cuidados com golpes na internet vinculados ao registro de Microempreendedor Individual (MEI) e esclareceu que a categoria de jornalista, embora haja uma discussão sobre esse tema, não pode formalmente exercer a profissão por meio desse instrumento.
Desafiante
Patterson acredita que não existe empreendedorismo sem comunicação e mostrou como se dá a jornada do empreendedorismo de sucesso. Ele apontou a autoconfiança e resiliência como fundamentais. “Quem de nós já não teve uma ideia maravilhosa, mas a gente não coloca para frente, não executa, porque acha que a ideia do vizinho é muito melhor? É preciso apostar no seu sonho, naquilo que você acredita”.
Ao final do evento, havia uma sensação pairando no ar entre os jornalistas que buscaram os painelistas para agradecimentos e networking. “A gente se sente desafiado”, resumiu o presidente da ABI, Ernesto Marques, que fez a mediação da mesa.
Wakanda.ba
Com pensamento acelerado, fala direta e situações dos nossos tempos. Karine, desmistificou uma série de certezas que se pode ter sobre empreendedorismo. A partir de exemplos como o da Uber e do Youtube, argumenta que não é preciso ter dinheiro e uma grande infraestrutura para ter um negócio. “Para trabalhar com carro eu não preciso de uma frota de carro, eu posso unir quem quer carro com quem precisa se deslocar. Eu não preciso produzir conteúdo para ter o maior site de aprendizado, eu preciso convencer quem cria conteúdo a compartilhar pelo meu site”, ilustrou. Ela defende que é equivocado querer brigar com as mudanças geradas pela internet, como a multiplicação de produtores de conteúdo e influenciadores no mercado da comunicação. Ela acredita que o modo e quem apresenta determinadas situações muda o valor que se dá aos comportamentos. “Antes, trabalhar em casa não era benquisto, ter um escritório era um status de poder. Antes, criticavam quem tinha ‘bico’, você parecia que não tinha capacidade de ter uma renda que lhe assegure, hoje é bonitinho dizer que se tem diversas fontes de renda”, comparou. A afroempreendedora deu exemplos práticos de como os jornalistas podem valorizar o que fazem, precificar seus produtos pelo modo que escrevem, por exemplo, ou como podem buscar formas alternativas de apuração que possam dar nome e oferecer como inovação. “Eu aprendi que você precisa valorizar um texto por quem escreve, de qual veículo é, então é preciso saber comunicar que isso tem um valor”. Ela também comentou sobre o enquadramento de reportagens sobre empreendedores. “O perigo da história de ‘ela foi a primeira [a ter sucesso nos negócios]’ é que assim eu vou continuar sendo a única. Acho que é muito melhor dizer ‘o exercício de um milhão’ ou ‘de onde eu venho tem um bocado’”, exemplifica.
Emprendedorismo PP
Empreendendo há 25 anos, Suely Temporal contou como chegou e se estabeleceu no mercado sendo, junto com sua sócia Cinthya Medeiros, duas jornalistas mulheres, jovens e mães. “A gente ouvia ‘ah, a empresa das meninas’”, sempre as meninas, no diminutivo, hoje com 61 anos eu até gosto, mas antes…”, brincou Suely. “Então, para a gente entrar no mercado dominado por homens não foi fácil e ainda mais enfrentando a burocracia que existia 25 anos atrás e que ainda existe, mas hoje é mais simples”, completa. Inspirada pelo debate, Suely Temporal criou até uma nova sigla. “Você precisa entender de Planilhas e Pessoas, PP”, brincou. Ela relatou as transformações que sua empresa passou nos últimos anos, especialmente no período da pandemia, do qual tirou como lição que ter um espaço físico não é algo mandatório, mas que pode ser mais prazeroso quando deixa a saudade do encontro e que é ´possível estabelecer novas formas de trabalho mais vinculada à entrega e não ao controle do tempo das pessoas com quem trabalha. Suely e Karine relataram brevemente que já tiveram dificuldades no negócio. Karine disse que “já quebrou várias vezes” e insiste para mudar as regras do jogo. Suely relatou que quase fechou duas vezes a porta de sua assessoria por problemas de gestão. Ela alerta que empreender vai muito além das competências de sua atividade profissional e que é preciso buscar serviços como os oferecidos pelo Sebrae e pela Wakanda, de consultoria para negócios.
Comemoração continua
O debate de hoje integra a programação da comemoração da ABI, que segue até o dia 16 de setembro, com encontros semanais no Auditório Samuel Celestino, no terraço do Edifício Ranulfo Oliveira, sede da ABI, na Praça da Sé. O ciclo “ABI, 93 anos vivendo a história do Brasil na Bahia” conta com a produção de estudantes vinculados à Empresa Júnior de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, a Produtora Júnior.
Como forma de reconhecimento do papel da imprensa na sociedade baiana, a programação técnico-científica e cultural tem como parceiras incentivadoras as seguintes empresas e instituições: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, Prefeitura Municipal de Salvador, Associação Baiana das Empresas de Base Florestal – ABAF, Suzano, Companhia de Gás da Bahia – Bahiagás, Governo do Estado da Bahia e o portal Bahia Notícias.
Confira os próximos eventos do calendário comemorativo:
13/set
Ciclo Temas Diversos
11h30 – Painel: Ética em tempos de comunicação digital e inteligência de dados
>> Yuri Almeida, jornalista e pesquisador, mestre em Comunicação
16/set
9h – recepção aos convidados e público
EIXO 4 – Painel: Vida real no mundo digital – Cultura, democracia e diversidade
9h30 – painel: Diversidade nas Redações. As redações refletem o perfil da sociedade? Como abordar as diferenças sem estigmatizar?
>> Danila de Jesus, jornalista, professora. Criadora do Guia Diversidade nas Redações
>> Jorge Gauthier, jornalista, criador do primeiro canal LGBTQIA+ do Correio
>> Matheus Lens, estudante de Jornalismo, criador do podcast Fala Preto
11h – Painel: O PL das Fake News ameaça a democracia? O que isso tem a ver com a remuneração da produção jornalística na internet?
>> Orlando Silva, deputado federal, relator do PL das Fake News
>> Ernesto Marques, presidente da ABI