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Na ‘Sweet Home’, em Petrópolis, os últimos dias de Ruy Barbosa

Luis Guilherme Pontes Tavares*

A família de Maria Augusta (1855-1948) e Ruy Barbosa (1849-1923) usufruiu do chalé ajardinado na Rua Ipiranga, 405, em Petrópolis, durante 10 anos, desde 1913 até o falecimento, ali, do ilustre baiano em 01 de março de 1923. Ele se referia à essa casa da serra fluminense como sua Sweet Home. Nos últimos dias da vida de Ruy Barbosa, ele estava tomado de preocupações com a Bahia, como veremos mais adiante.

O imóvel de Petrópolis foi vendido pela viúva de Ruy Barbosa pouco tempo após a morte dele e o adquirente foi o político e diplomata mineiro Miguel Gastão da Cunha (1863-1927), que faleceu poucos anos depois. O imóvel permanece com os descendentes dele, que o preservam com rigor. O imóvel de Petrópolis é, portanto, particular, não é tombado e não está aberto para a visitação pública.

Ainda da década de 1920, parte do mobiliário do chalé de Petrópolis foi adquirido (a cama do casal e as cadeiras de couro da biblioteca) pelo Governo Federal e transferido para o museu, na Vila Maria Augusta, na capital do Rio de Janeiro, onde se reverencia, desde a década de 1930, a memória de Ruy Barbosa. Alguns móveis da residência da serra fluminense foram doados ao Museu Casa de Ruy Barbosa, em Salvador. Tão logo a ABI restaure o imóvel e reabra o equipamento, que está sendo requalificado pelo designer gaúcho Gringo Cardia, será possível contemplar mesa, cadeiras e cristaleiras.

Ruy Barbosa e família, quando adquiriram o imóvel ajardinado da Rua Ipiranga, tinham passado férias naquela cidade em outros imóveis alugados no centro; um, na Rua Paulo Barbosa, e o outros na Praça da Liberdade, logradouro que receberia o nome de Ruy Barbosa após a morte do saudoso jornalista, jurista, diplomata e político baiano. Antes de adotarem Petrópolis, a família frequentava Nova Friburgo, outro destino disputado da serra fluminense.

Conforme o jornalista, bibliotecário e professor José Kopke Fróes (1902-1992), o texto “Petrópolis e Rui Barbosa” (v. II, Anais do Congresso Brasileiro de Froes Língua Vernácula (Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1957. p. 133-137), “a partir e do ano de 1900, [a família de Ruy Barbosa] preferiu sempre Petrópolis, talvez por ser mais próxima da Capital da República”.

A BAHIA ATÉ O FIM

Placa interna

O livro Museu Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro: Banco Safra, 2013), que trata dos imóveis, plantas, objetos e personagens da Vila Maria Augusta, em Botafogo, no Rio de Janeiro, registra na página 27 do capítulo “Cronologia” que Ruy Barbosa, em 11 de janeiro de 1923, redigiu, em Petrópolis, um ‘Manifesto à Bahia”. Já estava, então, enfrentando o agravamento dos problemas de saúde que se instalaram desde a juventude. A mesma página 27 informa que em 27 de fevereiro do mesmo ano (1923), Ruy “é vítima de paralisia bulbar.” Resiste mais dois dias e falece no entardecer de 1º de março.

No mesmo livro, no capítulo “Cenas do cotidiano na Vila Maria Augusta” (p. 43-55), as pesquisadoras Maria Augusta Jurema Secker e Rejane M. Moreira de Magalhães informam:

“Em agosto de 1922, no Rio de Janeiro, Rui adoeceu gravemente com edema pulmonar, agravado por sintomas de uremia. Seus médicos proibiram-no de qualquer leitura e esforço físico e, apesar de reagir milagrosamente, seu organismo ficou debilitado. Mesmo assim, em 10 de janeiro de 1923, após ter adiado a viagem por três vezes, foi veranear em Petrópolis. Retomou aos poucos seus hábitos de leitura e de passeios pelo jardim. No dia 27 de fevereiro desse ano, contrariado com os rumos da política baiana, discursou durante horas, numa reunião em sua casa. Ao concluir, sentiu um aperto doloroso na garganta, chamou imediatamente seu médico em Petrópolis, dr. Edgar Correia de Lemos, que o

examinou e achou seu estado gravíssimo. No dia seguinte, dr. Edgar, o dr. Luis Barbosa, médico da família no Rio, e dr. Modesto Guimarães confirmaram o diagnóstico: paralisia bulbar. No dia 1º de março, não apresentando melhoras, foi chamado do Rio o otorrinolaringologista João Marinho, que nada pode fazer.”

As autoras agregaram o trecho da nota 34 de Rui Barbosa (ensaio biográfico), do jornalista Fernando Néri, livro publicado em 1932: “Todo esse dia, Rui passou mal, falando com muita dificuldade, coordenando mal as expressões, quando lhe faziam algumas perguntas. À 1 hora da tarde, dirigindo-se ao dr. Lemos, disse Rui: ‘Doutor, não há mais nada a fazer’. Entre as 3 e 4 horas, teve esta exclamação: ‘Meu Deus! Tende compaixão de meus padecimentos!’” As autoras acrescentam: “Frei Celso, da ordem dos Franciscanos, de Petrópolis, foi chamado para ministrar os sacramentos da confissão e extrema-unção. Nesse mesmo dia, quinta-feira, morreu Rui Barbosa às 20h25.”

CAMINHAMOS PELO JARDIM

Tivemos sorte quando visitamos o chalé ajardinado da Avenida Ipiranga, 405, em Petrópolis, no final da manhã de 17 de junho passado. O empresário Geovane Reis da Cunha, bisneto de Miguel Gastão da Cunha, retornava do supermercado e foi gentil quando nos permitiu ingressar, com ele, no jardim. O privilégio nos permitiu algumas fotos da casa e da placa intramuros. Não ingressamos na casa porque ocorria, na ocasião, cerimônia fúnebre em torno das cinzas de parente recém-falecido.

Quando Ruy Barbosa adquiriu a casa, em outubro de 1913, pagou 60:000$000 Rs (sessenta contos de Réis), conforme a pesquisadora Rejane Magalhães registra na página 12 de seu livro Rui Barbosa na Vila Maria Augusta (Rio de Janeiro: FCRB, 2013). Desconheço ainda quanto foi que o comprador pagou à dona Maria Augusta e filhos pelo imóvel, mas constatei que tudo está em boas condições e, na ocasião, havia sinais de que o chalé estava recebendo cuidados externos de conservação. É bom lembrar que o político Miguel Gastão da Cunha foi o representante do Brasil na Liga das Nações e era amigo pessoal de Ruy Barbosa. Os descendentes, portanto, mantêm o zelo com o bem que encerra lembranças da família.

Sweet Home fica no centro de Petrópolis e dista cerca de um quilômetro do Museu Imperial. O chalé ajardinado na Ipiranga 405 tem duas placas de identificação na parte externa, uma das quais, de 1999, comemorativa dos 150 anos de nascimento de Ruy Barbosa. A outra placa, de fundo carmim, informa que o imóvel foi construído no final do século XIX e que Ruy Barbosa, ali, cultivava rosas e escreveu livros, dentre os quais Oração aos Moços, cuja primeira edição é de 1921.

Enfim, mesmo que seja pelo lado de fora, visitem a casa de Ruy em Petrópolis.

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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Artigos

Três destinos num Circuito Ruyano, dos muitos que giram mundo afora

Luis Guilherme Pontes Tavares*

Caravelas, município do litoral sul da Bahia, tem a ver com Ruy Barbosa (1849-1923). Vamos tratar disso neste artigo. E nos próximos, trataremos da Vila Maria Augusta, ampla propriedade em que ele e a família viveram em Botafogo, no Rio de Janeiro, e da casa de veraneio que ele possuiu na Avenida Ipiranga, 415, em Petrópolis. Fiz o circuito, um dos muitos que poderia receber o adjetivo “ruyano”, de carro. No caso do primeiro destino, Caravelas, apreciaria repetir embarcado numa lancha.

O Circuito Ruyano mais óbvio, parte da casa natal, em Salvador, e se encerra em Petrópolis, onde Ruy Barbosa faleceu em 01 de março de 1923. A propósito de Salvador, haveria dois outros endereços a visitar, caso os identifiquemos, um na Piedade e o outro em Plataforma. No primeiro ele se hospedava quando visitava Salvador; no outro, teria residido com o pai na primeira metade da década de 1870. Mas há o circuito ruyano do exílio (Argentina, Portugal e Inglaterra); há o circuito ruyano das campanhas para presidente da República e para Governador da Bahia; há o circuito ruyano de moradas no Rio de Janeiro até assentar-se na Vila Maria Augusta; e há outros tantos.

CARAVELAS, DOS ALMEIDAS

“Coronel José” e Luis Guilherme na Praça do Sossego, em Caravelas | Foto: Romilda Tavares

Inicio a abordagem sobre o primeiro destino do Circuito Ruyano que elegi para percorrer em junho passado lembrando a sentença do professor e ex-deputado Rubem Nogueira (1913-2010) a respeito de Ruy Barbosa: “é o personagem mais notório e menos conhecido” do Brasil. Ele foi o último ruyano entre os baianos, tem obras publicadas sobre a vida e a atuação do jurista e é o doador de muitos livros que compõem a biblioteca do Museu Casa de Ruy Barbosa (MCRB). A advertência do professor Nogueira foi lembrada pela neta dele, a empresária Mariana Lisboa, quando, em nome da avó e demais familiares, autorizou, em 21set2021, à ABI a criar medalha com o nome do doador. A propósito da frase, ela ecoa nestas considerações do engenheiro e general de brigada (reformado) José de Almeida Oliveira, 96 anos, sobre sua terra natal: “Qualquer tentativa de escrever algo sobre a evolução histórica de Caravelas, de imediato surgirá um forte obstáculo: a falta de subsídios, de registros, de anotações”.

Caetano Vicente de Almeida

Autor de vários livros, dentre os quais o recente Caravelas. Uma trajetória histórica da Princesa de Abrolhos, v. 1, o “Coronel”, como é tratado pelos conterrâneos, foi o principal interlocutor, tendo aberto o portão da Chácara das Oliveiras, onde vive com a esposa, dona Eleonor Scofield Almeida, e nos atendeu durante a tarde de 11 de junho passado. Conversamos sobre a ligação de Ruy Barbosa com Caravelas e ele apontou o livro do pesquisador e tradutor Fábio M. Said – O clã Almeida de Caravelas e Alcobaça. Volume 2 da Coleção Antigos Clãs de Alcobaça (São Paulo: e.a., 2012) – como fonte confiável.

Vamos ao que interessa neste artigo: exibir a relação de Ruy com a Princesa de Abrolhos.

É provável que a licença poética do escritor Antonio Soares de Alcântara (1883-1960), autor do hino do município, tenha comprometido a exatidão da história do lugar. Num dos versos, o poeta informa que a cidade foi “Geratriz do genial Ruy Barbosa”. O pesquisador Fábio Said, que ora reside na Alemanha, recompôs a árvore genealógica do baiano e constatou que a avó dele, Maria Adélia Barbosa de Oliveira, é filha de Caetano Vicente de Almeida, de família da região do litoral sul, e Luiza Clara Joaquina Barbosa de Oliveira, também descendente do patriarca português Antonio Barbosa de Oliveira, que chegou ao Brasil no século XVIII e faleceu em 1784.

O PAI DE RUY EM CARAVELAS

Há no livro de Said um parágrafo esclarecer:

“Através de um documento de 1846 existente no arquivo da família Barbosa de Oliveira, na Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro), fica-se sabendo que o dr. João José clinicou em Caravelas no ano de 1844. Trata-se de um atestado emitido pelo juiz de paz de Caravelas, Hermenegildo Neves de Almeida, afirmando que o dr. João José Barbosa de Oliveira tratou e curou um sobrinho seu que estava enfermo. Aparentemente, o dr. João José clinicou apenas momentaneamente em Caravelas, pois no final do mesmo ano ele estava de volta a Salvador e ali fundou uma clínica. Não se sabe se o dr. João José Barbosa de Oliveira retornou a Caravelas.” (p. 226)

E, em seguida, na mesma página, este outro esclarecimento:

Na placa, se lê “Aqui nesta casa eu fui gerado” como sendo frase dita por Ruy Barbosa | Foto: Romilda Tavares

“É bastante provável, porém, que o dr. João José tenha se dirigido a Caravelas no mesmo iate que levou seu primo sobrinho e futuro cunhado, o capitão-de-fragata Hermenegildo Antonio Barbosa de Almeida […]. Há registro de que o iate saiu de Salvador em 9 de junho de 1844, avistando o Monte Pascoal no dia 15 de junho. […]: A tradição popular em Caravelas e a memória familiar do clă Almeida registram que Ruy Barbosa era intimamente ligado a Caravelas.”

O escritor José de Almeida Oliveira, quando nos apontou o livro de Said, proporcionou duas constatações: os pais de Ruy, o médico João José e dona Maria Adélia, até prova em contrário, não estavam em Caravelas nos primeiros meses de 1849 e, portanto, não conceberam ele no imóvel da Avenida Sete de Setembro, 98. Se a documentação não sustenta tal afirmação, por que razão o município autorizou a fixação de placa no imóvel? Ademais, quanta audácia do autor quando aspeou e assinou como se o atestado fosse passado pelo próprio Ruy!

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

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