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Tributo a França Teixeira

José Jorge Randam – Vice-presidente da Assembleia Geral da ABI

Fomos meninos pobres! Aprendemos, desde criança, que o caráter do homem é forjado também pelas dificuldades que na sua história carrega, fazendo-o um lutador que vence ou um perdedor que se entrega a lamúrias e acusações, desviando-o de suas vitórias.

Fomos, coincidentemente, radialistas, jornalistas, comunicadores na TV, publicitários, empresários, traçando cada qual uma linha que hoje se faz história na Bahia, não importando os esquecimentos …

França, dispondo da mídia, atuou com estilo próprio. Criador, polêmico e corajoso! Neste e em outros setores, seja no político ou no Tribunal de Contas do Estado da Bahia, foi singular e, até um tanto revolucionário. Nesses últimos dias, falou-se muito de suas marcantes características que tornaram muito popular.

Há onze meses tive a experiência de uma isquemia cerebral, aprendendo com a dor das limitações, valorizar cada momento e dia da vida. Cheguei do hospital sem alardear fiéis amigos e me permitir refazer meus hábitos (antes, um tanto rígidos). Apurei mais a escuta da voz mais alta e mais baixa de Deus, que como o vento, segreda coisas que nunca tinha ouvido. Ouço-O da varanda e casa, na voz dos pássaros, no céu claro ou nublado, desde o verão a este ameno e belo outono de Salvador. Vejo-O ainda, na água azul ou mesmo turva da piscina ou no movimento dos bichinhos domésticos, que antes nunca me haviam despertado atenção!

Reaprendi coisas, neste período, com os filhos, amigos, fisioterapeutas, médicos, netos, sorrisos da bisneta, bem como com França. Não sabia como declarou muitas vezes, em suas visitas, do seu afeto e admiração por mim. Não sabia como vulcão que parecia ser, com sua voz de trovão, um humano amigo, cheio de ternura no olhar, nos gestos e nas mãos dadivosas, trazendo-me guloseimas, para desespero de Odete, cuja dieta vem seguindo à risca. Suas visitas eram como ele, originais, inesperadas. Algumas à noite, face às suas ocupações. Falávamos de tempo do rádio, de ontem e de hoje, entre outras coisas. e o vi, de fato, revelando-se, o França de agora, mais tranquilo, fazendo-se irmão, reivindicando meu acesso ao tratamento do SARAH, acreditando numa recuperação, mais breve.

Dizia-se notívago. Dormia às cinco da manhã. Durante a noite, lia e trabalhava. Falava da admiração e do amor filial que tinha pelo Monsenhor Sadoc, seu pai espiritual: – “Hoje lhe levei uns beijus. Ele gosta”, disse-me certa feita.

Quis ir ao jardim da Saudade, dar meu último adeus ao meu amigo irmão. Não me permitiram … Acho que zelavam pela minha saúde emocional! Assim, permaneci em casa cismando de como éramos diferentes, seja como pessoas, seja como comunicadores. Estilos totalmente diversos. Contudo, falava mais alto a amizade e a irmandade, independentemente de rótulos e do tempo!

Portanto, França, para seu conhecimento, lá no outro plano, seja onde estiver, fique sabendo, que já passei para o uso da muleta e agora estou dando passos, sozinho. Você França, que não viu estes últimos progressos, veja-os agora, nesta nova dimensão, pois nela, acredito piamente.

Shalom

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Viva o povo brasileiro

Samuel Celestino – Presidente da Assembleia Geral da ABI

O que pouco apareceu no grito das ruas que abalou o prestígio da presidente Dilma atingiu, também, e em cheio, o Congresso Nacional. A pesquisa realizada pelo Ibope que acaba de ser divulgada evidencia, com absoluta clareza, que não é este o sistema político que os brasileiros desejam, marcado pela corrupção em seus diversos aspectos. O expressivo percentual de 85% demonstra, insofismavelmente, o desejo, e já de uma reforma política consistente para ser posta em prática nas eleições do próximo ano.

O Congresso tem agosto e setembro para atender os eleitores. Uma reforma como tal, não se pode negar, atinge também a presidente, embora, no caso, ela tenha tentado, por linhas tortas, resolver a questão através de um plebiscito, a esta altura impossibilitado pelo tempo que resta. As mudanças eleitorais só podem ser realizadas no mínimo até um ano antes das eleições.

Ao apresentar a pesquisa Ibope pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), os integrantes do movimento certamente não imaginavam que o desdém dos brasileiros em relação à legislação eleitoral tivesse tamanha dimensão. A pesquisa foi contratada pela OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, que mais uma vez, presta um grande serviço ao País, revelando um pensamento que não foi exposto, com clareza, pelas manifestações populares nas três semanas de junho. Será necessário que haja uma coleta de assinaturas, através de um projeto popular, desejado por 92% dos entrevistados, tal como aconteceu com a Lei da Ficha Limpa.

Esse elevadíssimo percentual equivale a um soco na inoperância política dos parlamentares, na medida em que demonstra que o povo brasileiro quer corrigir o que eles, por interesses pessoais e partidários, não conseguem fazer. E não fazem porque não querem. O povo tomou o espaço do Congresso e passa a determinar as necessidades do País, revelando a inoperância das duas Casas Legislativas mais importantes do Poder Legislativo, a Câmara dos Deputados e o Senado. Oitenta e cinco por cento dos consultados exigem que a reforma tenha efeito imediato. Não são somente esses aspectos que foram pesquisados. De há muito tempo se pede que as doações para as campanhas políticas não sejam feitas pelo setor privado abrindo brechas para cambalachos e corrupção desvairados. Quem dá, quem financia, quer troco como resposta. Oitenta por cento são contra as doações de empreiteiras, empresários e interessados em burlar o erário da República e dos Estados federativos.

Deseja-se, também, que 90%, portanto quase fechando o número absoluto, 100, exigem punição rigorosíssima ao descarado e banalizado caixa-dois (que os mensaleiros alegaram com pouca vergonha no processo de condenação do Supremo Tribunal). É uma forma de corrupção aberta. Os políticos se utilizarem de tal expediente, porque, como o caixa-dois não é declarado, burla-se a Justiça Eleitoral. E tem mais: em muitos casos é usado para enriquecimento pessoal, no caso de eleição em segundo turno, quando os candidatos com maior possibilidade de vencer recebem altíssimos valores da iniciativa privada para gastos de final de campanha. Gasta-se uma parte e embolsa-se o resto.

Aqui na Bahia já aconteceu muitos casos semelhantes. A punição desejada para tal prática deve, efetivamente, ser rigorosa e inaceitável pelo Poder Judiciário, para que não tenha também que responder pelos desvios. Esta pesquisa Ibope chega no momento certo. Abala o Legislativo e o Executivo. Na semana passada, por exemplo, revelou-se que devedores da Receita Federal fizeram fortes doações para campanhas eleitorais, inclusive para a presidente Dilma Roussef.

Enfim, se esse País for passado a limpo, será feito não pelos adoradores do poder, mas, sim, pelo povo brasileiro. A coleta de assinaturas já está sendo feita. Nas ruas.

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Um papa para os novos tempos

Consuelo Pondé – Diretora da ABI

Quem, semanalmente, ocupa um espaço no jornal não pode deixar de tecer comentário sobre um assunto que impacta o país.

Não me interessa, no caso, comentar sobre a “logística” capenga que “desorientou” a chegada do Papa ao Rio de Janeiro, as gafes cometidas pelos governantes do país, os gastos descabidos e ineficientes com a preparação do Campo da Fé, assuntos por demais divulgados pela mídia.

O que me impulsiona a escrever estas linhas é comentar o sucesso da Jornada Mundial da Juventude, evento que se realiza com intervalos de dois a três anos. No Brasil o encontro estava fadado ao mais completo fracasso, diante das manifestações ocorridas desde o mês de junho. É verdade que grupos radicais tentaram tumultuar a jornada, mas ficaram restritos a pequenos e irreverentes protestos, que não tiveram a repercussão desejada por essas pessoas.

A propósito do iluminado papa, lúcido artigo foi escrito por Hélio Pólvora, nosso escritor maior, que versou sobre os “Falsos Arautos da Mudança“, colocando em cheque a sinceridade do papa Francisco em oposição “à encenação do ex-presidente Lula“, em que se destacam posições antagônicas entre o apego ao poder e ao seu desapego.

O texto de domingo é para ser guardado, pois encerra verdades indiscutíveis e foi escrito por quem tem o pensamento livre para dizer o que lhe vem à cabeça, porque não depende de governo nem escuta a voz da conveniência política.  Desconheço, porém, sua crença religiosa.

Em todos os pronunciamentos o Pontífice da Igreja Católica foi coerente com seu pensamento acerca da justiça social, sobre os abusos perpetrados contra jovens infratores pela polícia brasileira (Candelária nunca mais), tendo sido contundente nas críticas feitas aos equivocados rumos da igreja atual.

Na entrevista exclusiva, concedida ao jornalista Gerson Camarotti, respondeu com coragem e transparência todas as questões que lhe foram postas, não poupando críticas contundentes aos casos de pedofilia praticado por sacerdotes, nem a lavagem de dinheiro realizada no banco do Vaticano e outras falcatruas.

Não estava preocupado, como alguns articulistas pretenderam criticá-lo em relação às suas atitudes pessoais, ao seu acolhimento às crianças, jovens e idosos, até a opinião sobre os gays.

Vale destacar o que saiu da pena lúcida de Hélio Pólvora, quando escreve: “Francisco prega a doutrina do humanismo. Concita jovens e idosos a não se deixarem excluir, pois são as pontas do leque da vida: na primeira, a fé e a energia; na outra, a sabedoria amealhada. Quer a Igreja nas  ruas, nos protestos para higienizar a política“.

Não sei se outra personalidade do mundo atual arrastaria multidão comparável aos eventos em que o papa foi o protagonista. Queiram ou não os contumazes detratores, mas, o que o Papa possui e falta aos líderes brasileiros, inclusive os religiosos, é o Carisma, graça do céu, conforme escreve Caldas Aulete.

Essa palavra grega – Kharisma, se traduz por dom. Segundo o mesmo dicionarista, dom, s.m, é presente, dádiva, privilégio adquirido por um modo sobrenatural. Em Francisco a delicadeza, a afabilidade e a ternura são expressões naturais do seu temperamento. Apesar de um jesuíta preparado, culto, conhecedor da teologia, sua doçura é franciscana, despojada e simples e não deriva da inteligência. Nasce do seu coração misericordioso, amoroso e compassivo.

Quando o papa se dirigiu aos membros do Conselho Episcopal da América Latina insistiu em enfatizar que o sacerdote deve conservar-se perto dos pobres, participar da vida dos necessitados, não cultivar a “psicologia do luxo”, não ser “príncipe”, não se utilizar veículos de luxo, não abusar do conforto e da opulência.

Posicionou-se contra o “clericalismo” e advertiu sobre a necessidade de valer-se dos conselhos dos laicos, que podem ajudar a Igreja na tarefa da evangelização. Durante os dias em que esteve no Brasil não revelou cansaço. Antes, pelo contrário, sempre se mostrou disponível para enfrentar a “maratona” programada, revelando energia e têmpera incomuns.

Ao inverso do que seus “desafetos“ tentaram impingir aos incautos, não mudou sua maneira de ser e de agir. É o mesmo religioso que, na condição de Arcebispo de Buenos Aires, andava de metrô e preparava seus próprios alimentos. Não é homem de aparências, porque essas são dissimuladoras e acabam por trair aquele que falseia.

Audacioso, mas comedido, sua autoridade se centra na verdade, alertando, em suas pregações, sobre o desapego aos bens temporais, advertindo sobre a necessidade de assumir responsabilidades, acerca da necessidade de repartir, de incluir os excluídos, num discurso simples, despretensioso e cativante, no qual usou gírias brasileiras, condição essa que o aproximou mais e mais do nosso povo. Desapegado do protocolo, infringiu-o várias vezes, quando desceu do veículo que o conduzia para aproximar-se dos que se encontravam na multidão.

Confesso que não arredei o pé da televisão e, após o domingo sobrecarregado de emoção, custei a dormir. Uma inquietude tomou conta de mim e varreu o meu sono, até que fui forçada a usar medicação para relaxar. Nunca, em tempo algum da minha vida, experimentei igual sentimento de admiração por um ser humano que não tive a ventura de conhecer pessoalmente.

Em 31.07.2013

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O Pelourinho reclama requalificação

Consuelo Pondé – Diretora da ABI

Prolongamento do Terreiro de Jesus, onde floresceu, nos inícios da Colônia, o Colégio dos Jesuítas, constitui-se o Pelourinho num dos mais importantes conjuntos arquitetônicos da América Latina. Os inacianos foram os introdutores do primeiro curso de Arte, Filosofia e Letras e, pode-se afirmar, os criadores do ensino “universitário” na América Portuguesa. Esses estudos não resultaram em Universidade em função da política portuguesa, ao contrário do que ocorrera nas possessões espanholas.

O Colégio dos jesuítas abrigava os estudantes abonados da cidade, que pertenciam à nova aristocracia colonial, vale dizer, os filhos dos proprietários rurais, negociantes abastados, que saiam da instituição preparados para cursar a Universidade de Coimbra, onde realizavam curso superior.

Apesar dessa limitação absurda do governo português, naquele espaço histórico floresceu a cultura brasileira nos seus passos iniciais, representada pelo já citado Colégio dos Jesuítas, bem assim a Aula Militar, e a Faculdade de Medicina. No seu entorno foram edificados magníficos exemplares da arquitetura religiosa, até hoje visitadas e revisitadas pelos  admiradores da arte barroca de matriz portuguesa.

Com o passar do tempo, especialmente, a partir dos finais do século XIX, o Pelourinho foi-se degradando, convertendo-se em zona habitada por gente de baixo poder aquisitivo, sem “eira nem beira”, que passou a viver nos velhos sobrados, não mais conveniente às necessidades dos ex-moradores, em virtude dos obsoletos padrões arquitetônicos e da falta de conforto requerido pelas exigências daquele novo instante da vida da cidade. Sob o ponto de vista comercial, ocorreu a desvalorização dos imóveis, que social e economicamente, foi sendo objeto de interesse de pessoas de pequenos ganhos, que necessitavam morar perto do local onde trabalhavam.

Entretanto, ainda, nos inícios do século XX, ou seja, na primeira década, figuras expressivas da vida baiana ainda moravam na área do Pelourinho, fosse na Praça José de Alencar, fosse na Rua do Paço, ou mesmo no Largo do Pelourinho, como a Família Teixeira, da antiga e tradicional estirpe de Caetité, além de outras pessoas gradas. No Cruzeiro de São Francisco nasceu o poeta Gregório de Mattos Guerra.

Esse núcleo importante da velha Soterópole abrigou movimentos literários de elevada significação tais como: A Nova Cruzada e a Academia dos Rebeldes. Mais tarde, no Terreiro de Jesus, funcionou o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a Academia de Letras da Bahia e o Centro de Estudos Afro-Orientais (no mesmo edifício), e a gloriosa Sociedade Protetora dos Desvalidos.

O primeiro projeto de recuperação do Pelourinho foi feito pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), que cominou com a UNESCO a vinda de uma missão ao Brasil, visando ao objetivo de analisar e sugerir providências destinadas ao seu aproveitamento como centro cultural e artístico da cidade.

Àquela altura, o Pelourinho e ruas adjacentes haviam se transformado em antro de prostituição e de boemia, tendo sido o trabalho realizado pelo IPAC uma obra de “salvamento” admirável, de maneira tal que a área histórica foi recuperada da lenta decadência, a ponto de tornar-se local de atração turfística para todos que visitavam a velha Cidade da Bahia. Trabalho iniciado no Governo Luís Viana Filho, teve continuidade na gestão do Governador Antônio Carlos Magalhães.

Colaborou com essa iniciativa a Federação do Comércio, presidida por Deraldo Mota, sendo de sua iniciativa a reconstituição de quatro casas no Largo do Pelourinho e a instalação do SENAC e do SESC. Também foram instaladas uma porta aberta para o turismo a Escola de Hotelaria do Senac, comportando um restaurante de comidas típicas. A 5 de janeiro de 1975 inaugurou-se o Museu das Portas do Carmo, no prédio de  número 13. Muitos restaurantes, bares, sorveterias e ateliês ali se instalaram, deixando o Pelourinho em condições de agradar aos mais exigentes visitantes. Estacionamentos também permitem o acesso de veículos de passeio, desde quando naquela região não é possível existir trânsito livre.

Antigos edifícios mantiveram suas fachadas, mas foram destruídos internamente, para ceder lugar a espaços de lazer, onde são apresentados espetáculos culturais, musicais, a exemplo da Praça Tereza Batista, personagem de Jorge Amado que, no Pelourinho, tem ali seu “espaço de memória”, representado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

Lamentavelmente, com o passar dos anos e o abandono a que se costuma relegar o patrimônio cultural da Bahia, o Pelourinho não oferece os mesmos atrativos daqueles vividos há algumas décadas.

Pálida sombra do que foi, deve, ao menos, servir de recordação para os que tiveram a ventura de viver seus tempos de revitalizador apogeu.

Em 28.08.2013

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