Pela primeira vez, o governo cubano admitiu o credenciamento de um veículo independente em evento oficial, fato visto como uma modesta vitória da imprensa daquele país na luta pelo direito de existir onde todos os meios de comunicação pertencem ao Estado. Um dos eventos mais prestigiados da América Latina, o Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano, que começou na última quinta-feira (4) em Havana, autorizou a participação do site 14ymedio.com, fundado e dirigido pela blogueira Yoani Sánchez, abrindo uma brecha no monopólio estatal da informação.
Desde que foi ao ar, 21 de maio deste ano, “14ymedio” tem sido caracterizado por postar conteúdo com forte crítica política e social do governo. Em declarações telefônicas à mídia do exílio cubano em Miami, Sánchez comemorou o acontecimento. “Não sabemos se é uma abertura ou não”, ponderou a filóloga que virou jornalista. Sánchez se tornou conhecida a partir de 2007, com seu blog Generación Y, anterior ao 14ymedio.
Em sua passagem pelo Brasil, em fevereiro de 2013, Yoani Sánchez foi centro de debates sobre o regime cubano e a liberdade de expressão. A visita da blogueira causou uma série de manifestações em Recife, Brasília, São Paulo, Salvador e Feira de Santana, onde grupos políticos simpáticos ao regime instaurado em 1959, com a Revolução Cubana, reagiram com agressividade e impediram Yoani de se pronunciar, fato rechaçado em nota pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
A inusitada decisão do Festival acontece poucos dias depois de uma tentativa frustrada do redator-chefe do 14ymedio e marido de Yoani Sánchez, Reinaldo Escobar, de conseguir se cadastrar para cobrir a visita à ilha do ministro de Relações Exteriores espanhol, José Manuel García-Margallo, no final de novembro. A mudança de atitude das autoridades poderia estar relacionada com a urgência do Governo cubano — devido à previsão de redução iminente da ajuda econômica da Venezuela— de chegar a um acordo de cooperação com a União Europeia e conseguir uma flexibilização do embargo comercial dos Estados Unidos.
“O colaborador de temas culturais foi ao escritório onde são feitas as credenciais e fez”, disse à DPA Reinaldo Escobar, jornalista que foi expulso do jornal oficial “Juventud Rebelde” no final dos anos 80 por criticar o regime de Fidel Castro. Ele não se atreve a valorizar o que aconteceu como um gesto de abertura da informação. “Eu não posso dizer que esta tem sido uma negligência de quem fez o credenciamento, nem posso dizer que foi uma coisa que foi autorizada a partir de cima. Vamos agir como o que somos, um meio digital que tem todo o direito de ser creditado em qualquer que seja o evento”, afirmou o jornalista dissidente.
A presença muito comentada nos últimos dias em Havana de Ernesto Londoño, jornalista colombiano do conselho editorial do The New York Times, que se reuniu com Sánchez e sua equipe, além de visitar as redações da imprensa oficial, também teria contribuído para a abertura repentina, segundo vários analistas.
O nome de um jornal
“Não queríamos nos apropriar do nome de Cuba para usá-lo como nossa marca e, no seu lugar, escolhemos o mais universal dos códigos: os números.” Yoani Sánchez cumpriu a promessa que anunciou em sua visita ao Brasil e lançou o jornal eletrônico 14ymedio. O nome inspira-se em referências temporais (2014) e espaciais (o andar do apartamento de Yoani, onde funciona a Redação), bem como na ideia de comunicação (“medio”: veículo), e inclui um atestado de origem: o Y, referência a seu blog, “Generación Y”. Num gesto de respeito à diversidade política, “Cuba” ficou de fora: 14ymedio está dizendo que Cuba é a pátria de todos os cubanos, não uma propriedade ideológica.
A pequena redação do veículo, instalada no 14o andar de um edifício de Havana, funciona ilegalmente e vários de seus colaboradores foram intimidados pela Segurança do Estado. Além do contexto político, que não permite o exercício independente do jornalismo, o 14ymedio enfrenta o desafio técnico de chegar aos leitores cubanos em um dos países com menor acesso à Internet de todo o planeta. Os servidores cubanos controlados pelo Estado bloqueiam o acesso ao 14ymedio desde o dia de seu lançamento. Apesar disso, o jornal digital chega à ilha por meio do Facebook, que não é censurado, e de uma versão em PDF que pode ser impressa e que circula facilmente pelos dispositivos USB.
*Informações do El País, El Comercio via Agência DPA e Folha de S. Paulo.