A mais antiga associação civil negra do Brasil, Sociedade Protetora dos Desvalidos – SPD, completa 190 anos em 2022 e lançou a campanha de financiamento coletivo “SPD 190 ANOS – Eu faço parte desta história”. O objetivo da ação é levantar recursos para a produção de um documentário sobre a entidade sediada no Largo do Cruzeiro de São Francisco – Terreiro de Jesus, no Centro Histórico de Salvador. A campanha ficará ativa até o dia 2 de junho, no site Benfeitoria (clique aqui).
Foi através dos 19 homens negros alforriados e liderados por Manuel Victor Serra que nasceu a Sociedade, em 16 de setembro de 1832. Durante e depois do período da escravidão, ela atuou como caixa de empréstimos e penhores, comprou cartas de alforria, apoiou na doença, na invalidez, na velhice e ainda na garantia de um funeral digno.
“Essa instituição inicia-se estrategicamente como Irmandade Nossa Senhora do Amparo da Soledade dos Desvalidos”, conta a professora e geógrafa Regina Célia Rocha. Especialista em Direitos Humanos e em Cultura Africana e Afrobrasileira, a escritora chegou a integrar a Diretoria Social (2013-2018) e a vice-presidência da SPD antes de assumir a presidência do Diretório Administrativo em 2021. Mas sua história com a instituição começou lá atrás. “Cheguei aos oito anos trazida pelo meu avô, que era sócio da Casa. Sigo o legado de Manuel Victor Serra e de Lígia Margarida, a primeira mulher presidenta da SPD”, lembra.
Para ela, a importância da campanha em curso “é o resgate da nossa memória, o resgate da população negra urbana de Salvador, do Brasil e dos povos negros sequestrados do continente africano”, enfatiza. “Sinto-me muito honrada, por estar nesse grande movimento. Sempre digo que a SPD é sinônimo de luta, resistência, persistência e ação”. Entre as principais ações da SPD na atualidade está a manutenção de uma casa de apoio aos estudantes africanos e quilombolas, e o apoio a um projeto chamado “Hoje Menina, amanhã Mulher”.
Documentário
O cineasta baiano Antonio Olavo, diretor da Portfolium Laboratório de Imagens, desembarca no projeto com sua bagagem de quase cinco décadas de atuação e falando de um lugar todo especial, já que ele é sócio da SPD. “Ao completar 190 anos, a SPD merece ter um filme documentário que registre sua história. São quase dois séculos de um legado valioso, sobretudo de afirmação e resistência, construindo sentimentos e valores dignos, anunciadores de uma outra história do povo negro, uma história que nos faz ter orgulho e admiração para com todas/todos que nos antecederam”, salienta o diretor.
Antonio Olavo reflete sobre o papel da entidade. “Muito fez pelo povo negro, durante e depois do cruel período da escravidão. Certamente, não foi fácil viver sob este regime. Associações mutuárias como a SPD tornaram esse viver menos doloroso e conquistaram muitos sonhos de liberdade”.
Conhecido por trabalhar com temas ligados à valorização da memória negra, ele já dirigiu sete filmes longas-metragens, entre eles: “Paixão e Guerra no Sertão de Canudos” (1993); “Quilombos da Bahia’ (2004); ‘Abdias Nascimento Memória Negra” (2008); “A Cor do Trabalho” (2014) e “1798 Revolta dos Búzios” (2018). Dirigi também uma série para TV denominada “Travessias Negras” (2017).
O diretor conta que a ideia de fazer o doc surgiu em setembro passado, quando foi convidado a palestrar na instituição. “Como a SPD não tem recursos para bancar a produção do filme, resolvemos realizar uma campanha de Financiamento Coletivo, que levantasse os recursos necessários para cobrir o orçamento do filme, estimado em R$ 390.000,00”, explica. “Queremos reafirmar um sentimento de que o Brasil não tem apenas a memória das elites brancas, mas também a bela e encantadora memória do povo negro”, ressalta Antonio Olavo.
“Que outra entidade negra, da sociedade civil pode comemorar 190 anos de existência, de funcionamento ininterrupto?”, indaga o historiador Sérgio Guerra, antigo parceiro da SPD em diversos eventos culturais. Ele avalia que a SPD vive hoje um amplo processo de renovação e ilustra com o fato de a atual Diretoria ser presidida pela 2ª mulher, consecutivamente, depois de 190 anos. “A trajetória da entidade justifica plenamente um registro desta grandiosa epopeia negra, como fruto de uma luta vitoriosa que a história branca, eurocêntrica e oficial tem tentado negar a existência. Este, portanto, é um registro definitivo para a história da luta do povo brasileiro e negro do Brasil e, quiçá, de toda a diáspora africana”, avalia.
Campanha
A expectativa em torno da produção é grande, mas, para isso se concretizar, o objetivo de arrecadação precisa ser atingido. “A SPD certamente merece um filme que registre seu enorme legado, único no Brasil, e sua gloriosa história. Acredito no êxito, pois a nossa ancestralidade está presente, nos guiando e protegendo. Não foi à toa que eles colocaram Antonio Olavo e Sérgio Guerra em nosso caminho. Para mim, Olavo é uma das maiores representações do cinema brasileiro”, elogia Regina Célia.
A campanha vai durar até o dia 2 de junho. Se a meta for alcançada, no mesmo mês a pré-produção será iniciada. Em agosto e setembro, serão feitas as filmagens. Logo depois, entre outubro e novembro, o filme entra em fase de pós-produção e finalização. O longa metragem tem previsão de lançamento para 12 de dezembro de 2022, fechando o ciclo de celebrações dos 190 anos da SPD.
Essa iniciativa possui dois eixos principais de captação de recursos. O primeiro é através do Livro de Ouro, com contribuição mínima de R$ 1.000,00 e que oferece como contrapartida social a inserção do nome dos assinantes nos créditos iniciais do filme. O segundo eixo é a chamada vaquinha online, que se dá através da plataforma Benfeitoria, onde é possível apoiar a realização do filme com qualquer quantia.
Para participar da campanha, basta acessar o site da benfeitoria e fazer a contribuição: https://benfeitoria.com/projeto/spd190anos
Ou, através do Pix, com qualquer valor. Chave: [email protected]