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Liberdade de imprensa na América Latina retrocede e violência contra jornalistas aumenta, diz SIP

Os crescentes retrocessos da liberdade de expressão nos últimos anos e o aumento de agressões a jornalistas na América Latina e no Caribe foram denunciados neste domingo durante a 70ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que acontece até terça-feira em Santiago, no Chile. No total, 11 jornalistas da região morreram no último semestre, de acordo com a organização, que criticou as restrições crescentes ao acesso a informações em Venezuela, Equador e até mesmo nos Estados Unidos — principalmente após os vazamentos do ex-agente da CIA Edward Snowden. Alguns cenários de agressão a profissionais foram as manifestações que antecederam a Copa do Mundo no Brasil, os protestos em Ferguson, Estados Unidos, pelo assassinato de um jovem negro, e as manifestações estudantis no Chile. A violência e a insegurança são algumas das principais ameaças ao jornalismo na América Latina, segundo os relatórios da SIP.

Durante cerca de dez horas, 20 representantes da imprensa da América Latina detalharam a situação que enfrentam – e em pelo menos oito deles há motivos de sobra para inquietação. As situações vividas em países como Equador, Venezuela, Argentina, Cuba e Nicarágua “fazem do continente um mar de intolerância e degradação”, resumiu o presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa da SIP, o uruguaio Claudio Paolillo. Além desses cinco, a situação é preocupante no México, na Bolívia e na Colômbia. Em todo o planeta, segundo ele, “só 14% da população vive em sociedades com liberdade de imprensa. Os outros 86% enfrentam restrições de todo tipo”. No balanço geral de seis meses feito pela SIP, 11 jornalistas morreram no continente por denunciar o crime organizado e criticar autoridades.

A leitura começou com a situação do Brasil, apresentada por Marcelo Rech, em nome da Associação Nacional de Jornais (ANJ) – e antecipada ontem pelo jornal O Estado de S. Paulo. O documento relata 84 episódios, principalmente de agressões e censura judicial. No intervalo das leituras, dois painéis trouxeram depoimentos sobre a qualidade da democracia no continente – um deles da colombiana Catalina Botero, que acaba de deixar a Relatoria da Liberdade de Imprensa da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), e outro do uruguaio Edison Lanza, que a sucedeu nesse posto.

Para o novo relator para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), Edison Lanza, há alguns países com situações mais graves do que os outros, mas o cenário é comum a toda a região. “A situação da liberdade de expressão que se vive no cotidiano na região é de tirar o fôlego. Após 30 anos de restauração da democracia em nossos países, às vezes parece incrível como não podemos sequer discutir ou debater estas questões”.

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As palavras de Lanza foram corroboradas por José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch. Para ele, é “alarmante” que nos últimos anos tenha sido imposto na América Latina um processo de banalização de compromissos coletivos para promover e defender a democracia, os direitos fundamentais, as liberdades civis, a independência do Poder Judiciário e a liberdade de expressão. “Os casos da Venezuela e do Equador são emblemáticos sobre os riscos que existem para a liberdade de expressão na região. É importante termos um órgão com caráter, força, recursos, liderança, coragem e inteligência”.

Vigiados

Ao descrever a situação da imprensa na Argentina, aonde o governo vem pressionando duramente jornalistas e cerca de 80% da mídia está sob o controle do governo, o colunista Joaquin Morales Solá, de La Nación, disse que há no país uma perseguição constante, “que põe o jornalismo à beira da extinção, pois somos vigiados diariamente em nossos telefones e nossas casas. Somos insultados nas ruas por fanáticos do governo”. E completou: “Pouco importa se o governo foi legitimamente eleito. Na democracia o fundo é tão importante quanto a forma. O fundo é que é a forma na democracia”.

O jornalista chileno Genaro Arriagada relatou injustiças que sofreu e testemunhou, primeiro sob o governo comunista de Salvador Allende, que se preparava para calar a imprensa não governista, e depois da ditadura militar de Augusto Pinochet. Mas os desafios do presente são de outro tipo, afirmou: “O que vemos nos EUA, na Europa, na America Latina, em outras regiões, é um crescente controle também exercido por grandes corporações”.

Na Venezuela, foram 292 casos de violações de liberdade de expressão entre janeiro e setembro deste ano: um aumento de quase 67% em relação a 2013, quando se registraram 175 casos. A maior violação é a censura: foram 107 casos até agora, o que representa um aumento de 37,17% em relação a todo o ano passado. A SIP também destacou que mais de 30 veículos impressos são afetados pela escassez de papel, e 12 deixaram de circular, temporária ou definitivamente.

O relatório sobre o Equador, que repetiu o quadro de perseguições e proibições, detalhou duas normas recentes criadas pelo governo de Rafael Corrêa. Uma delas instituiu a figura do “defensor de audiência”, um funcionário que a empresa é obrigada a contratar, porém indicado pelas autoridades. É uma espécie de censor interno, que faz relatórios sobre os erros cometidos ao se publicar uma notícia.

A segunda medida proíbe a autocensura dos jornais – mas o que a lei chama de “autocensura” é a decisão do jornal de não publicar uma “notícia importante para o interesse público”. Exemplo desse interesse: uma homenagem recebida pelo presidente Rafael Corrêa em uma viagem fora do país.

SIP condena atentados

Durante a abertura Assembleia-geral, na última sexta-feira (17/10), a entidade condenou recentes atentados contra jornalistas latino-americanos. O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da entidade, Claudio Paolillo, afirmou que desde o último encontro da SIP em Barbados aconteceram oito novos crimes no continente, três em Honduras, dois no México, um na Colômbia, um em El Salvador e um no Peru.

Entre os atentados recentes, a instituição citou o assassinato do repórter paraguaio Pablo Medina, do jornal ABC Color, na última quinta-feira (16/10). O segundo foi o desaparecimento, na quarta-feira (15/10) e a morte confirmada na sexta-feira (17/10) da ativista mexicana María del Rosario Rubio, jornalista-cidadã conhecida por denunciar as ações do cartel do Golfo, que controla as atividades do narcotráfico no nordeste do país.

Medina é o terceiro comunicador morto por narcotraficantes no Paraguai em apenas um ano. “A morte de Medina enluta o início de nossas reuniões, cujo propósito é justamente reavaliar como se exerce a liberdade de imprensa e o trabalho de investigar em nossos países”, disse Paolillo.

*Informações da AFP, O Globo e Agência Estado.

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SIP aborda violência e pressão política sobre imprensa na América

DEU NO ESTADÃO – A violência física contra jornalistas em alguns países e a crescente pressão econômica contra empresas de comunicação em outros continuam sendo os desafios mais urgentes para a imprensa na América Latina – e é desses temas que tratará, fundamentalmente, a 70.ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com início nesta quinta-feira, 16, em um elegante hotel do bairro El Golf, em Santiago do Chile. 

“A imprensa do nosso continente continua chamando a atenção do mundo”, resume o representante brasileiro no encontro, Marcelo Rech, do Comitê Editorial da Associação Nacional de Jornais (ANJ). A agenda do encontro – que reunirá cerca de 400 profissionais e se estenderá por quatro dias – incluirá, segundo ele, “as questões específicas de violência, frequentes na vida de jornalistas no México e no Brasil, e também o agravamento da situação da liberdade de informação em países como Venezuela, Equador e Argentina”. Um balanço divulgado na semana passada, em Buenos Aires, dá conta desse agravamento: um estudo aponta que mais de 80% da mídia do país está hoje sob controle do governo argentino.

Os debates de Santiago foram divididos em quatro temas. O primeiro é o estado atual da liberdade de expressão no continente e seu ponto alto será a leitura, por representantes de cada um dos países, da situação da imprensa local. Depois de debatidos e votados, esses relatórios comporão o balanço final da imprensa na região.

Desafio digital

O segundo eixo será a análise dos “cenários complexos e em permanente evolução” da indústria dos meios de comunicação – leia-se, a busca de novos modelos de atuação numa sociedade cada dia mais mergulhada na cultura digital. “A velocidade do desenvolvimento do mundo digital não tem precedentes”, resume um dos textos de apresentação. Trata-se de um mundo novo em que a demanda de informação via telefones celulares “abre um novo formato para a difusão da informação”.

O terceiro tema abordará “os projetos editoriais e a geração de novas audiências”. No último deles se exporá o que se faz e o que se pensa, nos meios publicitários, para distribuir as mensagens com eficácia nos novos formatos digitais.

Esse pacote tecnológico incluirá a exposição sobre experiências bem-sucedidas de grandes ou pequenas empresas de comunicação, e não só na América Latina. Para tanto, a SIP convidou para as discussões estudiosos do tema em países europeus e nos Estados Unidos.

*GABRIEL MANZANO – O ESTADO DE S. PAULO

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