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Brasil, um país sem uma política de segurança pública

DEU NO EL PAÍS (Edição Brasil)

Há duas décadas as primeiras pesquisas de opinião identificaram que a segurança pública seria um dos temas que deveriam ser levados aos debates presidenciais no Brasil. Isso porque é um assunto que passou a preocupar os cidadãos, diante do aumento das taxas de roubos e homicídios, da baixa resolução dos crimes e do consequente aumento da sensação de insegurança. Naquela época, a taxa de homicídios era de 20,2 para cada grupo de 100.000 habitantes. Ou seja, a cada dia 83 pessoas eram assassinadas no país. Depois de dois governos tucanos (Fernando Henrique Cardoso – 1995 a 2002) e quase três petistas (Lula da Silva – 2003 a 2010 e Dilma Rousseff – 2011 a 2014) a taxa saltou para 29, o que quer dizer que 154 assassinatos acontecem por dia.

Com exceção dessa elevação, pouco parece ter mudado, segundo analistas consultados pelo EL PAÍS e conforme os mais recentes levantamentos feito a esse respeito. Uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgada no início deste mês mostrou que 25% dos brasileiros dizem que o problema que mais o aflige é a segurança pública. Só a saúde tem um índice maior, 32%.

Casos recentes de assassinatos, como uma chacina em janeiro no interior de São Paulo ou a rebelião em uma penitenciária do Paraná neste fim de semana, só reforçam essa percepção negativa que atinge governadores, prefeitos e o presidente da vez. “Para os cidadãos não importa se a lei diz que a responsabilidade pela segurança pública é do Estado. Para eles, todos são responsáveis e, de certa maneira, eles têm razão”, ponderou o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade de Brasília, Arthur Trindade Costa.

Pesquisador do tema há quase vinte anos, Costa diz que as ações precisariam de uma integração maior entre todos os entes e esse protagonismo deveria ser da União. “Até agora, o governo federal se mostrou muito tímido na tarefa de induzir reformas e em buscar instrumentos que melhorem a segurança”, avalia.

O que chama a atenção é a falta de continuidade de projetos nas trocas de governos. Um exemplo é o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado na gestão Lula, mantido nos primeiro anos de Rousseff, e extinto por ela mesma na segunda parte de seu mandato em troca do projeto Brasil Mais Seguro. “Em muitos casos a participação do governo federal se resume em comprar viaturas e oferecer treinamento para os policiais. Isso não é uma política de segurança”, diz o sociólogo José Luiz Ratton, professor da Universidade Federal de Pernambuco e um dos idealizadores do Pacto Pela Vida, projeto do governo pernambucano que reduziu os homicídios em quase 60% em sete anos.

Obscuro

A falta de transparência na divulgação dos dados é outro fator que dificulta a criação de um plano nacional de segurança e de qualquer outro planejamento. Países como os Estados Unidos ou o Canadá produzem há quase um século anuários estatísticos detalhando onde ocorreram os principais crimes. O governo brasileiro nunca fez por si só nada parecido. Ao invés disso, financia alguns projetos específicos, como o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ou Mapa da Violência. São iniciativas importantes, mas sem o carimbo direto da União.

Sem informação, o índice de esclarecimento de crimes se reduz. Isso sem contar a falta de estrutura que influencia diretamente nesse quesito também. O estudo “Investigação sobre homicídios no Brasil”, lançado em maio de 2013, mostra que dependendo do Estado menos de 15% dos casos são solucionados. Um dos problemas é a falta de estrutura. Em algumas cidades do entorno do Distrito Federal, por exemplo, há quatro policiais para esclarecer qualquer crime. “Para se solucionar um homicídio, o ideal é que o policial esteja no local do assassinato em menos de 24 horas depois do ocorrido. Mas com essa quantidade de pessoal, isso não é possível”, afirma o pesquisador Trindade Costa.

Outro empecilho é a falta de empenho dos governantes. “O papel do gestor de segurança é fundamental. Os casos brasileiros em que houve um avanço tiveram a participação direta dos secretários ou governadores. Isso deveria ser replicado nacionalmente”, pondera o pesquisador Bráulio Silva, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nas eleições deste ano o tema voltou a fazer parte dos programas de governo dos principais candidatos. As equipes das campanhas do PSDB, de Aécio Neves, e do PSB, de Marina Silva, já deixaram claro que vão tentar repetir as ações que seus partidos tomaram em dois Estados que governaram, Minas Gerais e Pernambuco. Já o PT, de Dilma Rousseff, não deixou claro se manterá a atual política de financiamento eventual dos Estados, sem uma intervenção direta, ou se implantará algo mais profundo.

Para o sociólogo Pedro Bodê de Moraes, da Universidade Federal do Paraná, sem uma política de segurança que privilegie a redução principalmente dos homicídios, o Governo vai passar um duro recado à sociedade: “A vida vale muito pouco no Brasil”.

*Afonso Benites para o El País.

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Jornalistas lançam portal sobre segurança pública e direitos humanos

Com o apoio da Pública – Agência de Jornalismo Investigativo, repórteres investigativos se juntaram em um projeto para criar a “Ponte” (www.ponte.org), novo canal de informações sobre Segurança Pública, Justiça e Direitos Humanos, que entra em atividade a partir desta segunda-feira (23/6). O site, que conta com um grupo de 19 jornalistas renomados, vai seguir o modelo de produção jornalística baseada na formação de coletivo de profissionais, “unidos em um projeto sem fins lucrativos e independente, sem nenhum tipo de filiação partidária e aberto ao diálogo e à colaboração da sociedade”, como garante a nota divulgada pelo grupo. A intenção é aliar jornalismo, opiniões de acadêmicos e especialistas, com as ferramentas das novas tecnologias e da nova sociedade.

Entre os envolvidos, estão nomes como Laura Capriglione, André Caramante, Bruno Paes Manso, Natalia Viana e outros. Os profissionais se reuniram no início do ano para discutir o atual cenário da cobertura jornalística sobre o tema. A conclusão foi que a imprensa precisa adotar uma nova abordagem, respeitando questões éticas e princípios jornalísticos. “Essa é a melhor aposta no jornalismo este ano no Brasil. Precisamos falar de segurança pública com o viés dos direitos humanos”, afirma Natalia Viana, uma das fundadoras e diretora de estratégia da Agência Pública, incubadora do projeto.

Segundo Laura Capriglione, que atuou por quase dez anos na Folha de S. Paulo em pautas sobre segurança pública, a Ponte questiona os parâmetros da cobertura tradicional da grande imprensa. “Os programas vespertinos da televisão, que são tremendamente sensacionalistas, feitos praticamente aos gritos, com apresentadores histéricos, são programas que têm audiência altíssima. Isso mostra que existe um interesse da população nesse assunto”. Além disso, Laura afirma que o papel da imprensa com uma boa cobertura jornalística é determinante para o funcionamento correto da democracia no Brasil.

“Conquistas absolutamente essenciais para a democracia começam a ser colocadas em risco. Com a Ponte nós reafirmamos nossa aposta na democracia e no Estado Democrático de Direito. Então o nosso objetivo é, mesmo, defender princípios sempre de maneira pluralista, apartidária e independente, que é o que configura o melhor jornalismo. Se a questão da segurança pública, da justiça, dos direitos humanos, não é tratada com a seriedade e com a urgência que ela precisa, a democracia corre um sério risco no Brasil. E, ao contrário, a gente pode envergar mesmo para uma sociedade de linchadores, de pessoas que acham tudo bem fazer justiça com as próprias mãos, e não dar o direto de defesa para as pessoas”, defendeu a jornalista em entrevista ao Portal Imprensa.

A página terá atualizações diárias, com reportagens predominantemente em texto, mas também com conteúdo multimídia. A redação da Ponte opera dentro da sede da Pública, em São Paulo (SP). A agência também faz parte do conselho editorial do projeto, auxiliando na discussão de pautas, e também ajudando a equipe a se estruturar como instituição. A expectativa é que a “Ponte” se torne totalmente independente até 2015.

De acordo com o jornalista Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e um dos fundadores da “Ponte”, o projeto não pretende “corrigir” a cobertura da imprensa tradicional, mas sim propor uma nova abordagem. “A mídia fala de uma série de assuntos, como política, economia, tem cobertura do congresso, do senado, Copa do Mundo, transporte, etc. A questão da segurança pública acaba ficando para outro plano. Sendo que, na nossa avaliação, esse é um assunto muito importante e que é mal coberto”, diz Manso.

Além de Laura, Caramante, Manso e Natália, fazem parte da equipe Caio Palazzo, Claudia Belfort, Fausto Salvadori Filho, Gabriel Uchida, Joana Brasileiro, Maria Carolina Trevisan, Marina Amaral, Paulo Eduardo Dias, Rafael Bonifácio, Tatiana Merlino, William Cardoso, Ana Paula Alcântara, Guga Kastner, Luís Adorno e Milton Bellintani.

Leia o manifesto publicado no site e confira abaixo o vídeo de introdução da “Ponte”:

*Informações de Lucas Carvalho para o Portal Imprensa, com Portal Comunique-se.

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