ABI BAHIANA

Edição especial da Revista Memória da Imprensa traz reflexões sobre papel do jornalismo na luta antirracista

A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) lançou nesta sexta-feira (11) mais uma edição especial da Revista Memória da Imprensa, publicação que transforma em documento permanente as ideias centrais debatidas no projeto Ciclo de Conferências ABI 95+5, em comemoração aos 95 anos da entidade. O tema desta vez é “Racismo, Economia e Jornalismo”, a partir da conferência proferida pelo economista, professor e vereador de Salvador, Silvio Humberto, realizada em 14 de maio, um dia após a data oficial da abolição da escravatura no Brasil.

Com base em sua tese de doutorado, defendida na Unicamp, e no livro Um Retrato Fiel da Bahia, o autor tece um denso e provocador panorama histórico, econômico e político sobre o racismo estrutural no Brasil, com foco especial nas heranças perversas do pós-abolição. A exposição de Silvio evidencia como o país criou estratégias para manter as hierarquias raciais, mesmo após o fim formal da escravidão, excluindo sistematicamente a população negra dos espaços de poder, riqueza e decisão.

“A Bahia é uma sociedade pigmentocrática”, afirma. “Quanto mais clara for sua pele, maiores são as suas chances de ascensão.” Com falas diretas, o conferencista denuncia a lógica da exclusão racial como obstáculo persistente ao desenvolvimento da cidade, do estado e do país. Entre as reflexões propostas, destaca-se a pergunta que atravessa toda a conferência: por que a maioria ainda não chegou ao poder, à universidade, às lideranças da economia e da política?

A edição também traz artigos dos jornalistas André Santana, doutorando em Estudo de Linguagens pela Uneb, e Nelson Cadena, historiador e diretor de cultura da ABI. Os textos abordam, respectivamente, a resistência das mídias negras digitais no século XXI e o histórico de exclusão e protagonismo de jornalistas negros na imprensa baiana, com base em dados, relatos e arquivos resgatados pela entidade.

Na “Palavra do Presidente”, o jornalista Ernesto Marques destaca que a publicação reafirma o compromisso da ABI com uma agenda antirracista permanente. “O racismo, além de estúpido, monstruoso e violento, é também burro. Ao excluir um contingente enorme da população das oportunidades, contribui para mantermos o Brasil na condição de subdesenvolvimento”, afirma.

Com projeto gráfico da Editora Bamboo e imagens de fotógrafos reconhecidos como Rafael Martins, Fernando Vivas, Amanda Ercília, Joá Souza e o cineasta Antonio Olavo, a revista é distribuída gratuitamente e está disponível para leitura no site da ABI. Esta é a terceira edição especial da série que celebra os 95 anos da entidade com discussões estratégicas sobre o presente e o futuro da comunicação e da sociedade baiana.

A publicação, que tem edição de Biaggio Talento e coordenação editorial de Jaciara Santos – diretora de Comunicação da ABI – e Ernesto Marques, é também um gesto de reparação simbólica: traz à luz personagens invisibilizados, como Thales de Freitas, farmacêutico negro articulador da fundação da ABI, resgatado pelo historiador Nelson Cadena e hoje homenageado na principal sala de reuniões da instituição.

Ler esta edição é confrontar o espelho da cidade, da imprensa e das estruturas de poder que insistem em negar a negritude como parte essencial de sua identidade. É também reconhecer a urgência de políticas públicas, de ações afirmativas e de um jornalismo comprometido com a verdade.

  • Confira a publicação abaixo e os outros números aqui.
Julho 2025

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ABI BAHIANA

13 de maio e o dia seguinte: Conferência na ABI expõe retrato da Bahia que o Brasil insiste em não ver

Nesta terça-feira (14), a sede da Associação Bahiana de Imprensa realizou a terceira conferência do ciclo ABI 95+5, que celebra os 95 anos da entidade. O evento recebeu o economista, vereador e intelectual negro Silvio Humberto para um mergulho nas camadas profundas do Brasil pós-abolição — ou, como prefere nomear, do 14 de maio — para revelar as estratégias silenciosas que sustentaram o racismo estrutural no país.

Autor do recém-lançado livro Um Retrato Fiel da Bahia: sociedade, racismo e economia — fruto de sua tese de doutorado defendida em 2004 na Unicamp —, Silvio propôs uma análise que vai além do fim jurídico da escravidão. “A abolição não significou o fim das relações raciais; ela apenas mudou os códigos pelos quais elas se manifestavam. Se antes o racismo era estruturado pela escravidão, depois ele se disfarçou de mito da democracia racial”, afirmou.

Em uma sala repleta de jornalistas, Silvio Humberto expôs como o Brasil — e particularmente a Bahia — redesenhou seu modelo econômico sem jamais incluir de fato a população negra liberta. “O racismo, além de violento e desumano, é burro. Ele atrasa a economia, impede o desenvolvimento e marginaliza uma maioria sob a justificativa de uma suposta inaptidão para o trabalho livre”, destacou, evocando análises de Celso Furtado, por exemplo.

Pigmentocracia

Entre dados históricos, relatos pessoais e referências acadêmicas, Silvio trouxe à tona o conceito de pigmentocracia: um sistema de hierarquia social determinado pelo tom da pele. “Na Bahia, quanto mais claro você for, maiores são suas chances de ascensão. A cor da pele continua sendo critério de mobilidade social”, sentenciou, destacando como essa lógica persiste mesmo em setores modernos como o polo tecnológico que se instala no estado.

Ao relembrar que o 13 de maio de 1888 é, em verdade, um marco inconcluso, o economista propôs uma mudança de lente: “Nos ensinaram a celebrar o fim, mas o que precisamos é refletir sobre o que começou no dia seguinte — o 14 de maio, quando o Estado e as elites reorganizaram o trabalho e o poder mantendo os negros à margem”.

Citando exemplos do cotidiano, desde o transporte público até o mercado de trabalho e o ensino superior, o vereador traçou o que chamou de “círculo vicioso da pobreza racializada”, reforçado por uma elite que “prefere atrasar a Bahia a ver o povo negro progredir”.

Imprensa antirracista

Durante a conferência, Silvio também destacou a interface entre a imprensa e a luta antirracista. “A imprensa precisa não só dar visibilidade à causa, mas combater as fake news históricas que sustentam a negação do racismo. A imprensa tem esse papel de, não só comunicar, mas também formar as pessoas, contribuir na formação cidadã. O enfrentamento ao racismo precisa ser coletivo”, disse, ao elogiar o esforço da ABI em incorporar o debate racial à sua agenda permanente.

Ernesto Marques, presidente da ABI, reforçou que cobrir racismo não deve ser tratado como uma editoria ou recorte eventual: “Não basta criar uma comissão de jornalistas negros na ABI. A luta antirracista precisa estar no centro da política editorial das redações”, afirmou, apoiado pelos demais diretores presentes.

Da dor à potência

No decorrer de sua fala, Silvio confrontou ainda o mito de Salvador como Roma Negra, lembrando que a cidade nunca elegeu um prefeito negro. “Somos a maioria, mas não estamos nos lugares de poder. Isso não é acaso, é projeto”, afirmou, numa crítica direta ao modelo excludente que ainda rege as estruturas políticas e econômicas do estado.

Apesar do diagnóstico duro, Silvio Humberto encerrou sua fala com esperança. Para ele, a resistência cultural e a inventividade negra seguem vivas e são motor de transformação. “A Bahia é singular e plural. Nossa ancestralidade é força e não obstáculo. Mas é preciso virar a chave, integrar a maioria, democratizar o Estado e reconfigurar as prioridades de investimento”.

A conferência, que será transcrita quase integralmente na próxima edição da revista Memória da Imprensa, contou com um público formado por jornalistas como Jairo Costa Júnior, Donaldson Gomes, Edson Rodrigues, Pablo Reis, Osvaldo Lyra e Fernando Sodake, além da chefe de gabinete do vereador Silvio Humberto, Silmar Carmo, em um debate profundo, necessário e incômodo — como devem ser as conversas que querem mudar o mundo.

“Na Bahia, quanto mais claro você for, maiores são suas chances de ascensão. A cor da pele continua sendo critério de mobilidade social.” — Silvio Humberto

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