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Papa defende transparência e cogita abrir arquivos secretos sobre o Holocausto

Em sua primeira viagem à Terra Santa, prevista para maio deste ano, Francisco – nascido Jorge Bergoglio –, pode abrir os documentos do Vaticano sobre a relação de Pio XII e o nazismo. O papa estuda a possibilidade de antecipar a abertura dos arquivos da Santa Sé durante o controvertido pontificado de Pio XII (1939-1958), acusado de ter mantido silêncio sobre o Holocausto dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Se fizer isso, terá novamente quebrado um segredo mantido até agora a sete chaves nos poeirentos arquivos vaticanos.

À Agence France-Presse (AFP), fontes que participam da Congregação para a Doutrina da Fé, importante órgão do Vaticano, declararam que “é possível que anuncie sua abertura [dos arquivos] em breve”. Segundo essas fontes, já está digitalizado tudo o que se refere às acusações feitas ao papa Pacelli de ter mantido silêncio sobre a matança de judeus para não se indispor com Hitler, que por sua vez poderia, se fosse excomungado, promover represálias contra os católicos. O material já estaria pronto para ser consultado pelos historiadores e especialistas. E se o mundo encontrar surpresas desagradáveis para a Igreja nesses arquivos sobre o Holocausto?

Um amigo próximo de Francisco, o rabino Abraham Skorka, que conhece o pontífice há 20 anos e coautorou com ele em 2010 o livro intitulado “No Céu e na Terra” (“On Heaven and Earth”), relatou uma ocasião em que o então cardeal na Argentina defendeu a transparência na Igreja. “Eu expliquei que não conseguia entender como uma pessoa – um líder espiritual – não se envolveu mais e mais durante a Shoah [o Holocausto]. Sua resposta [de Francisco] foi: ‘Continuemos em busca de alcançar a verdade.’”

A abertura dos arquivos, que são secretos desde 1939, depende do pontífice, que pode autorizar sua consulta. Ao que parece, o papa Francisco não gosta da cultura do segredo, uma planta que o Vaticano sempre cultivou tanto. “Que se conheça tudo, e se nos equivocamos teremos que dizer: ‘Erramos’”, disse o então cardeal arcebispo de Buenos Aires no livro. À pergunta do rabino sobre se a Igreja estaria disposta a abrir seus arquivos secretos relacionados à matança dos judeus, o futuro papa lhe respondeu que estava de acordo, acrescentando que a Igreja “não deve ter medo da verdade”.

Francisco é um papa de gestos, que às vezes escandalizam, mas que com eles está conquistando a simpatia até dos não cristãos, e inclusive de não poucos agnósticos e ateus. O gesto de abrir os arquivos secretos do Vaticano sobre o Holocausto está cheio de simbolismos. Faz parte da revolução que Francisco está promovendo na Igreja, tentando devolvê-la às suas origens, que se encontram justamente em terras judaicas. Não existiria cristianismo sem o judaísmo, de cujo tronco acabaria nascendo. Jesus era judeu de nascimento e de religião. Hoje, a Igreja lê a Bíblia judaica em cada missa que celebra, e o papa usa a quipá judaica, que os católicos chamam solidéu.

A aproximação do papa católico com os judeus que sofreram o martírio do Holocausto é também um gesto de alto valor político. Francisco, com efeito, vai a Jerusalém não só como convite à Igreja para que volte às suas origens, mas também para poder se colocar diante de Israel como um interlocutor crível no difícil e eterno diálogo de paz entre judeus e palestinos.

Aos cristãos ele manda uma mensagem clara: acabou-se o secretismo na Igreja. Francisco tem se proposto a despi-la das suas superestruturas, despojando-a de riquezas e ouropéis, de símbolos de poder, de velhos tabus para ressuscitar a primitiva simplicidade das origens do cristianismo, quando o profeta de Nazaré já dizia a seus apóstolos que não deviam esconder a verdade, e sim gritá-la “dos tetos das casas”.

Francisco está arrastando a poderosa e rica cúpula de São Pedro para o berço humilde de Nazaré, uma aldeia feita de casas de barro que nem sequer aparecia nos mapas daquele tempo. A Igreja condenou Galileu por sustentar que a Terra não estava parada, e sim que se movia. Condenado pelo Vaticano, aceitou a condenação, mas acrescentou: “Eppur se muove”.

É possível que bispos e até os cardeais da velha Igreja critiquem Francisco pelo fato de ter dado corda a uma Igreja que parecia acomodada, parada no tempo, e que agora, goste-se ou não, se pôs em marcha, gerando ao mesmo tempo estupor e esperança.

Controvérsia

Líderes religiosos judeus e historiadores acusaram por anos Pio XII de passividade ante o Holocausto nazista e pediram que fosse interrompido seu processo de beatificação ao menos por uma geração, em consideração aos sobreviventes ainda vivos.

No entanto, a Igreja católica alega que a chamada neutralidade do papa durante esse episódio permitiu salvar um número importante de judeus, já que Pio XII teria ajudado a fuga de cerca de 200 mil judeus da Alemanha na década de 1930. Segundo Bento XVI, Eugenio Pacelli (papa Pio XII), foi “um dos grandes justos, já que salvou mais judeus do que ninguém”. Em 2009, o agora papa emérito Bento XVI assinou o decreto confirmando as “virtudes heroicas” de Pio XII, proclamando-o “venerável”, etapa prévia à beatificação, que originou vários protestos das comunidades judias.

Informações de Juan Arias para o El País (Edição Brasil), com Agência France-Presse e Enciclopédia do Holocausto.

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