O jornalista Emiliano José é o mais novo imortal da Academia de Letras da Bahia (ALB). Eleito pelos pares na quinta-feira (10) por maioria absoluta, com 21 votos e cinco em branco, ele irá ocupar a cadeira de número 1, que pertencia ao historiador Luís Henrique Dias Tavares. Reconhecido pelos acadêmicos por sua trajetória e obra, Emiliano José conta que, desde a indicação, sente-se comovido e honrado.
Aos 74 anos de idade e com 16 livros publicados, Emiliano acredita que foi o jornalismo que o gabaritou para assumir a posição. A profissão, que virou “uma paixão permanente”, serviu de ponto de partida para a escrita e, por isso, ele sente que deve dividir o reconhecimento com os colegas. “Quem chega à Academia, neste caso, são os jornalistas junto comigo. Esse é um reconhecimento de minha trajetória como homem da palavra e da escrita, não está em causa o parlamentar ou nada disso, mas a minha tradução das palavras como homem da escrita”, afirma.
Obra reconhecida
Emiliano, que já participou de muitas eleições na vida, conta que a da ALB foi completamente diferente. “Não precisei brigar”, brinca. O jornalista revela que, dos bastidores à formalização da candidatura, o principal esforço foi do arquiabade do Mosteiro de São Bento, dom Emanuel d’Able do Amaral, também membro da Academia. De acordo com Amaral, o nome de Emiliano já vinha sendo cogitado dentro da ALB e a candidatura se fortaleceu pela importância da obra do jornalista.
“O livro sobre o Padre Renzo, de Florença, por exemplo, que visitava os cárceres; ou a biografia de Waldir Pires, que eu fiz a orelha, também é excelente. Emiliano preencheu uma lacuna da história política contemporânea com muitos detalhes da ditadura que as pessoas não sabem e a história oficial não conta”, destaca dom Emanuel. Segundo Emiliano, outras possíveis candidaturas foram retiradas com sua indicação, tornando-se candidato único para o pleito.
Quem também acreditou na trajetória de emiliano foi o professor, poeta e jornalista Florisvaldo Mattos. Ocupante da cadeira 31 da ALB, Mattos é um dos votos declarados em Emiliano. “Por ele ser jornalista, pela sua qualidade como profissional, e, como escritor, ser o biógrafo do ex-governador Waldir Pires”, justifica.
Legado e continuidade
Já Luís Antonio Cajazeira Ramos vê semelhança nas trajetórias do jornalista e do seu antecessor na cadeira de número 1. Ele defende que a escolha do jornalista honra o legado de Luís Henrique Dias Tavares. “Lamentamos muito o falecimento de Luís Henrique, mas é de uma felicidade ímpar ele ser substituído por Emiliano, ambos são homens originalmente de esquerda, da comunicação, da história, foram presos políticos da ditadura, tem muita coisa parecida em suas trajetórias”, afirma o poeta.
Filho de Luís Henrique Dias Tavares, o vice-presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Luís Guilherme Pontes Tavares, concorda que Emiliano é um nome de peso para ocupar a cadeira, mesmo revelando não ter nenhuma preferência antes da indicação. Ele conta que, assim que houve o anúncio do resultado da eleição, Emiliano procurou sua família em um ato de respeito e solicitou informações e livros para o discurso de posse, entre eles a última edição de História da Bahia e o livro Sedição Intentada na Bahia em 1798, escritos por seu pai.
“Além de ambos cultivarem o diálogo de longo prazo, o professor [Luís Henrique] era eleitor de Emiliano. Ambos são jornalistas, professores e pesquisadores e têm uma obra voltada para a história (um para a história contemporânea, o outro para a história da Bahia). O outro ponto de convergência, e que dá um sentido de continuidade, é o compromisso com a liberdade. Emiliano tem o compromisso com o povo e o respeito ao povo”, avalia Luís Guilherme. Emiliano afirmou que ocupar a cadeira deixada pelo historiador Dias Tavares, morto em junho deste ano, é motivo de honra e de responsabilidade.
Orgulho da Bahia
Embora tenha nascido no estado de São Paulo, Emiliano é sobretudo um jornalista baiano. Aos 28 anos de idade, lembra ele, chegava como ‘foca’ no jornal Tribuna da Bahia, sua primeira casa, anos depois de deixar a prisão no período da ditadura. Suas contribuições para a área, no entanto, não têm fronteiras. É o que acredita Ernesto Marques, presidente da ABI. “Sua produção literária no campo acadêmico compõe uma bela contribuição para o jornalismo brasileiro por trazer reflexões preciosas sobre o papel da comunicação”, pontua.
Ernesto lembra que a decisão da ALB ocorre em um momento oportuno. “A poucos meses do cinquentenário do assassinato de Lamarca, em solo baiano, a eleição do autor de O Capitão da Guerrilha, escrito em parceria com Oldack de Miranda, é um justo reconhecimento ao seu valor como escritor e uma prova de vitalidade e contemporaneidade da Academia de Letras da Bahia”, afirma.
Hoje aposentado, Emiliano é responsável pela formação de gerações de jornalistas e escritores baianos, por sua atuação de mais de 20 anos na Faculdade de Comunicação da UFBA (Facom). Entre os alunos e alunas está a jornalista Suzana Barbosa, atualmente diretora da unidade. “Emiliano é um motivo de orgulho para a Facom e para a UFBA, sempre foi muito presente e atuante na instituição. Formado pela antiga EBC [Escola de Biblioteconomia e Comunicação], ele também fez seu mestrado e doutorado no programa de pós-graduação da Faculdade de Comunicação”, lembra Suzana. “Essa indicação só nos mostra essa figura comprometida que é Emiliano, com sua trajetória no jornalismo e na militância, a favor da democracia e com obras de referência para a nossa história atual”, completa a diretora da Facom.
‘Eu escrevo todos os dias’
Breve, será possível conhecer mais capítulos da história de Emiliano contada por ele mesmo. O escritor revela que “já está rodando” a editoração de O Cão Morde a Noite, livro autobiográfico que escreveu e que conta com prefácio do reitor da UFBA, João Carlos Salles. Ainda sem data definida de lançamento, a obra é de responsabilidade da Edufba com apoio da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA). O jornalista diz que já prepara a sexta edição de Galeria F: Lembranças do Mar Cinzento, uma série dedicada às histórias e aos personagens que sofreram à ditadura brasileira.
Atento aos novos tempos, Emiliano também escreve em seu perfil do Facebook uma série #MemóriasJornalismoEmiliano, contando bastidores, histórias e perfilando profissionais da imprensa baiana. “Eu escrevo todos os dias”, revela Emiliano.
História de escrita e luta
Além de jornalista e escritor, Emiliano é reconhecido por sua atuação política. Emiliano foi militante estudantil, chegou a ser preso político na ditadura, período em que escreveu Memórias do Mar Sem Fim. Filiado ao Partido dos Trabalhadores, também vivenciou à política assumindo mandatos como vereador por Salvador, deputado estadual e federal. É biógrafo com livros publicados sobre Carlos Marighela e Carlos Lamarca e, em 2019, lançou o segundo volume de sua biografia do colega Waldir Pires pela Edufba.
*Colaborou Simone Ribeiro