*Por Sérgio Mattos
Muitos foram e ainda são os termos utilizados para definir a professora Consuelo Pondé de Sena: agitadora cultural, antropóloga, caprichosa, contida, corajosa, cronista nata, defensora da cultura e da história da Bahia, defensora do Dois de Julho, destemida, determinada, educadora, eficiente, emblemática, emotiva, explosiva, feminista, guerreira, historiadora, independente, intransigente, irreverente, mulher imponente, professora, personalidade marcante, teimosa, entre outros. No entanto, quem melhor a definiu foi ela mesma, em sua última crônica, intitulada “Pranto da Madrugada”, publicada no jornal Tribuna da Bahia, 23 dias antes de seu falecimento, ocorrido no dia 14 de maio de 2015, aos 81 anos de idade:
Desde a primeira infância e adolescência, Consuelo já se destacava pela beleza física e inteligência. Demonstrava ser diferente, devido à criatividade e ousadia em defender seu espaço e liberdade para fazer peraltices, como confessa em outra crônica, produzida no período de convalescença, no qual estava resgatando sua própria história, repensando sua vida, tentando encontrar respostas para o que estava acontecendo: “Meu lado lúdico, se é que assim posso denominar minhas maluquices, expandiu-se nas Mercês [colégio católico feminino] como nunca. Minha cabeça astuciosa era uma usina inesgotável de ideias”.
Essa usina de ideias nunca parou de funcionar ao longo dos anos, tendo em vista que ela concentrava toda sua atenção em torno da cultura e da história da Bahia, procurando defender e promover nossa história por meio da realização de eventos na Casa da Bahia, como se referia ao IGHB. Aliás, como disse o jornalista Tasso Franco, que, como eu, também é ex-aluno de Consuelo, ela
Na visão do antropólogo Luiz Mott, Consuelo
Consuelo defendia os interesses do Instituto com muita garra e não media esforços quando precisava realizar algum evento ou reforma na sede. Ela procurava as autoridades e pedia em nome da Casa da Bahia. Usava para isso seu poder de persuasão, prestígio pessoal e as amizades construídas ao longo dos anos. Inspirava-se em um de seus ídolos, Bernardino de Souza, que foi secretário-geral do IGHB e responsável pela arrecadação de doações para a construção do imponente prédio onde ainda funciona a instituição.
Quando se dizia amiga de alguém, defendia a pessoa como se um filho ou parente fosse. Também sabia ser dura e crítica com aqueles que não comungassem com os interesses da instituição que ela dirigia como se fosse a própria casa. Além de sempre manifestar seu respeito e admiração por Bernardino de Souza, Frederico Edelweiss, José Calasans e Jorge Calmon, ela era fã do poeta Castro Alves, de quem era profunda conhecedora da vida e obra, mantendo em seu gabinete, no IGHB, alguns móveis utilizados pelo poeta.
Vale salientar que o próprio nome dela, Consuelo, estava vinculado ao poeta, como lembrou o professor Edivaldo Boaventura, no discurso que a recepcionou quando de sua posse na Academia de Letras da Bahia:
Este ano, a celebração dos 192 anos das lutas pela Independência do Brasil na Bahia não contou com a participação de Consuelo Pondé de Sena, uma das suas principais personagens ao longo dos últimos 20 anos. Além dela, acredita-se que nenhum outro baiano tenha participado dessa cerimônia anual tantas vezes e ininterruptamente. No entanto, aproveitando-se do tema do desfile de 2015, “Guerreiras da Independência”, em homenagem às mulheres que participaram da luta pela libertação, representadas por Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa, o cortejo fez uma parada em frente ao IGHB, homenageando Consuelo Pondé de Sena pela conquista do reconhecimento do Dois de Julho como a data da Independência do Brasil na Bahia. E assim, de maneira indireta, Consuelo passou a ser considerada também como uma das heroínas da Bahia.
Além disso, o governador Rui Costa lançou, no dia 2 de julho, na Fundação Pedro Calmon, no Palácio Rio Branco, Praça Thomé de Souza, a Biblioteca Virtual Dois de Julho, unidade especializada em História da Bahia, que a partir de então passou a ter como patrona a historiadora Consuelo Pondé de Sena, que, durante muitos anos, organizou e manteve viva a tradição do Dois de Julho. A biblioteca virtual disponibiliza um rico acervo sobre a história da Bahia e mais especificamente sobre a história do Dois de Julho.
Em sua última participação nos festejos do Dois de Julho, realizado em 2014, Consuelo Pondé de Sena pronunciou um discurso contundente, como no trecho destacado a seguir:
DADOS BIOGRÁFICOS – Consuelo Pondé de Sena nasceu em Salvador, no dia 19 de janeiro de 1934. Filha do médico Edístio Pondé e de Maria Carolina Montanha Pondé. Casou-se com o neurologista Plínio Garcez de Sena, com quem teve quatro filhos: Maíra Pondé de Sena (psicóloga), Maria Luiza Pondé de Sena (assistente social), Mauricio Pondé de Sena (guia de turismo) e Eduardo Pondé de Sena (psiquiatra). Diplomada pela Universidade Federal da Bahia, no ano de 1956, em Geografia e História. No ano de 1977 concluiu o Mestrado em Ciências Sociais, quando defendeu a dissertação intitulada Introdução do Estudo de Uma Comunidade do Agreste Baiano – Itapicuru – 1830-1892, sob a orientação do professor José Calasans Brandão da Silva. Na universidade, atraída pelo estudo da Língua Tupi e contando com o incentivo do professor Frederico Edelweiss, dedicou-se ao tema, tendo-o substituído no ensino dessa disciplina em algumas oportunidades. Quando o mestre se afastou do ensino, Consuelo assumiu a disciplina em 1963 e permaneceu como docente da mesma até o ano de 1993.
Ao longo de sua vida exerceu inúmeros cargos administrativos, além de ter integrado vários conselhos, nos quais sempre se destacou pelas iniciativas e posições firmes adotadas. Dentre eles destacam-se: chefe do Departamento de Antropologia e Etnologia da FFCH da UFBA, diretora do Centro de Estudos Baianos da UFBA (1974-1983), membro da diretoria do IGHB/Oradora oficial (1982), diretora da Associação Bahiana de Imprensa (1984), conselheira do Conselho Permanente da Mulher Executiva da Associação Comercial, ocupando sua vice-presidência (1985), conselheira e diretora da Associação Comercial da Bahia, diretora da Casa Ruy Barbosa (1985), diretora do Arquivo Público do Estado da Bahia (1987-1990) e presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia por um período de 19 anos, de 1996 a 2015. Paralelo a essas atividades, Consuelo integrou a Comissão Estadual das Comemorações dos 150 anos de nascimento de Castro Alves, membro do Conselho Consultivo da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), além de organizar e presidir congressos e encontros de História da Bahia, além de ter presidido o Simpósio Internacional A Família Real na Bahia (2008). Ela integrou várias outras instituições, a exemplo da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação Nacional de Professores Universitários de História (ANPUH), Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Academia Baiana de Educação, Academia Portuguesa de História e Academia de Letras da Bahia. Foi ainda autora de inúmeros artigos, colunista dos jornais A Tarde e Tribuna da Bahia, de revistas especializadas, além de ter publicado livros, a exemplo de A imprensa revolucionária na Independência (1983), Os Dantas de Itapicuru (1987), Trajetória Histórica de Juazeiro (em coautoria com Angelina Garcez (1992), Cortes no Tempo (1997), A Hidranja Azul e o Cravo Vermelho (2003), Bernardino de Souza: vida e obra (2010) e No insondável tempo (2013). Ela foi homenageada também com várias comendas e medalhas, dentre as quais destacam-se: Comenda Maria Quitéria (1987), Medalha do Mérito do Estado da Bahia, no grau de Comendador (1991), Medalha do Infante D. Henrique (1994) e a Medalha Dois de Julho.
*Sérgio Mattos, jornalista diplomado pela UFBA, ex-aluno de Consuelo Pondé de Sena, mestre e doutor em comunicação pela Universidade do Texas, membro efetivo do IGHB, do qual já foi secretário-geral e atualmente exerce a função de diretor de publicações. É autor de vários livros e professor da UFRB.
FONTE: Artigo originalmente publicado na Revista Bahiaciência – 27 de julho de 2015 – Edição 4