Terceira edição do evento é marcada pelo combate à polarização política e por reflexões sobre o papel do jornalismo
Criar registros, armazenar dados, preservar a História. Incorporada à existência do homem, a escrita ocupa um papel cada vez mais central para manter viva a essência humana e as relações sociais. Para discutir a interface entre “A Escrita e o Poder”, a terceira edição do Sarau da Imprensa reuniu profissionais e estudantes da comunicação, professores, artistas e representantes de instituições ligadas ao segmento cultural, que lotaram o Auditório Samuel Celestino, da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), no Centro Histórico de Salvador. Nem a véspera do feriado conseguiu esfriar o debate, que teve como convidado o jornalista Bob Fernandes e terminou em clima fraternal, com a apresentação de uma banda formada por jornalistas.
Com o agravamento da crise política, institucional e ética no Brasil, reflexões sobre o cenário atual e o papel da imprensa deram o tom do encontro. O vice-presidente da ABI, Ernesto Marques, que atua na organização do Sarau e mediou a conversa, resgatou a trajetória da entidade de 85 anos e explicou o objetivo do evento. Segundo ele, a ideia surgiu em 2012, quando foram realizados três encontros que trataram de temas-chave para a sociedade. “A Casa dos Jornalistas, para a atual diretoria da ABI, é a casa do contraditório. Nossa contribuição para louvar a democracia é oferecer seu teto para abrigar grandes polêmicas de interesse público, e não apenas para temas do interesse direto dos profissionais e empresários da comunicação”.
Desde que se intensificaram no Brasil os movimentos contra e pró-governo, a cobertura dos atos e dos fatos políticos tem dividido opiniões. Os sintomas da polarização que afeta o país podem ser percebidos em publicações na internet, que, embora tenha ampliado o espaço de divulgação de notícias, virou palco de guerra de informação. Quais interesses estão em jogo na condução dos acontecimentos? Qual o papel das grandes empresas de comunicação na produção das notícias? E os jornalistas? Questionamentos como esses foram levantados por Bob Fernandes, que criticou o posicionamento da imprensa e classificou de “opinionismo” boa parte do conteúdo noticioso.
Pluralidade
As transformações do fazer jornalístico não passaram despercebidas. Segundo Bob, o imediatismo da informação tem feito profissionais esquecerem lições básicas do ofício. “Não se tem mais cuidado com a apuração, não se checa mais. Basta reproduzir o que leu no site de alguém”. Para ele, é necessário que os jornalistas sejam criteriosos, evitando publicizar informação enviesada, pouco precisa. “Eu não vejo problema em investigar e divulgar. O que não pode é a imprensa ou o judiciário adotarem um lado. Não façam disso um jogo de poder. O dinheiro não pode ser sujo para um e limpo para outro”. Bob evitou falar nomes de políticos e instituições, limitando sua fala à análise da cena política e o jogo mediático. “O importante é preservar a pluralidade de opiniões, criar espaços para discutir todos os lados. Que programa da TV aberta está debatendo esses assuntos?”, questionou. “Nesse monumental bordel, eu também quero respostas”.
“Com que roupa eu vou?”
Para Bob Fernandes, o fator mais preocupante é o clima de radicalização que tomou conta das ruas e das redes sociais, entendidas por ele como um relevante espaço de discussão e ativismo. Isso porque, conforme registrou o jornalista, o acirramento de ânimos já reflete na escolha da cor da vestimenta. Enquanto quem traja vermelho defende o governo e denuncia um possível golpe, pessoas de verde e amarelo pedem o impeachment da presidente Dilma Roussef (PT) e espalham o discurso de combate à corrupção. “O fenômeno de tanta violência é porque hoje as tribos se encontram na rede, se reconhecem. Um país que amarga em sua história mais de 300 anos de escravidão não poderia apagar os rastros de ódio tão facilmente. Nas ruas, o clima é de torcida”.
Em meio a relatos de casos de intolerância e agressões com motivações políticas, o jornalista da TV Gazeta adotou um discurso sóbrio para pedir mais respeito e civilidade. “Há um mal estar generalizado no Brasil, independentemente do lado em que você está. Meus amigos estão todos alterados, eu não sei se devo continuar conversando, me escondo de palestras. E nós, jornalistas, temos muita responsabilidade nisso”. Para ele, o debate é o melhor caminho. “A gente tem que reconstruir as pontes através do diálogo”, sinalizou Bob, que parabenizou a ABI pela iniciativa. “É um exemplo não apenas para outras entidades ligadas à imprensa, mas para todas as comunidades. Temos que reaprender a conversar, a ouvir o outro”.
Jam-jor
O tom de confraternização ficou por conta da sessão de música encabeçada por uma banda formada por jornalistas e aberta a todos os participantes. Não faltou espaço para o improviso e a mistura de estilos musicais. A diretora artística do Sarau, Rita Tavarez – jornalista, fotógrafa, compositora e cantora – abrilhantou o encontro, acompanhada por nomes como Suely Temporal, Manu Dias, Marcos Sampaio e Arthur Carmel, que entoaram clássicos da MPB. Participaram também do evento diretores da ABI: Valter Lessa, Luís Guilherme Pontes Tavares e Valber Carvalho; e o diretor-geral do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), Flávio Gonçalves.
O Sarau da Imprensa acontece até o mês junho, com um encontro por mês, sempre às quintas-feiras, 19 horas. Cada edição contará com a participação de convidados especiais, além de apresentações artísticas que dialogam com cada tema proposto. O projeto conta com apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia. A produção do evento é da Obá Cacauê, que tem como sócias Fabíola Aquino e Ceci Alves, jornalistas e cineastas.
• Acompanhe a programação na página oficial do Sarau da Imprensa!